terça-feira, 1 de junho de 2010

ESTRELA DA TARDE, DOIS MOMENTOS


Foto by Fernando Campanella

I
NATUREZAS

Já não me iludes,
estrelinha mimada e arredia,
não me sabes, nem me sentes,
por que então na toca da noite
eu , romântico, te buscaria?

És o mesmo que qualquer coisa,
que tanto fez, como tanto faz,
qualquer dia que já tarde indo
nenhum trato outro dia me traz.

Tens das formigas a natureza alheia
e, malgrado tua luz, a inconsciência fria.

És, sim, algo qualquer, um pó errante,
um limão de que eu bebesse o sumo
só para fruir o teu azedo instante.

Nem mesmo vês que agora sou como tu,
um cego de ti, uma bela viola,
um falso diamante.

Fernando Campanella, 2006
II

FAC- SÍMILE

Estrela, minha Alfa Centauro,
ou uma outra qualquer
a inumeráveis anos-luz de indiferença,
sou um terráqueo instável , nem me sabes,
mas gosto de à noite deitar-te em meus olhos,
cansado das luzes nervosas onde me lavro.

Estrela, meu astro reinventado,
por que assim enternecido de ti me enamoro,
na funda noite exorcizado ?

Serias como humanos
que de longe nos encantam
trazendo de perto o cheiro de entranhas,
o encadeamento dos hábitos?

Apascentarias ovelhas à tua órbita?
Saberias da duração de tua glória?

E se eu te tocasse
e te dissolvesses em absurdos ares?

Se eu te devorasse , terias de mim próprio
a consistência mesmíssima de um pó,
a fragilidade de um pirilampo
- tudo tão simples fac-símile de tudo,
tão em si mesmo desmitificado?


(Estrela, tua terna esfinge me basta.)

Fernando Campanella, 2007


6 comentários:

  1. Campanella, às vezes contentamo-nos com a esfinge. Afinal, o mistério, se apavora, antes fascina.
    Abraços.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. "Era a tarde mais longa das tardes que me acontecia"... dizia um dos nossos poetas. Lembrei-me dele a propósito da sua "Estrela da tarde". Dois poemas acompanhados de um belo momento visual e musical. Somos pequenos neste cosmos que nos rodeia. Vejo em todos os entardeceres a estrela da tarde. Vou espreitá-la. Preciso de vê-la...
    " sou um terráqueo instável , nem me sabes,
    mas gosto de à noite deitar-te em meus olhos,
    cansado das luzes nervosas onde me lavro." Belíssimo!
    Um beijo, meu amigo.

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  4. Ah, Fernando, vc deu show, nem sei dizer se me encantei mais com "Nem mesmo vês que agora sou como tu,
    um cego de ti, uma bela viola,
    um falso diamante", ou com " E se eu te tocasse
    e te dissolvesses em absurdos ares?

    Se eu te devorasse , terias de mim próprio
    a consistência mesmíssima de um pó". Não sei dizer.

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  5. «Estrela, meu astro reinventado,
    por que assim enternecido de ti me enamoro,
    na funda noite exorcizado ?»
    ReinvençãO pura do Amor, exorcismo magnífico das palavras.
    Adorei!!!!
    Beijinho

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  6. Vim agradecer a visita ao Longitudes, Fernando... Descobri teu blog já há algum tempo e já te sigo. Uma beleza tua tua poesia! Abraço!

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