quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

DIÁLOGO


Foto by Fernando Campanella

Abaixo, uma montagem que fiz com alguns poemas meus e os comentários de meu amigo Brandão, (http://poesiacronica.blogspot.com/ ) aos mesmos.
Um diálogo com um tema tão gasto/tão novo como um ano que finda e outro que inicia.

Os segundos, as horas, os anos,
lá se vai mais um dia
do tempo que inventamos....

(Fernando Campanella)

Criamos o tempo, que nos destrói, mas a beleza nos salva. A beleza é de tal forma essencial que a forma mais sublime de Santo Agostinho referir-se a Deus foi na apóstrofe: "Ó Beleza antiga e sempre nova!"

(José Carlos Mendes Brandão)

por que moer
a mesma pedra?

por que a mesma esfera
sobre ossos
ad nauseam a girar?

nada mesmo de novo
sob o sol parece haver -
salvo um olhar

(Fernando Campanella)

Nada de novo - nem o sol, nem a pedra. Conservemos o olhar virgem, olhemos para as coisas como se as víssemos pela primeira vez, o que é bem Alberto Caeiro, mas sempre vale. Tudo já foi dito, não há nehuma ideia nova. Somente o olhar é novo. Eu disse em mais de um poema algo como: "Vazei os meus olhos / para ver."

(José Carlos Mendes Brandão)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

AO QUE FINDA, AO QUE INICIA


Foto by Fernando Campanella

Um brinde
à santa paciência dos homens de boa vontade, à inclusão do amor, ao coração breve, à equanimidade, à noite escura que pressente a madrugada, ao Espírito que nos aquece, ao alívio da dor, aos amigos, aos que nos cercam – e um perdão aos que nos ferem , aos que nos esquecem...

Bebamos à saúde
de Bagdá, Telavive, Palestina e Nova Iorque, das Áfricas de sul a norte, da Europa, Ásia e Islândia, dos Lamas, do cordeiro de Deus, do papa, das madrassas, dos avatares, dos babalorixás, da boa política de todos os credos, das Américas de toda sorte, do continente australiano, das ilhas, dos oceanos, dos pingüins da Antártida, dos ursos do Pólo Norte...

Uma saudação
aos judeus, cristãos e mulçumanos, aos mouros, hindus e budistas, aos celtas, índios , beduínos, esquimós, pigmeus, ( aos eventuais alieníginas), aos místicos, aos peregrinos, aos românticos, aos ateus, aos poetas errantes, aos bem resolvidos e aos que sofrem – os do mundo excluídos, os encarcerados, os terminais e delirantes - ao velho e à criança, aos grandes e pequeninos...

Loas
aos pássaros de toda plumagem e canto, aos insetos, répteis e sapos, à dança da chuva, à alquimia do sol, às folhagens, ao pólen, aos cristais de quartzo, aos riachos, à lua, aos céus, ao solo, aos planetas, aos meteoritos e pirilampos, aos buracos negros e às intransponíveis galáxias – e à arte maior que a tudo abraça e que de tudo se encanta...

Uma libação
aos vivos e aos mortos, ao ano que se desmancha, e ao que principia, à Terra, à nossa espoliada casa, ao dia-após-dia, à boa palavras, à nossa jornada, à luz da ciência, ao protocolo de Kioto, a Você, a Mim, à nossa imensa família, aos vários sexos e raças, às nossas diferenças e igualdade, à utopia, a um novo milênio , à esperança de um novo mundo com mais LUZ e TOLERÂNCIA, a um DEUS, enfim, maior à nossa própria imagem, às cores, à boa palavra, ao arco da nova aliança.

( Fernando Campanella, 31 de Dezembro de 2006)

UM FELIZ ANO NOVO A TODOS OS AMIGOS .

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

IMAGEM DO DIA, E CAEIRO


Foto by Fernando Campanella

...E a criança tão humana que é divina
é esta minha quotidiana vida de poeta,
e é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta
sempre,
e que o meu mínimo olhar
me enche de sensação,
e o mais pequeno som,
seja do que for,
parece falar comigo...

(Alberto Caeiro, 'O Guardador de Rebanhos', poeta VIII.
Heterônimo de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL


Foto by
Fernando Campanella

...Aqui também bate o sineiro
um sino doce, pequenino
e da branca torre, no natal,
todo ano como num encanto
desce do Deus menino
um soprinho.

(Fernando Campanella,
Versos finais do poema 'Sinos'
Dezembro de 2007)

Abaixo, quatro das canções de natal que muito me comovem. Algumas delas são voltadas ao silêncio da contemplação do mais belo mistério revelado miticamente aos homens. Outras expressam a alegria das duas vertentes humanas que se tocam nesta data: o sacro e o profano.

A todos os amigos que por aqui passam, meus votos de um sereno, feliz natal.







"Adeste fideles,
laeti triumphantes,
Venite, venite in Bethlehem!

Natum videte,
Regem angelorum
Venite adoremus"


( Venham fiéis
alegres e triunfantes
venham todos a Belém.

Venham e o contemplem,
Venham, adoremos
o deus dos anjos nascido)



quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

OS RIOS DE NOSSAS ALDEIAS


Rio Mandu, de Pouso Alegre, MG
Foto by Fernando Campanella


Quando mostrei a foto acima a um conhecido, ouvi algo como: 'Quem diria, não dá para reconhecer nosso velho, poluído, mal-cheiroso Mandu.'

O comentário me deixou feliz, por um lado, pois nele estava implícito um certo elogio à imagem do meu rio que eu registrara. Por outro, é triste constatar como nos distanciamos de coisas 'banais' como a natureza, dando as costas para suas manifestações que, para dizer o mínimo, nos viram nascer, e nos sobrevivem.

Às vezes, experimento, também, a estranha sensação de ser um Quixote, um romântico, anacrônico, vendo coisas que não existem, em fotos que crio, as quais parecem não corresponder à crua realidade dos fatos.

O rio em questão, por exemplo, já perdeu quase toda sua mata ciliar, é depósito de esgoto ( uma ' cloaca a céu aberto') e vem sofrendo acúmulo de entulhos e início de favelização às suas margens. Não faço vista grossa a essa realidade, jamais. E tudo isso, proveniente da inconsciência e do descaso, ainda mais me entristece. Mas insisto em buscar a beleza, anacrônico ou não, esteja ela onde estiver, ou onde meus olhos a virem, um projeto de alma.

Em um tempo de alarme ecológico, da babel de conferências do clima, e ainda com referência ao rio de minha, e de todas as aldeias, deixo aqui um pensamento, uma límpida frase, que muito me tocou nesta semana: 'A várzea pertence ao rio', da geógrafa, professora da USP, Odette Seabra.

As várzeas pertencem aos rios, os glaciares aos polos, as fragatas ao mar... Teremos que rever nosso insensato processo de urbanização, nossa relação com o ambiente, se buscamos a sobrevivência de nossa espécie. E artistas, afinal, à frente dos ecologistas, há muito vêm expressando isso na beleza 'ínútil' de sua arte.

Fernando Campanella




terça-feira, 15 de dezembro de 2009

VITRAIS


Foto by Fernando Campanella

(Eis o teu sol da meia noite
eis a luz transfigurada,
benditos os que vivem em bom termos
com o hóspede imaginário,
com a 'louca da casa'.)

(Fernando Campanella,
Versos finais da crônica 'O Sol da Meia Noite'.)

STAINGLASS WINDOWS

Why do I write?
Why do I sometimes
into my hands clasp the light
only to spread it,
a thousand gasping wings
probing the sideless skies -

and the universe
suddenly dresses bright
and a stainglass window
in a chapel then reflects
my heart…

Fernando Campanella

VITRAIS

Por que escrevo?
Por que em minhas mãos
às vezes a luz retenho
apenas para estendê-la -
mil asas ofegantes
sondando os céus
sem beirais –

e de repente o universo
se faz luzente
e uma capela
reflete então
meu coração
em seus vitrais...

Fernando Campanella

sábado, 12 de dezembro de 2009

ESTRELA DA NATIVIDADE


Pintura de 1925, feita por um pintor italiano na capela Santa Dorotéia
em Pouso Alegre, Minas Gerais.
Foto by Fernando Campanella

Um poema de natal , ESTRELA DA NATIVIDADE,
de Joseph Brodsky:

Numa estação invernal, em um lugar mais afeito ao calor
que ao frio, mais a planuras que a montanhas,
para salvar o mundo, em uma gruta nasceu um menino.
Nevava como só acontece em desertos no frio, em toda parte.

Ao infante tudo enorme parecia: o seio da mãe, o vapor
das narinas dos bois, o grupo dos magos - Melchior,
Gaspar e Baltazar - e suas prendas à entrada da gruta deixadas.
Ele era apenas um ponto, assim como o era a estrela.

Atenta, sem pestanejar, por entre pálidas nuvens esparsas, de longe
- das profundezas do universo, de seu extremo oposto -
sobre o menino na manjedoura, ao interior do presépio mirava
aquela estrela. E era do Pai aquele olhar.

Joseph Brodsky, poema escrito em 1987.

(Tradução de Fernando Campanella)


Do original, em inglês:

STAR OF THE NATIVITY

In the cold season, in a locality accustomed to heat more than
to cold, to horizontality more than to a mountain,
a child was born in a cave in order to save the world;
it blew as only in deserts in winter it blows, athwart.

To Him, all things seemed enormous: His mothers breast, the steam
out of the ox’s nostrils, Caspar, Balthazar, Melchior – the team
of Magi, their presents heaped by the door, ajar.
He was but a dot, and a dot was the star.

Keenly, without blinking, through pallid, stray
clouds, upon the child in the manger, from far away -
from the depth of the universe, from the opposite end - the star
was looking into the cave. And that was the Father’s stare.

(Joseph Brodsky)

Em espanhol:

ESTRELLA DE NAVIDAD

En estación helada y en un lugar más hecho al calor
que al frío, más a la superficie llana que al alcor,
en una cueva ha nacido un niño para salvar el mundo;
nevaba como sólo lo hace en el desierto en invierno crudo.

Al niño todo se le antojaba enorme: el pecho de la madre, el vapor
de las narices de los bueyes, los reyes magos, Melchor,
Gaspar y Baltasar, y los regalos acarreados a la cueva.
Él no era más que un punto. También lo era la estrella.

Atenta, sin parpadeo, por entre leves nubes, desde lejos,
de la profundidad del Universo, desde su extremo opuesto,
sobre el niño acostado en el pesebre, hacia la cueva miraba
aquella estrella. Y era del Padre la mirada.

(Joseph Brodsky)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella


Dezembro acende as luzes
em ricos pinheiros de natal.

Fernando Campanella

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

NOTURNO

Foto by Fernando Campanella

Gosto de ver-te assim,
noturno segredo,
à luz, quase um brinquedo,
projetado de mim.

Fernando Campanella

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A UM CÃO


Foto by Fernando Campanella

Dorme,
a vida é um sono,
sou tua poesia,
és o meu dono.

Fernando Campanella

sábado, 5 de dezembro de 2009

ANTIQUALHA


Rádio Philips, modelo B5R76-A, 1959



Vejo em um museu alguns modelos bem antigos de rádio, simpáticos dinossauros já descartados pela evolução da espécie. Não sei se ainda tocam, ou, se o fazem, algum ouvido os ouve.

Mas aqueles aparelhos, ali em exibição, alimentaram sonhos e sonhos lares adentro. Pelos anos de fabricação, 1939, 41, etc. foram ouvidos em plena era do rádio, iniciada oficialmente no Brasil em 1936, com a inauguração da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Todo o país se distraía, se informava, através deles, com as novelas, as notícias & amenidades do mundo, e os famosos cantores e cantoras do rádio.

Minha infância e adolescência foram vividas em outros tempos, já com a febre da TV : a era da imagem. Mas o som de rádios e eletrolas ainda exerceu seu poder de encantamento sobre mim.

Acompanhei , pelo rádio, várias ondas musicais como o rock, a jovem-guarda, concomitantes aos grandes temas musicais da era de ouro do cinema romântico americano. Dancei ao som dos 'Ritmos de boate', programa do saudoso DJ e radialista Big Boy, pela rádio Mundial. Sem me esquecer da febre italiana e francesa com canções que ocupavam os primeiros lugares nas paradas dos programas de domingo. Tudo coroado pela grande explosão dos Beatles.

Todo aquele fascínio eu vivi, através de antiqualhas como aquelas, antigos rádios que ainda tocavam. Em especial por um Philips, modelo B5R76-A de 1959, onde eu sintonizava a BBC de Londres e os programas das rádios MEC e Cultura que me iniciaram nos clássicos da música.

Através dele tive meus primeiros contatos com obras luminares como a “Paixão segundo São Mateus” , de Bach, a “Pastoral” de Beethoven. Suas ondas calmas trouxeram-me a beleza do canto gregoriano em um programa apresentado pelo monge-poeta Dom Marcos Barbosa, cujos versos vez ou outra eu ouvia:

“Vós, que amais a natureza,é preciso vir para vê-la,recém-brotada das águas,como no céu uma estrela!...”( A flor no tanque, Dom Marcos Barbosa)

Eras tão rápidas, fugidias. Nem gosto de pensar que em dinossauro talvez esteja eu próprio me tornando, tão antigo em minhas memórias. Mas, se, diferente daqueles modelos de rádio do museu, ainda toco essas lembranças, quem as ouviria?

Preservem os pré-históricos o seu encanto. E Deus me resgate de todo saudosismo e nostalgia. Bem-vinda a era da informática que tudo integra, que possibilita toda música, inclusive a erudita, e toda notícia , pela internet.

Porém , algo me chama a render uma justa homenagem a tudo que me fez bem, que contribuiu para o melhor do que sou.

Aquele rádio, meu bom, velho Philips, ainda toca... E eu, agradecido , o ouço.

(Fernando Campanella, 03 de outubro de 2008)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

EFEMÉRIDES (DEZEMBRO)


Foto by Fernando Campanella


Dezembro acende as luzes
em ricos pinheiros de natal.

Mas é naquela árvore
despojada na montanha
ou à beira da estrada
que se agregam bem-te-vis
e tagarelam maritacas.

Mangueira, Santa Bárbara,
Jacarandá -
ao pássaro tanto faz:
folhagens são mimos anônimos.

(Eu insisto em um Deus
que se projeta em tronco
e esparrama os braços
para acolher os seus.)

(Fernando Campanella
Poema da série 'Efemérides')









terça-feira, 1 de dezembro de 2009

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella


Chamam-na, estranhamente, de gengibre azul. Significantes tantas vezes não se casam com os objetos a que se referem. Esta flor mais poderia se chamar buquê lilás, noivinha da quaresma, devaneio do jardim. Ou 'morning beauty' (beleza da manhã).
Que me perdoem os dicionários e a nobre ferrugem do acervo linguístico: fico com os poetas que remexem os signos e rebatizam o mundo.

Fernando Campanella