quarta-feira, 3 de abril de 2013

ELO ENCONTRADO

Foto original de Jane Nahabedian do cartão postal que recebi,
fotografado e editado por mim. *



“Não caminhe atrás de mim, eu posso não liderar. Não caminhe na minha frente, eu posso não seguir. Simplesmente caminhe ao meu lado e seja meu amigo.”
(Albert Camus)

Às vezes me quedo em certo alheamento do mundo, espécie de mínima entropia, não com um sentimento de tristeza que nos torna amargos e fechados ao novo. Um recolhimento vago, necessário, até saudável, quando apenas a memória afetiva me fala. 

Retiro, então, da gaveta, antigos cartões postais (tenho o hábito de guardá-los) e neles reencontro as palavras, o carinho, de amigos distantes que em algum momento de suas vidas, não importa quão longe estivessem, lembraram-se de mim, e me escreveram. E atingiram meu coração com suave flecha iluminada.

Tenho agora em mãos, e na memória mais grata, dois desses cartões, os quais em momentos solitários de minha vida chegaram-me de amigos que se encontravam em outros países e lembraram-se de mim.

Num deles, de um grande amigo estilista, destaco o trecho: “... o frio é intenso, e a chuva constante atrapalha minhas andanças. Ontem fiquei um tempão parado na Champs Elysées, abrigado da chuva. Mas o que poderia tornar-se um inconveniente, transformou-se em pura magia com as folhas que caíam em movimentos espirados, a água nas largas calçadas refletindo as luzes de decoração natalina, o vai-e-vem das pessoas em seus modelões variados, uma babel de cores e raças, e me peguei refletindo sobre muitas coisas. E agradeci a Deus por tudo que tem me proporcionado, e entre tantos agradecimentos um dos mais importantes foi ele ter colocado você na minha vida. Acho que nunca te falei, mas eu te amo com o mais sincero amor de um amigo...”

Outro cartão, de uma querida ex-professora de literatura inglesa, em alguns trechos dizia: “... E o tempo passou, não respondi sua carta, mas não esqueci; pensei em você, e em mandar-lhe este cartão, a semana inteira... Veja o muro, ou cerca de pedra, de que Robert Frost fala em seu poema Mending Wall na foto deste cartão que te envio...” A minha amiga não sabia que o Mending Wall era um de meus poemas favoritos do Frost.

Esses dois amigos já não mais no mundo se encontram. Mas sejam eles, os que já foram, ou os ainda presentes, na convivência física, os virtuais, trazidos pelos novos meios de comunicação, os poetas que lemos, ou até mesmo bichos e árvores, amigos transcendem as horas. São filamentos, extensões de anjos que abraçam a terra de polo a polo,  por cuja mediação e presença “nossos ombros suportam o mundo” - o elo” achado” na escala da evolução.

Fernando Campanella

Observação: a foto acima foi tirada por mim do cartão (foto original de Jane Nahabedian), que recebi de minha amiga, ex-professora de literatura inglesa, em 1996 quando ela visitou Connecticut. Coloquei o foco nos muros de pedra (stonewalls), aos quais Robert Frost faz referência em seu belíssimo poema "Reparando o muro" (Mending Wall)

Vídeo: segundo movimento da Sinfonia do Novo Mundo, por Dvorak, enviado pela DublinPhilarmonic: