quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

BAR DE ESQUINA



Foto: Capa do disco 'Clube da esquina' foto do blogger:
1discopordiaportalrockpress.blogspot.com

http://www.youtube.com/watch?v=4RWMzcRgYsc

"Porque se chamava moço, também se chamava estrada..." O cantor inicia a apresentação da noite com 'Clube da esquina 2', uma de minhas canções preferidas da parceria de Milton Nascimento com Lô Borges e o irmão Márcio Borges.

Penso que a dedica a mim, ali sentado, porque talvez saiba, por um estranho dom de artista, como penetrar o coração dos homens e remexer ali sonhos mesclados a feridas. Mas sei que ele canta para si, para o bar como um todo, para uma audiência em potencial que divaga e toma carona na noite. E que o que canta, sobretudo, veio de alguém que num certo momento, numa certa confluência de sensibilidade e inspiração, colocou em música algo que lhe tocou a alma.


Porém, todos nós, autores, cantores, freqüentadores da noite e de uma certa embriaguez da vida , somos como donos daquela música que nos une, que nos transforma em mariposas volteando uma interna e calma luz .

Àquele som, vou rastreando um vento antigo, meus passos na contramarcha do tempo, revivendo outras décadas quando as pessoas eram também outras. Bares já apagados da história vão surgindo . E sinto como mudei, envelheci, mas meu coração ainda do tamanho daquelas épocas, pulsando naquele doce encadeamento da melodia.

Troquei de lugares, posturas. A cidade já não é a mesma, algumas pessoas já nem mais aqui se encontram. E isso, essa viagem no tempo, passa a costurar certa nostalgia dentro de mim. Quantos daqueles sonhos ainda me sonham? Quantas chamas ainda alimento para sobreviver aos fatos sempre mudando, aos palcos em que vou girando?

"Esquina mais de um milhão, quero ver então a gente, gente, gente" , diz o fim da canção. Quem ouviu sabe que é bem assim, pessoas chegam e desaparecem , temos que nos adaptar às cambiantes configurações do mundo.


Porém, quem está ali ao meu lado acompanha a música comigo, identifica-se com ela, com uma diferente carga emocional, uma disposição mais leve, talvez como um colibri que experimentasse pela primeira vez a surpresa de uma flor.

E eu retorno de minha viagem, o presente é o bar onde estou, lá fora a noite é a mesma antiga sombra respingada de estrelas, a terra neutra girando , o mundo um teimoso jovem fazendo-se eterna estrada.

‘E lá se vai mais um dia’... Deixemos ir os anos, concluo, a vida não nos quer para sempre, nem apegados ou tristes. Um dia também passamos, todos, mas longa vida à alegria.


Fernando Campanella

LUZ CADENTE


Foto by Fernando Campanella


Serão miragens
aqueles tons em cobre
ondulando em folhas na tarde?
Meus olhos devem andar poéticos
ou delirantes.
Ou mais febril a minha percepção
que entende
que os animais atendem
às nuances que a luz da tarde concede.
Luz e folha devem ter naturezas atadas
em delicado, intraduzível elo
que traça o pássaro ao ninho.
Não sei.
O que para as aves deve ser
algo como arbóreas núpcias
em mim
é um degredo em ecos,
um vago ruflar de um sentido.

Minha razão nada pode
contra a luz cadente
que vela e desvela
aquele tom amêndoa
- ferrugem quase dor,
quase leve -
que a alma agora consente
e que de volta
à presciência do mundo,
ao ninho da terra
vai me cumprindo.


Fernando Campanella