Ferreira Gullar (http://images.google.com.br/imgres?
http://palavraguda.files.wordpress.com/)
Tenho estado um tanto alheio aos acontecimentos do mundo. Fruindo a vida possível, em certas incursões pela natureza, pelo passado, buscando a cultura do simples, do espontâneo, transformando essas experiências em crônicas, pensamentos e poesias.
Hoje, sentindo-me distante, tão particularmente encerrado neste meu 'viver -ostra', disponho-me a dar um giro pelas notícias e reportagens dos jornais do dia. Novamente, é uma realidade a cada instante mais complexa com que me deparo.
Há uma matéria especial sobre os novos empregos do século vinte e um. E mais profissões, altamente especializadas, que passo a conhecer , como a do aquaculturista, que atua na produção de organismos aquáticos. E e a do atuário, profissional que sabe mensurar quanto custam os riscos, um gestor de possíveis danos, espécie de guru das empresas de seguros, por exemplo. . Acidentes de trânsito, doenças, viabilidade de investimentos, tudo passa pelo seu crivo e aferimento.
Nas praias do litoral norte de São Paulo, uma nova modalidade de lazer aquático, o Stand Up Paddle Surf , é o frisson deste verão. Esporte para cuja prática são necessários apenas um prancha e um remo.
A equipe de lexicógrafos do Novo Dicionário Americano de Oxford apresenta sua lista de neologismos mais ‘quentes’ de 2008. 'Frugalista' é um deles, escrito exatamente assim, com o sufixo espanhol ‘ista’ adotado nos anos 90 pelos americanos na palavra ‘fashionista’, referente a alguém que segue religiosamente a moda. 'Frugalista', por sua vez, designa a pessoa que mantém um estilo de vida frugal, permanecendo, porém, saudável, sempre na moda, reciclando ou trocando roupas, comprando utensílios de segunda mão, etc. Sábia atitude neste ano de vacas magras que se inicia.
Mas o foco das manchetes e reportagens dos jornais deste domingo recai sobre os preparativos para a posse de Barack Obama, e o grande desafio que esse carismático democrata tem pela frente: os Estados Unidos e o mundo em recessão e o acirramento da eterna crise no Oriente Médio.
Um pouco mais atualizado com o que acontece fora do meu quintal, passo ao que mais me interessa, uma entrevista com Ferreira Gullar, no Estado de São Paulo. O poeta, aos oitenta anos, retorna à poesia, uma década após a última publicação de seus versos. Está finalizando o livro 'Em Alguma Parte Alguma', com poemas inéditos, a ser lançado pela editora José Olympio.
O que me toca nessa entrevista são suas declarações sobre o seu ser e fazer poéticos.
Para Gullar, cronista, pintor, crítico, o mais importante é a poesia, que nasce do espanto quando a vida lhe revela um novo ângulo, algo que desconhecia. Um perfume de jasmim já lhe inspirou os sentidos para a criação de um maravilhoso poema.
Fecho, então, os jornais, apaziguado. Quando detalhes tão mínimos , como uma certa luz , uma árvore em flor, ou uma canção antiga, me inspiram, não estou tão só, tão abstraído do humano, assim.
Após tanta atuação e conhecimento do mundo, Gullar redescobre o poeta que sempre trouxe dentro de si . E nos diz que o cotidiano com suas particularidades provoca-lhe, às vezes, uma desordem interna, um impulso incontrolável que o leva à poesia.
Minhas também as suas palavras e a sua idiossincrasia.
Fernando Campanella, Janeiro de 2009
'...E digo mais: o poema não é a expressão do que se viveu ou experimentou. Se eu sinto um cheiro de jasmim na noite e escrevo um poema sobre esse fato, o que faço não é expressar tal experiência, mas, na verdade, usá-la como impulso para inventar uma coisa que não existia antes: o poema, o qual se somará a todas as galáxias, planetas, cometas, oceanos e tudo o mais que exista no universo. E o universo será, a partir de então, tudo o que já era mais aquele pequeno agregado de palavras, nascido de um perfume."
Ferreira Gullar, parágrafo final da crônica "E o cronista endoidou..." Folha de S.Paulo (19.06.2005)
DESORDEM
"... o jasmim, por exemplo
é um sistema
como a aranha
(diferente de poema)
o perfume
é um tipo de desordem
a que o olfato põe ordem
e sorve..."
(Ferreira Gullar)
UMA COROLA
Em algum lugar
esplende uma corola
de cor vermelho queimado
metálica
Não está em nenhum jardim
em nenhum jarro
da sala
ou na janela
Não cheira
não atrai abelhas
não murchará
apenas fulge
em alguma parte
da vida
(Ferreira Goulart, Uma corola,
de seu livro inédito)