domingo, 31 de julho de 2011

OS IPÊS DA ALVARENGA PEIXOTO



Agosto chegando, retorno àquele terreno baldio da rua Alvarenga Peixoto na expectativa de que seus ipês amarelos já tenham florido.

São duas árvores muito altas, ipês de mata atlântica, plantados há mais de cinquenta anos, que entre julho e agosto explodem em florescências. E trazem vida não apenas àquela rua, como também a outras, paralelas, as quais igualmente trazem nomes de vultos da Inconfidência Mineira, como Tomás Antonio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa.

Já há três anos bato meu ponto fotográfico naquele local nesta época. Tomado pela exuberância daquele espetáculo visual, esbanjei cliques, sempre em busca do melhor ângulo, da melhor composição para minhas imagens.

Hoje, porém, as árvores não se encontram mais lá. Estão construindo um condomínio no terreno. Um morador da rua me informou que serão erguidos três blocos de apartamentos no local. O IBAMA perdeu a batalha para os empreendedores da especulação imobiliária.

Tristeza, mais que decepção, foi o que senti. Acredito que os moradores do bairro tenham experimentado o mesmo sentimento, pois quando eu lá fotografava, em outros anos, sempre vinha alguém para comentar sobre a beleza daquelas flores. Talvez não saibamos, como diz Drummond no poema 'A rua diferente', que 'a vida tem dessas exigências brutas'.

Há muito o que se dizer sobre o corte desses ipês, e de outras espécies, um fato não isolado. As cidades crescendo (inchando) e a convivência cada vez mais difícil da natureza com espaços urbanos no Brasil, por exemplo. Mas fico com minha visão pessoal, pois sinto que a rua, o bairro e a cidade, por extensão, ficaram mais pobres, mais chulos, sem aquelas árvores.

E pondero, talvez ingênuo, que, ao invés de três blocos de apartamentos, poderiam construir apenas dois, preservando-se assim aqueles monumentos naturais, o que valorizaria o ambiente , entre os meses de julho e agosto principalmente. E o condomínio seria sempre visitado pelos pássaros.

Mas vá lá, muita gente não se sente assim tão confortável 'in natura': árvores sujam e pássaros perturbam. E faz parte de nossa cultura sermos alheios aos poderes administrativos, não termos consciência, nem voz, para lutar por uma urbanização mais equilibrada.

As ruas daquele bairro, ironicamente, têm nomes de poetas árcades, pastorais, amantes da natureza, sobre os quais muitos de seus moradores talvez jamais tenham ouvido falar. Mas os ipês, esses todos conheciam e admiravam. Alegravam olhos e almas dos transeuntes com a prodigalidade de suas flores, razão insofismável para lá permanecerem.

De qualquer maneira, as fotos que tirei podem servir como um réquiem ou um registro fiel dos últimos anos de vida daquelas belíssimas árvores.

Diante do fato ocorrido, só me resta expressar dois desejos: que possamos ainda recuperar parte de nossa identidade natural, tão abalada pela inconsciência e excessos de nossa civilização, e que não deem, em hipótese alguma, àqueles blocos de apartamentos, quando erguidos, o nome de 'Condomínio dos Ipês'.

Fernando Campanella


Ipês da rua Alvarenga Peixoto, por Fernando Campanella
Fotos tiradas em Agosto de 2008.

Abaixo, um belo vídeo realizado por minha amiga do Facebook, Angela Lago, escritora e ilustradora, com a música de Giuseppe Tartini.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

UNIVERSO


Campo de mostarda
Foto por Fernando Campanella


o belo sopra e germina os grãos
(Jorge Bichuetti)

um sopro, quase nada

a mínima luz
num grão de mostarda


Fernando Campanella

domingo, 10 de julho de 2011

CURT0S


Foto por Fernando Campanella

"Há uma só lei da Existência
sob a esfera luminosa:
partilham da mesma essência
homem, estrela, ave e rosa."
(Augusto de Lima, Poesias, p.55)

I

MAIS TARDE, AINDA É MADRUGADA

Os pássaros mais espertos
voltaram aos ninhos
após verem a geada.

II

NEURÔNIOS

A vaidade me cansa
sou velho o bastante
para me tornar criança.

III

MANTIQUEIRA

Luar sobre a noite vasta -
que bicho me coça ? -
contemplação não me basta.

IV

ALDEIA, RAPARIGAS, TRIGAIS...

O rio que passa por entre as palavras
é quando, sempre, e nunca mais.

(Fernando Campanella)







segunda-feira, 4 de julho de 2011

ÂNIMA


Drifting clouds, tela de Caspar David Friedrich
Wikipédia

"Fecha teu olho corpóreo para que possas antes ver tua pintura com o olho do espírito. Então traz para a luz do dia o que viste na escuridão, para que a obra possa repercutir nos outros de fora para dentro."

(Caspar David Friedrich)


Não vês
que ordeno os ventos,
que tenho a senha dos tempos
- e que os gansos de longe
já em teu verão se adentram?

Então,
de teu cinza-morte,
tua paisagem agora
é toda canto
e procriação

Fernando Campanella