sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

NATAL REVISITADO

Foto por Fernando Campanella


Um anjo desceu à terra
em lusco-fusco nutrido
cometa de um céu ausente
carente feito a loucura fria

(se eu voasse nessas asas
pleno não sei de que plenitudes
e em algum presépio aterissasse
talvez uma fenda se abrisse
para um deus infante buscado).

Baixou à terra um anjo sujo
sintético da agonia
anjo não denominado
desfeito em penas
em fiapos de graça esgarçado.

Porém a terra azulou
casebres iluminaram
a mãe pôs lenha no fogo
o pai trouxe a carne mais tenra

e o cheiro de carne e vinho
tornou a noite especial.

Crianças, anjos mais definidos,
espiaram frestas
antecipando mimos de natal.

E o pacto de corações ilhados
firmou-se então em alívios.

Anjo roto, neurótico,
anjo todas as dores
porém ainda anjo

infinitamente alegria -
belo anjo revisitado.

(Fernando Campanella, 1988)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

MUNDOS E LUZES


Foto por Fernando Campanella


natal, lanternas vermelhas que lembram Bangcoc, eu nunca estive em Bangcoc, vitrines caras, lampejos de Nova Iorque, anjos caricaturais, fonte iluminada na praça, gente, gente, a loja de departamentos ainda me chama, na esquina a conhecida me conta do novo amor que conheceu em Istambul, um empresário norte-americano trabalhando em Bagdá, e me diz: estive também em Paris - eu penso Champs Elysées, uma mulher talvez pense neste instante em no Tâmisa se afogar, no supermercado alguém comigo desabafa: salário mínimo, assalto, bolachas, o caixa loiro diz a um homem: só tenho dezoito anos, baiano (e eu de certas ternuras tenho uma espécie de fome), "mulher é bom, mulher é bom demais", grita o funk num carro, onde é minha pátria?, lentamente tudo incorpora contornos de tudo - Pequim amarra o burro em Quixadá que importa sonhos de Roma, do Canadá - e num truque de mágica tudo de mim se aparta, no estacionamento leio Parking, ao dobrar a esquina já vou tarde, sou um bólido, sólido nada...me pede então um trocado um papai-noel sujo, esquálido

Fernando Campanella

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

EFEMÉRIDES (POEMA DE DEZEMBRO)

Foto por Fernando Campanella

Dezembro acende as luzes
em ricos pinheiros de natal.
Mas é naquela árvore
solitária nas grotas
ou à beira da estrada
que se agregam os bem-te-vis
e tagarelam as maritacas.

Mangueiras, perobas, flamboyants -
ao pássaro tanto faz:
folhagens são mimos anônimos.

(Eu insisto em um Deus
que se ergue em tronco
e esparrama os braços
para acolher os seus.)

Fernando Campanella