Foto by Fernando Campanella
I
NATUREZAS
Já não me iludes,
estrelinha mimada e arredia,
não me sabes, nem me sentes,
por que então na toca da noite
eu , romântico, te buscaria?
És o mesmo que qualquer coisa,
que tanto fez, como tanto faz,
qualquer dia que já tarde indo
nenhum trato outro dia me traz.
Tens das formigas a natureza alheia
e, malgrado tua luz, a inconsciência fria.
És, sim, algo qualquer, um pó errante,
um limão de que eu bebesse o sumo
só para fruir o teu azedo instante.
Nem mesmo vês que agora sou como tu,
um cego de ti, uma bela viola,
um falso diamante.
Fernando Campanella, 2006
II
FAC- SÍMILE
Estrela, minha Alfa Centauro,
ou uma outra qualquer
a inumeráveis anos-luz de indiferença,
sou um terráqueo instável , nem me sabes,
mas gosto de à noite deitar-te em meus olhos,
cansado das luzes nervosas onde me lavro.
Estrela, meu astro reinventado,
por que assim enternecido de ti me enamoro,
na funda noite exorcizado ?
Serias como humanos
que de longe nos encantam
trazendo de perto o cheiro de entranhas,
o encadeamento dos hábitos?
Apascentarias ovelhas à tua órbita?
Saberias da duração de tua glória?
E se eu te tocasse
e te dissolvesses em absurdos ares?
Se eu te devorasse , terias de mim próprio
a consistência mesmíssima de um pó,
a fragilidade de um pirilampo
- tudo tão simples fac-símile de tudo,
tão em si mesmo desmitificado?
(Estrela, tua terna esfinge me basta.)
Fernando Campanella, 2007