terça-feira, 27 de abril de 2010
DISCURSO POST-MODERNO
Foto by Fernando Campanella
Tomei o bonde errado
Saltei no meio da vida
Indaguei oráculos sobre o homem
E os oráculos em cansados risos
Em pós-modernos cinismos
Bradaram: 'Que homem?
O pitecantropo, o proconsul, o de neandertal?
O quixote, o bufo, o práxis?
O probus, o lúcifer, o iscariotes?
O mago, o cogito, o technological?
O homini lupus, o führer, o fóssil?
O porco, o lama, o madrepérola?
O sátiro, o crente, o arrivista?
O dígito, o músculo, o carcaça?
O pavão, o cromatóforo, o camaleão?
O falo, o anima, o holos?
O sapiens, o gabiru, o etiópia?
O pó, o adn, o clone do homem?
O carpediem, o silício, o feniletilamina?
O abutre-quebra-osso, o barbárie?
O mito, o censura, o couraça?
O arcanjo, o barro, o filho do homem?
O homeless, o jardim suspenso, o apátrida?
O homem-aranha, o barro, o carrapato?
O baco, o pão nosso, o cantochão?
O erectus, o virtual, o microsoft?
O símile, o hétero, o complexo?
O réptil, o límbico, o córtex?
O ulisses, o askaris, o poesia?
O urubu-rei, o sangue venal, o cloaca?
O coisa e tal in saecula saeculorum...?
Em um lado vi um monge
Em estado de meditação
E perguntei-lhe sobre o equilíbrio
Entre as raízes do mundo
E a divina alucinação.
Em outro lado crianças mal-cuidadas
Cantavam a ladainha:
"Cadê a ética que passou por aqui?
O esperto comeu.
Cadê o esperto?
Estuprou a menina.
Cadê a menina?
Foi à puta que a pariu.
Cadê a puta?
Era moça e acabou-se.
Cadê a moça?
Dez crianças vomitou.
Cadê as crianças?
Foram cheirar cola.
Cadê a cola?
O pobre bebeu.
Cadê o pobre?
Foi pedir bênção ao rico.
Cadê o rico?
Foi adular o político?
Cadê o político?
Foi blablablar sobre a miséria.
Cadê a miséria?
Foi corromper a ética.
Cadê a ética que passou por aqui...?"
Diante da babel obscura
Tampei os ouvidos
E me lembrei de Drummond:
Plim
O mundo parou
ou fui eu?
Tentei atordoado retornar pela vida
Estranha estrada só de partida.
Os sons de minha boca formaram a flor concreta -
CADABRA
CADABRA ABRA CADABRA
ABRA CADABRA ABRA
CADABRA ABRA CADABRA
CADABRA
E pensei no Ali-Babá moderno
Que chegando ao nó de sua dor
Diante da caverna funda de si
Gritou:
- Vida abre-te, abre-te vida.
Fernando Campanella, 1991
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