O pai me chamou na sala e perguntou: cadê tua mãe?
- A mãe? - perguntei, em resposta, com incredulidade e espanto, pois já haviam se passado quase doze anos desde o falecimento dela.
- A mãe? - perguntei, em resposta, com incredulidade e espanto, pois já haviam se passado quase doze anos desde o falecimento dela.
Outro dia eu pensara em como os neurônios castigam, amargam a longevidade, pela própria perda deles, ou outros fatores, mas hoje, diante da pergunta de meu pai, na dureza e glória de seus 93 anos, consegui perceber um veio de ternura em sua voz. Momento de solo absoluto, em que o touro, frágil, torna-se ave, e a memória faz seu ninho. Indagar por alguém que já partira há tantos anos, como se a presença física da pessoa amada, com quem convivera por bem mais de meio século, ainda rondasse os aposentos da casa, e sua voz se fizesse ouvir da varanda, da cozinha, é algo, no mínimo, resplandecente, rompendo os grilhões de ferrugem, a tirania dos hábitos, dos medos que a solidão procria.
Os seres, embora imbuídos em categorias e espécies, desde as casas que habitamos, as árvores, as flores, os animais de estimação, até os nossos entes queridos, são únicos, insubstituíveis, mas passei a mão no cabelo branco de meu pai como para dizer: eu estou aqui, mesmo com toda ausência, toda falta que o senhor possa sofrer. E o senti mais leve, pois de alguma maneira eu intuía que a mãe estava ali entre nós.
Fernando Campanella