quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

BAGAGEIRO


Foto by Fernando Campanella

Esta imagem foi obtida em algum lugar de Minas.

A família provavelmente viera às compras na pequena cidade. Todos concordaram festivamente em aparecer na foto, exceto a mãe. Insisti com a mulher pois seria elemento imprescindível no quadro que eu queria compor. Não consegui demovê-la da recusa. Então respeitei sua decisão.

Minas,como a mãe, e nós próprios, somos mesmo assim, temos sempre uma parte que não se mostra.

Meus agradecimentos aos integrantes da imagem, à família, à mãe faltante, porém ainda presente, ao animal, tão útil, com o bagageiro.

Minas saiu bem na foto, acredito.

Fernando Campanella
(Veja mais sobre 'Bagageiro' na postagem anterior, abaixo.)

VIAS ERRANTES


Foto by Fernando Campanella*
(Meu agradecimento a este senhor que gentilmente
permitiu ser retratado)



Foto by Fernando Campanella*

"As raposas têm as tocas e as aves dos céus, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça." ( Mateus, 8,20)

Tarde de maio
eu sou o que vaga
espírito que viaja
casa de vento
abrigo de nada.

Sou o que noite deserda
e em palhas de sombras
ainda anseia seu ninho.

Trilho o futuro -
meu ser é radiotelescópio -
mas por estas vias errantes
sempre a mim mesmo retorno.

De luz a sede intransponível
nada do que toco me veste.

Só meu caminho é arrimo -
a cria do homem
tem a ilusão do destino.

Fernando Campanella, 1991


Foto by Fernando Campanella*

"...quer ir para Minas, / Minas não há mais. / José, e agora?"

(Carlos Drummond de Andrade)

Há alguns dias, em uma pequena cidade aqui da região, ouvi a palavra 'bagageiro' e foi como se um sino longínquo houvesse soado em mim.

Usamos habitualmente o termo carroça para designar esse veículo ( foto acima ); 'bagageiro' é semântica de minha infância, traz a sépia das fotografias de meus avós, do retrato de Minas guardado nas volutas da memória.

Como esse e tantos outros vocábulos em desuso, visto que não se usa mais esse tipo de veículo para transportar pessoas na cidade, minha Minas se foi, e ainda há, híbrida de infinitos tentátulos a me seduzir com as montanhas, o passado, as estradas, as gentes com seus palavreares e sotaques... e com sua modernidade meio encabulada, dizendo que pode ser o futuro, sem deixar de ser o que é, o que foi. E com toda sua timidez e modéstia, consegue ainda fazer um belo 'marketing' de si própria quando diz que é abissal, que é estado de espírito.

Houve, há, e sempre haverá Minas se quem a viveu trouxer seus babageiros, suas bodegas, suas avenidas de pastos e 'ruminâncias' à memoria. A uma certa casa da memória, parte do acervo universal - também de outros lugares, de coutras culturas - aonde o filho do homem retorna, e consegue reclinar a cabeça.

Fernando Campanella, 21.01.2010

* As três fotos da postagem são imagens de Carneiros, um povoado a uns cinco, seis km da rodovia Fernão Dias. Visitamos o local em um dia chuvoso e foi como se entrássemos em um outro universo. Ali, a Minas dos bagageiros, dos sinos, da infância, ainda teima em haver, com sua dureza e sua ternura.