Foto by Fernando Campanella
Às vezes revisito meus antigos poemas. Retiro do armário certas páginas datilografadas, amarelecidas, que dormem à sombra de uma caixa. E leio aqueles escritos como se lesse um sonho de um poeta incipiente, e distante.
Versos com reminiscências, ecos de Cecília Meireles, Emily Dickinson, Florbela Espanca, Fernando Pessoa... Alguns mal-delineados, um fluxo desordenado de imagens. Outros já melhor elaborados. Um caminho recém-descoberto, que eu não poderia saber aonde iria me levar.
Reestruturo tais versos, algumas vezes, sob a ótica de um certo amadurecimento poético adquirido com os anos. Há imagens bonitas, às vezes soltas, dentro de alguns poemas que justificariam uma lapidação.
Porem, é sempre com um sentimento de culpa que trabalho em tais poemas mais antigos. São sonhos de um poeta distante, como eu disse acima, melhor respeitá-los, dentro das limitações em que se formaram. Filhotes , ainda, que ensaiavam o vôo.
Por um outro lado, tenho comigo que um poema nunca esteja definitivamente criado. E se não trabalhei em meus antigos versos à época em que foram escritos, por falta de tempo, pela urgência de outros compromissos, por que não fazê-lo agora?
Escrever, assim como viver, é debater-se em escolhas. E às vezes opto por deixar um antigo poema como está, inteiro, com sua possível imperfeição, suas reminiscências, sua dignidade. Ingênuo, sagaz, hermético, lúcido... O que importa? Um poema se tece.
Um poema antigo, intacto, que hoje trago à luz:
GOTA
Já viste a alma presa
No cálice de tua mão?
Não validemos tal dor,
No cômputo final
Ela não ultrapassa uma gota,
Um suspiro de orvalho
Sacrificado ao ar.
Ao universo nada importa,
Tudo traz o selo de perfeição.
Não choro.
Mas como queria de vós, natureza,
Uma tal isenção.
Fernando Campanella, 1986