quinta-feira, 12 de agosto de 2010

ADÉLIA PRADO, UM ANTIGO POEMA E UMA CARTA


Foto do blog:
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No Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo de domingo passado, uma matéria, por Ubiratan Brasil, sobre o lançamento de 'A Duração do Dia, novo livro de poesia de Adélia Prado após um jejum de onze anos. E uma entrevista concedida ao jornal pela poeta por e-mail, de Divinópolis, MG, onde cuida de sua delicada saúde.

Da entrevista, destaco algumas considerações da escritora sobre o seu processo poético:

"A poesia, a 'beleza', é epifânica sempre. É uma aparição oracular pedindo corpo por via da palavra. Não a invento, eu a recolho. Como? Ainda não se descobriu o maravilhoso caminho da criação de um poema, estranho ao próprio autor. Ao fim, a arte é maior que o artista. Sem esta convicção (e se equivoca bastante) não deve vir a público. A beleza exige obediência restrita."

"...cada um de nós tem a terra e o céu para lhe inspirar."

"(a poesia) é energia porque é viva, pulsa, tem sangue e alma divina."

E a reportagem nos traz em primeira mão este maravilhoso poema, do novo livro de Adélia:

ALVARÁ DE DEMOLIÇÃO

O que precisa nascer
aparece no sonho
buscando frinchas no teto,
réstias de luz e ar.
Sei muito bem
do que este sonho fala
e a quem pode me dar
peço coragem.

(Adélia Prado, A Duração do Dia, editora Record)

Transcrevo aqui, com muita alegria, uma pequena grande carta que Adélia me enviou em 1989, respondendo a uns poucos poemas que lhe enviei para apreciação através de um aluno meu, de Divinópolis, que a conhecia:

Antônio Fernando,
tive imensa alegria ao ler os seus textos, pois são de um poeta! Não se dá conselhos a poetas. Escreva, escreva, escreva, para sua e nossa alegria.

Por que não manda seus originais para este editor?: ............................

Pentecostes está chegando. Feliz incêndio pra você! Que a poesia te inunde. Como fiquei feliz!

O abraço da Adélia Prado.

Divinópolis, 26 de abril de 1989.

PS - Não se esqueça de mim quando fizer seu primeiro livro. Não fique ansioso. Deus quando dá o dom, dá os meios. Aguarde.

Muitos anos depois, fiz um blog, e enviei o 'link' para Adélia, pois o considero como um livro que realizo. Infelizmente ela não pôde acessá-lo devido a problemas de saúde, segundo me informou seu marido. Mas ficam aqui meu agradecimento e meu carinho por essa poeta que em algum tempo de sua vida teve a delicadeza de responder, em uma carta escrita à mão, aos meus poemas incipientes, e de me incentivar.

Eu enviara a ela cinco poemas, dos primeiros que escrevi. Escolhi um deles, que aqui transcrevo:

CAIXAS DE MÚSICA

Feito experimentar a dor
de uma fome
que nada satisfaz
ou consegue saciar
é perceber sonoridades
de caixas
onde pequenos dançarinos
se esmeram
em esfuziante acrobacia.
Cortem-lhes o instante das cordas
- plunct -
e são silêncios opacos,
são fundos e frios.

A nós, o dom
e a maldição de sonhar.

(Fernando Campanella, 1983)