domingo, 25 de maio de 2014

POEMAS ANTIGOS



Já viste a alma presa
no cálice de tua mão?
Não validemos tal dor,
no cômputo total
ela não vai além de uma gota,
um suspiro de orvalho
sacrificado ao ar. 
Ao universo nada importa,
tudo traz o selo da perfeição.
Não choro -
mas como queria de vós, 
Natureza, uma tal isenção.

(Fernando Campanella, 1986)

quarta-feira, 21 de maio de 2014

AS AVES DO CÉU

Foto por Fernando Campanella 

"As raposas têm as tocas e as aves dos céus, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça." (Mateus, 8,20)


...Tarde de maio, teu espelho me afaga -
e as aves sonolentas retornam à casa.

(Final do poema Vias Errantes, por Fernando Campanella)




sexta-feira, 16 de maio de 2014

O PAI



O pai me chamou na sala e perguntou: cadê tua mãe? 

A mãe? - perguntei, em resposta, com incredulidade e espanto, pois já haviam se passado quase doze anos desde o falecimento dela.

Outro dia eu pensara em como os neurônios castigam, amargam a longevidade, pela própria perda deles, ou outros fatores, mas hoje, diante da pergunta de meu pai, na dureza e glória de seus 93 anos,  consegui perceber um veio de ternura em sua voz. Momento de solo absoluto, em que o touro, frágil, torna-se ave, e a memória faz seu ninho. Indagar por alguém que já partira há tantos anos, como se a presença física da pessoa amada, com quem convivera por bem mais de meio século, ainda rondasse os aposentos da casa, e sua voz se fizesse ouvir da varanda, da cozinha, é algo, no mínimo, resplandecente, rompendo os grilhões de ferrugem, a tirania dos hábitos, dos medos que a solidão procria.

- A mãe? Ela está parte no céu, parte aqui conosco - acrescentei - reze por ela.

No final de nosso diálogo, meu pai, em tocante desamparo, disse-me que estava perdendo a memória. Arrematou que orava pela esposa diariamente. E não estava sendo demagogo, não estava mentindo: várias noites antes de ele se deitar, sem que me visse, eu o observara fazer o sinal da cruz diante  do antigo porta retrato em seu quarto. Então tomava-o nas mãos, beijava a imagem dela, dizendo baixinho: minha eterna companheira.

Os seres, embora imbuídos em categorias e espécies, desde as casas que habitamos, as árvores, as flores, os animais de estimação, até os nossos entes queridos, são únicos, insubstituíveis, mas passei a mão no cabelo branco de meu pai como para dizer: eu estou aqui, mesmo com toda ausência, toda falta que o senhor possa sofrer. E  o senti mais leve, pois de alguma maneira eu intuía que a mãe estava ali entre nós.

Fernando Campanella 





segunda-feira, 12 de maio de 2014

ESTAÇÃO



As pontes de ferro desativadas
evocam refugos e traças,
são naves caducas, ex-órbitas,
são marias que viraram fumaça. 

A velha ordem se rompe,
parabólicas acolhem a pax americana.
A estação da memória resiste
mas já é Minas fossilizando. 

(Fernando Campanella)


quinta-feira, 1 de maio de 2014

AS CORES DO MUNDO

Foto por Fernando Campanella

Quando vejo a imagem acima com a belíssima luz que realçou as cores da terra, do céu, da árvore, da casinha naquele final de tarde, me espanto pensando sobre algo tão óbvio à ciência, ou seja, que a as cores das coisas na realidade não existem, a não ser pela interação de nossos olhos, ferramentas com as quais o cérebro cria o campo visual, com a luz.

Embora nossa visão possa ser ampliada por instrumentos cada 
vez mais sofisticados, criados ao longo da civilização, das lupas, telescópios, microscópios a aparelhos de ressonância magnética, etc., a percepção a olho nu ainda nos surpreende e nos encanta. E justiça seja feita à câmera fotográfica que consegue imprimir essas belezas que o mundo nos concede.

"Faça-se a luz", disse Deus, diluindo as trevas, ao criar o vasto mundo que nos hospedaria. Talvez naquele instante tenha também surgido toda nossa predestinação à arte.

(Fernando Campanella)