sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

NATAL REVISITADO

Foto por Fernando Campanella


Um anjo desceu à terra
em lusco-fusco nutrido
cometa de um céu ausente
carente feito a loucura fria

(se eu voasse nessas asas
pleno não sei de que plenitudes
e em algum presépio aterissasse
talvez uma fenda se abrisse
para um deus infante buscado).

Baixou à terra um anjo sujo
sintético da agonia
anjo não denominado
desfeito em penas
em fiapos de graça esgarçado.

Porém a terra azulou
casebres iluminaram
a mãe pôs lenha no fogo
o pai trouxe a carne mais tenra

e o cheiro de carne e vinho
tornou a noite especial.

Crianças, anjos mais definidos,
espiaram frestas
antecipando mimos de natal.

E o pacto de corações ilhados
firmou-se então em alívios.

Anjo roto, neurótico,
anjo todas as dores
porém ainda anjo

infinitamente alegria -
belo anjo revisitado.

(Fernando Campanella, 1988)

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

MUNDOS E LUZES


Foto por Fernando Campanella


natal, lanternas vermelhas que lembram Bangcoc, eu nunca estive em Bangcoc, vitrines caras, lampejos de Nova Iorque, anjos caricaturais, fonte iluminada na praça, gente, gente, a loja de departamentos ainda me chama, na esquina a conhecida me conta do novo amor que conheceu em Istambul, um empresário norte-americano trabalhando em Bagdá, e me diz: estive também em Paris - eu penso Champs Elysées, uma mulher talvez pense neste instante em no Tâmisa se afogar, no supermercado alguém comigo desabafa: salário mínimo, assalto, bolachas, o caixa loiro diz a um homem: só tenho dezoito anos, baiano (e eu de certas ternuras tenho uma espécie de fome), "mulher é bom, mulher é bom demais", grita o funk num carro, onde é minha pátria?, lentamente tudo incorpora contornos de tudo - Pequim amarra o burro em Quixadá que importa sonhos de Roma, do Canadá - e num truque de mágica tudo de mim se aparta, no estacionamento leio Parking, ao dobrar a esquina já vou tarde, sou um bólido, sólido nada...me pede então um trocado um papai-noel sujo, esquálido

Fernando Campanella

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

EFEMÉRIDES (POEMA DE DEZEMBRO)

Foto por Fernando Campanella

Dezembro acende as luzes
em ricos pinheiros de natal.
Mas é naquela árvore
solitária nas grotas
ou à beira da estrada
que se agregam os bem-te-vis
e tagarelam as maritacas.

Mangueiras, perobas, flamboyants -
ao pássaro tanto faz:
folhagens são mimos anônimos.

(Eu insisto em um Deus
que se ergue em tronco
e esparrama os braços
para acolher os seus.)

Fernando Campanella

terça-feira, 20 de novembro de 2012

ANSEL ADAMS, AARON COPLAND, E A ARTE

Trabalhos de Ansel Adams encontrados na Internete

Appalachian Spring, obra do compositor norte-americano Aaron Copland, apareceu em minha vida em uma fase de grande inquietação da sensibilidade, de busca de alguma vazão pela arte, além da poesia, porém ainda sem os meios definidos para tal.

Algum tempo depois comecei a me dedicar à fotografia, a princípio como diversão ou passatempo, vindo a transformar-se a mesma em um canal para a expressão artística que sempre esteve latente em mim.

Há alguns meses pesquisei sobre Copland e, para minha surpresa, encontrei um trecho da Appalachian Spring no youtube como fundo musical para a apresentação de imagens de Ansel Adams, renomado fotógrafo norte-americano (1902-1984).

Impressionado com a beleza das fotos de Adams, em preto e branco, feitas com câmera analógica, senti uma grande identificação com o artista, surpreso por certa semelhança de seus temas com meu trabalho, respeitada, obviamente, a distância técnica entre as criações do grande mestre e as minhas.

Considerado grande fotógrafo do século XX, Ansel Adams fez história com as imagens deslumbrantes de paisagens que nos legou, particularmente as do Parque Nacional de Yosemite, localizado nas montanhas da Serra Nevada, na Califórnia, local que visitou todo ano, de 1916 até o final de sua vida.

Foge ao objetivo desta postagem discorrer minuciosamente sobre os processos e técnicas tão especiais de fotografia criados e desenvolvidos pelo artista. Os mesmos são descritos nos livros que escreveu, dentre os quais a série de três obras: A Câmera, O Negativo, A Cópia.

Mas, em resumo, podemos dizer que o fotógrafo demonstrou extremo rigor técnico em seu trabalho, começando pela escolha da máquina apropriada, "com seus ajustes precisos em função daquilo que o fotógrafo visualizou", passando pela reprodução no negativo daquilo que "o fotógrafo apreendeu na visualização, não necessariamente uma reprodução fiel da realidade. A técnica entra, assim, como um instrumento que flexibiliza o olhar e permite que o artista veja mais além, produza as imagens que sua mente visualiza a partir de uma cena".

Uma das citações de Adams sobre sobre a fotografia: existe gente demais fazendo somente o que lhe disseram para fazer. A maior satisfação que podemos obter da fotografia está na realização de nosso potencial individual, na percepção única de algo e em sua expressão por meio da compreensão dos instrumentos. Tire proveito de tudo: não se deixe dominar por nada, a não ser por suas próprias convicções. Qualquer esforço humano que valha a pena depende de muita concentração e grande domínio dos instrumentos básicos.

Levanta-se a questão de o fotógrafo ter se escravizado a esse rigor técnico que sempre perseguiu e postulou em seus livros, porém isso não obscurece seu  mérito de fotógrafo genial, mundialmente consagrado.

Minhas experiências, o que fui vivendo e conhecendo, a Appalachian Spring, de Copland, a fotografia de Ansel Adams, Minas, e tanto mais, refletiram-se e irão se refletir na arte da fotografia que tento criar. E nas palavras de Adams:

"Não fazemos uma foto apenas com uma câmera; ao ato de fotografar trazemos todos os livros que lemos, os filmes que vimos, a música que ouvimos, as pessoas que amamos."

(Fernando Campanella)

(Fontes de pesquisa: Wikipédia e Pensador.info)

Aqui, os links de um site onde postei as três fotos minhas em que percebi uma identificação temática com o trabalho de Adams, nas três fotos dele que abrem este post:

1)   http://www.flickr.com/photos/campanula/7739250216/in/set-72157621907249679

2)   http://www.flickr.com/photos/campanula/8180085098/in/set-72157622573151732

3)   http://www.flickr.com/photos/campanula/7354811286/in/set-72157626781448806

Abaixo, o vídeo com as imagens de Adams e um trecho de Appalachian Spring  de Aaron Copland:



segunda-feira, 19 de novembro de 2012

TODA GROTA


Foto por Fernando Campanella

Pra baixo
toda terra gruda;
pra cima 
nem o diabo empurra

(no fundo
toda grota é o mundo).

Fernando Campanella


domingo, 18 de novembro de 2012

HÍMEN DE MINAS


Foto por Fernando Campanella


Há um momento na tarde
em que te oferendas, nua,
em que te esquece a identidade
de virgens tristonhas e ave-marias

e desce a ti o profano silêncio
das infinitudes -

instante em que a luz poente   
te deflora a gravidade
tingindo de teu sangue
a longa noite que inicia.  

Fernando Campanella

domingo, 11 de novembro de 2012

LEVE

Foto por Fernando Campanella


O pássaro corta um risco na água,

ferindo breve a superfície do cristal.

Depois voa voando mais leve,

ferindo agora outro risco no céu.

No azul aeróbico do amplo espelho

ele se enxerga no arco do sol.


E voa voando mais leve...



(Tola ave que voa breve,

bem mais leve é meu astral.)
Fernando Campanella



sexta-feira, 2 de novembro de 2012

MEMORIAL

Foto por Fernando Campanella

Aqueles túmulos me contam
que meus mortos vivem comigo,
que apenas deixaram invólucros
por algum tronco, suas vestes
ao obscurecimento da estrada.

Um dia cantaremos também,
na memória, como as cigarras.

Fernando Campanella

terça-feira, 30 de outubro de 2012

AQUARELA


Foto por Fernando Campanella


Serranias,
bananais
reticências e sapos.

Em transparências mineiras
a aquarela na tarde
é meu exílio de Minas.

Fernando Campanella 

domingo, 28 de outubro de 2012

EM CÍRCULO

Foto por Fernando Campanella

Quis conhecer o mundo, pôs o chapéu, montou no cavalo, mas antes de partir olhou para trás.

Minas, na frágil, terna caduquice dos anos, pelos mandos e desmandos de suas rabugens, cuspiu em seu chão três vezes, em círculo, dizendo: antes que isto seque, ocê volta.
(Fernando Campanella) 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

BARRO DO REINO


Foto por Fernando Campanella

Foto por Fernando Campanella

A poesia me leva a nomes de teus reinos
dispersos por tuas veredas e encostas,
em tuas grotas e ravinas retomo o barro
de que um dia me geraste - e me reamasso.

Fernando Campanella



sábado, 6 de outubro de 2012

MEMÓRIA EM MADEIRA

Foto por Fernando Campanella*

Sempre que ia à  casa de uma tia, eu observava aquela pintura de paisagem em madeira, de formato oval, na parede da sala. Era uma peça que pertencera à minha bisavó, pois me lembro dela desde minha infância. 

Com olhos de uma certa pretensão estética, eu criticava aquela obra, classificando-a como artisticamente pobre, primária, acadêmica. Mas no fundo, no secreto inconfessável, eu me permitia gostar daquela simplicidade, e até a achava bonita.  

Minha tia, aquele lar, aquela pintura na sala, assim como tantas outras cenas e afetos de minha vida, passaram, são ecos da memória.  

No mundo da criação artística, onde tantos são chamados e pouquíssimos os reconhecidos, o autor daquela singela peça de madeira não chegou às alturas, à genialidade de um Van gogh, de um Picasso... E talvez nem se preocupasse com isso. Em alguns momentos de sua trajetória no mundo, grafou a beleza de uma paisagem, com tinta, na madeira.   Passou, também, incógnito, como aves e rios, mas revelou-se inteiro no que plasmou. E me faz sentir que a necessidade da arte, em toda e qualquer manifestação, consegue ser ainda mais tocante que a própria arte.

E lembrando Drummond, essa existência nossa, entremeada de estresses e afetos, assim como Minas, vai se tornando um esmaecido retrato da memória, como aquela pintura.  E se dói, que também enterneça. 

Fernando Campanella

* A imagem, postada acima, não é foto de um pintura, mas  de uma paisagem real, na área rural de São José do Alegre, município perto de minha cidade.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

REVOADA



Foto por Fernando Campanella


A súbita visão daquele redemoinho de centenas, talvez milhares, de aves no céu, no final da tarde, foi algo que beirou o numinoso. Elas passavam em voo baixo, em gigantescos bandos, frenéticas, e retornavam com a mesma intensidade, causando-me uma sensação de elemento estranho, ali, como se eu estivesse profanando um templo.    

O ruflar das asas, a aproximação da noite e a percepção de minha solidão inteira dentro daquela vibração selvagem avivaram em mim um remoto mistério, com tintas de pavor, a princípio. Pude vislumbrar, porém, a maravilha de um reino maior, que desencadeia as forças da criação, que a nossa história, e a nossos enredos, subjaz.
(Fernando Campanella)

"Aceite tudo a respeito de si próprio - quero dizer - tudo. Você é você e isso é o princípio e o final - sem pedidos de desculpa, sem arrependimentos." (Clark Moustaka, tradução de Fernando Campanella)


terça-feira, 25 de setembro de 2012

DONA ADÉLIA


Foto por Fernando Campanella

...o coração entre o lume brando
e a usura, esfumando
sem desprender a ternura.

(Fernando Campanella)


Dona Adélia estava sempre à janela quando eu passava em minhas caminhadas por aquela rua.


Todas as manhãs assistia missas pela televisão em sua sala, deixando um copo com água para "bentar", como dizia. Uma vez tomei dessa água.

Numa de nossas conversas, disse-me que o marido vestira o 'paletó de madeira' já há muito tempo e que vivia praticamente sozinha, tendo apenas visitas diárias de alguns parentes, e de um garoto vizinho que se afeiçoara a ela como a uma legítima avó.

No quintal de sua casinha havia árvores com orquídeas e bromélias, e canteiros com hortelã, rosas, manjericão...

Isso foi tudo que consegui saber nas poucas vezes em que nos encontramos. O que mais importa, para minha alegria, é que tenha me deixado tirar algumas fotos suas, em sua rica presença naquela humilde janela. E que também tenha me inspirado um poema, cujo trecho abre esta postagem.

Há alguns dias vim a saber que falecera. Vestiu seu 'casaquinho de madeira' definitivo para reencontrar o marido. Por sorte eu havia levado a ela uma das fotos de presente alguns meses antes, ocasião em que, ansioso por agradá-la, perguntei se tinha gostado do retrato. E foi com um sorriso meio a contragosto que me respondeu: gente velha não sai bem em fotografia, meu filho.   

Ainda não passei por lá após sua partida. Reluto em ver sua janela fechada, vazia.

Fernando Campanella


domingo, 9 de setembro de 2012

DOIS CURTOS

Foto por Fernando Campanella
I

MANTRA

vênus neons verspertinos
mégalos circuitos anímicos
hades angélicos felinos
lunas vitrines adoramus

II


NA NOITE ESCURA (SIGNOS)

O miado de um gato?
Um fogo fátuo?

Não.

Uma sirene
e um semáforo.

(Poemas por Fernando Campanella)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

SAGA DE ASAS



Fotos por Fenando Campanella


Novembro, estação das chuvas, e as garças já retornaram, para nidificação, àquelas árvores junto ao velho rio Sapucaí. Centenas delas, diferentes tamanhos, cores, e espécies ( branca-grande, vaqueira ou boiadeira, socó-dorminhoco ou garça-cinzenta...).

Algumas, como as brancas grandes, exibindo suas egretas, penachos especiais no dorso usados para o ritual de corte.

É a época da reprodução. No ninhal já se veem as estruturas de gravetos e galhos secos, forradas de capim. Logo as fêmeas postarão os ovos verde-azulados, e os pais os chocarão e alimentarão os filhotes que vingarem.

Alvoroçadas com minha presença em seus domínios, emitem sons roucos, entrecortados, e brandem as poderosas asas quando de mim se afastam. Porém, jamais me atacam.

Quando pela primeira vez fotografei a colônia dessas aves , em meados de dezembro do ano anterior , os filhotes já estavam em seus ninhos, recém-nascidos, de uma beleza grotesca, plumas escassas , o bico enorme, desproporcional à estatura do corpo. Aproximadamente um mês mais tarde, em minha segunda visita, já eram adolescentes, com plumagem mais definida, em pleno ensaio para a rara beleza que portariam quando adultas.

Em Abril deste ano , por ali passando, não mais as vi. No outono, após as chuvas de março, baixando o nível das águas do Sapucaí, as várzeas da região do ninhal secam , dificultando para as garças encontrarem suas presas - plâncton, pequenos peixes e anfíbios - naquelas lagoas marginais. Em sua natureza migrante, as brancas grandes voam, então, para regiões de águas fartas, abundantes, como nas proximidades do imenso lago de Furnas.

As exóticas vaqueiras, insetívoras, rumam aos pastos em busca dos insetos do gado, abrigando-se em outros recantos. E do milagre dos instintivos rituais da vida, daquele clamor de sons e asas, restarão, ali junto ao rio, após partirem, tão somente algumas penas, fezes branco-acinzentadas e o silêncio dos ninhos vazios.

Agora, mais uma vez , em novembro, ali estão elas, os filhotes do ano anterior já são aves absolutas e plenas que, dando continuidade ao ciclo natural, postarão e chocarão seus ovos, revitalizando o local com o grasnar coletivo, o vôo elegante, as delicadas poses e movimentos de bailarinas.

Eu as aguardei durante longos meses para revisitá-las agora na estação das chuvas, meu coração como se atendesse a um chamado para registrar a renovação da vida em sua mais manifesta alegria. Mas até quando as verei, agrupando-se, vindas algumas de longe, impulsionadas por um misterioso código biológico que lhes assegura um santuário de procriação precisamente naquele sítio?

Contemplando-as na tarde, consortes , amantes em plena, festiva cumplicidade, ciente de que logo partirão, em incansável saga de asas, para cuidar de outras conquistas, lembro-me dos versos do poeta irlandês, Yeats, referindo-se aos seus selvagens cisnes de Coole:

"... Entre que juncos edificarão sua morada,

Junto a que lago, junto a que charco,

Deliciarão o olhar do homem quando um dia eu despertar

E descobrir que voando se foram?"

(Fernando Campanella, 22 de novembro de 2008)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

BRASÃO DE ALMAS


Foto do blog: http://revistadeciframe.files.wordpress.com/2010/02/aguia1.jpg


O sobronome X pertence a uma antiga família
de Portugal ou Espanha, ou sabe-se lá de onde.
É classificado como de origem "desconhecida".
Nomes de origem desconhecida dizem respeito
ao local incerto de onde saiu o progenitor da família,
(uma toca, uma gleba, ou uma vila perdida),
O sobrenome indica assim que
o portador original teria vindo de alguma região remota
sobre a qual o desconhecimento era absoluto.
O sobrenome tornou-se popular , espalhando-se por toda
a Península Ibérica. Em Portugal foi encontrada
uma das mais antigas referências a ele, é o registro
de Antonio X, assinante de um documento de vendas de
ovelhas numa certa paróquia próxima a Lisboa.Pesquisas estão em andamento
e este nome pode ter sido documentado muito antes do acima
mencionado. Portadores notáveis do sobrenome X foram:
Felipe X, famoso usurário, que em 1560 arruinou muitas almas
na aldeia em que vivia, levando pais de família
do desespero ao suicídio. Amador X, notável boêmio, citado
em 1540. Beberrão contumaz, amante de mulheres novas,
foi envenenado pela esposa, pobre mulher apaixonada, que
após o crime foi apedrejada até a morte, deixando nove filhos
à mercê de parentes próximos ou de alguma ordem mendicante.
Delfim X, um padre inquisidor, nascido em1590, obcecado por posições
e honrarias, perseguidor implacável de Judeus e Mouros, atormentado
por visões de demônios e bruxas. Ana X, tida como demente, apelidada
a louca do meio dia, nascida já no Brasil em 1835, católica de alto fervor,
que do nada, ou do tudo reservado, escandalizou a pequena cidade em que vivia,
exibindo-se nua, em pública praça, à luz do dia. Há também representantes
menos destacáveis da família, mas devem ter preferido o anonimato.

As armas descritas abaixo foram concedidas à família X
pelas autoridades apropriadas:

Brasão de armas: Fundo azul, estrela dourada, adagas de prata.
Tradução: azul denota verdade. Ouro indica nobreza. Prata
Simboliza pureza.

Timbre: uma águia de prata, simbolizando a grandeza
e o orgulho de uma raça.

(Texto por Fernando Campanella)



quinta-feira, 21 de junho de 2012

EFEMÉRIDES (JUNHO)




Junho é um grasnar solitário,
é uma gralha
que ao colo da araucária retorna.
As garras da ave, desprendidas do dia,
soltam as sementes
que meus olhos em silêncio recolhem.

Fernando Campanella

quarta-feira, 30 de maio de 2012

AMOR, UMA TRADUÇÃO DE UM POEMA DE GEORGE HERBERT



Amor

O Amor deu-me boas vindas, porém retraiu-se
minha alma, em  pó e pecado eivada.
Mas o Amor, de olhar sagaz, observando-me
recuar àquela minha primeira entrada,
achegou-se de mim, suave, indagando
se algo me faltava.
“Um hóspede,” disse-lhe, “em mérito de entrar à vossa casa."
Falou o Amor, “Tu o serás.”
“Eu, o ingrato, o desamável? Ah, não sou digno
de a Vós erguer os olhos, meu amado.”
O Amor tomou minha mão e, sorrindo, retorquiu,
“Quem, senão eu, teria os olhos criado?
“Verdade, Senhor; mas eu os turvei; deixai minha desonra
tomar o rumo que lhe caiba.”
“Acaso não sabes”, diz o Amor,  “quem toda humana culpa assumiu?”
"Meu querido, serei de vossa mesa, assim, o servo."
“Deves sentar-te,” diz-me o Amor, “e de minha carne provar.”
Então sentei-me, e de sua carne provei.

(Poema de George Herbert, tradução de Fernando Campanella)

George Herbert, nascido no País de Gales, (1593-1633) foi um poeta, orador, e sacerdote anglicano. Escreveu poemas religiosos, caracterizados por precisão de linguagem, versatilidade métrica, e inventivo uso de metáforas. Insere-se na  Escola Metafísica de Poetas, expressão cunhada pelo crítico literário  Samuel Johnson para descrever um grupo de poetas ingleses  do século dezessete, cujos trabalhos primavam pelo uso de conceitos e pela especulação sobre temas como amor e religião. 
Considerado um expoente da literatura inglesa, sua poesia tem sido colocada em música por vários compositores, como Ralph Vaughan Williams, Lennox Berkeley, Benjamin Britten, Judith Weir, Randall Thompson, William Walton, e Patrick Larley. 
(Fonte: Wikipedia)

Love

LOVE bade me welcome; yet my soul drew back,
Guilty of dust and sin.
But quick-eyed Love, observing me grow slack
From my first entrance in,
Drew nearer to me, sweetly questioning 5
If I lack'd anything.
'A guest,' I answer'd, 'worthy to be here:'
Love said, 'You shall be he.'
'I, the unkind, ungrateful? Ah, my dear,
I cannot look on Thee.' 10
Love took my hand and smiling did reply,
'Who made the eyes but I?'
'Truth, Lord; but I have marr'd them: let my shame
Go where it doth deserve.'
'And know you not,' says Love, 'Who bore the blame?' 15
'My dear, then I will serve.'
'You must sit down,' says Love, 'and taste my meat.'
So I did sit and eat.
(George Herbert)
 






domingo, 20 de maio de 2012

EFEMÉRIDES (MAIO)


9 papagaios na laranjeira, s,d, Lucy Altrey Wilson, óleo sobre tela
Imagem do blog:  Peregrinacultural Weblog


Dom de maio - a casa em ordem -
vão-se os versos em asas,
laranjeiras põem frutos no quintal.

Fernando Campanella

sábado, 12 de maio de 2012

IN MEMORIAM


Foto por Fernando Campanella


Um rei de outros tronos
embalava-me nos braços
com estórias de ninar.

Adentrávamos o reino
da eterna infância.

Cúmplices, as sombras de Minas
sob o luar.

Fernando Campanella 





quarta-feira, 25 de abril de 2012

VENTOS DO LESTE

Foto por Fernando Campanella

Com folhas de salgueiros
é como posso pagar
a vossa cortesia.
(Matsuo Bashô)

Esta viração de outono
me traz versos de Bashô.
Revolve memórias da terra -
aromas, pastos, rastelos -

traz também o viés da vida -
lume e cinza,
pétala ressequida.

Esta aragem nos salgueiros do leste
tocou  poetas longínquos
e hoje ressoa minhas hastes -

já não sou o grande pária do mundo,
ave dispersa na serrania.

Este sopro, de mais longe,
de outros píncaros e ares,
traduz-se agora em coisas minhas,
em paisagens do quintal

(e com folhas de laranjeiras
minha vez então a pagar
por tão primaz cortesia).

Fernando Campanella

quarta-feira, 28 de março de 2012

REPASTOS


Foto por Fernando Campanella

Penso nas vacas como num mundo cifrado -
a cosmogonia circunscrita das vacas.
Mas que sei de universos fechados?
Eu, que suposta ciência tenho da alma,
dissipo noites, a cismar.
Sei que os bezerros às vezes param, e me observam,
quando por sobre o muro de silêncio os contemplo -
uma súbita luz, então, elide o tempo.
Depois nada mais acontece
a não ser um delicado ruminar de bezerros
absolvendo a tarde de metafísicas inúteis.

Fernando Campanella

sexta-feira, 16 de março de 2012

ASSIM NA TERRA...


Foto por Fernando Campanella

Trago a cor da terra -
dos frutos bons e carcomidos
da terra.

Mas é na luz que transpareço,
que arquiteto meu abrigo.

Abro longes - Deus e silêncio
ainda falam comigo.

Fernando Campanella

domingo, 11 de março de 2012

JUBILAÇÃO


Foto por Fernando Campanella

Deus me deu um amor na madureza...
(Carlos Drummond de Andrade)

Concedeu-me Deus um amor aos cinquenta
quando Eros põe as barbas de molho
já transposto o vale das primícias
e das tormentas;

estendeu-me para leito o alvo linho,
acercou-me dos anjos de Jó,
deu-me calhas, de anteparo, para a tempestade.

Coroou-me de alvíssaras, no retorno,

e de minhas cismas fez um Éden redivivo -

pôs a arder em mim a chama exata
dos que não tomam o santo nome do tempo
em vão.

Para o gozo deu-me fruto e serpente,
e a vontade infinda, a fome grata de menino.

Fernando Campanella


sábado, 3 de março de 2012

O EU CONFESSO (FRAGMENTO)


Foto por Fernando Campanella

...Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha...
(Canção da tarde no campo, Cecília Meireles)

Haverá um dia
em que alguém lerá meus versos
mas neles abstraído já não me acho.
Não um dia como este, de pretensões confessas,
quando tudo que fiz conta, ou não.
Ou não haverá hora e vez
para toda idiossincrasia.

Cria do tempo, escrevo e escapo.
Mas se me buscares, transpõe os versos,
encontra me lá, à fímbria da tarde,
quando pássaros voarem
sobre arrozais em flor.

Fernando Campanella

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

CABALLITOS DE MAR


Foto por Carlos Moreno, do blog: http://www.elmundo.es/

O teu silêncio é ave noturna,
pupila que de remotas torres vigia:
dos filhotes, já os trêmulos augúrios,
dos amantes,  a fome de rapina.


Tem algo abissal o teu silêncio,
pérola onde toda luz engasta:
dos cavalos do mar, o galope náutico
e as líquidas crinas,
das dorsais oceânicas, a geometria do assombro,
o sólido frontal encanto.


Atos litúrgicos, iluminuras, litanias,
o teu silêncio é ainda espargido incenso,
cinza imemorial e odora,
nave dos dissensos góticos que ergui.


(Melhor te amariam os olhos
que distraídos de mim te vissem.)

Fernando Campanella

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

ARTE-FINAL


Foto por Fernando Campanella

Desenho a melancolia
numa folha de papel.

Que minha dama de tediosa face
pudesse, de mim transposta,
tão graciosa sagrar-se,
eu não sabia.

Fernando Campanella



Abaixo, um vídeo com a alaudista Fernanda Bertinato, de Pouso Alegre, minha cidade.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

EFEMÉRIDES (FEVEREIRO)



Foto por Fernando Campanella


Fevereiro entre dois amores:
quaresmeiras e manacás.
O branco pode ser amor primeiro
mas arrasto asas
ao roxo, ao violáceio, ao lilás.

Fernando Campanella


quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

PONTO DE FUGA


Imagem do blog:
http://www.teclasap.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/02/chuva.jpg


"...Earth's the right place for love..."
"...A terra é o lugar certo para o amor..."

(Robert Frost)


Fitam me olhos de folhagens
molhados de chuva no jardim.
Não sei se me dizem algo
ou se trago carências de um sim.


Se imagem é degredo, ignoro -
tão míope o infinito
onde paralelas haverão de se unir.

Fernando Campanella

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

REVISITADO


Foto por Fernando Campanella

Bem-vindo à minha casa
mas se quiseres ir ao sótão
traz as velas, algo ali vive
que não permite a crua luz
escancarada.

Eu o revisito tantas vezes
e não me incomodam seus trastes,
alguns ratos - eles me convivem,
sou o velho hóspede da casa.

Subo e desço no cotidiano ato,
gosto de ir às vezes regar,
antes que esquecidas mal cheirem,
as flores do meu cercado
(com a palma de meus olhos
acaricio as ternas fugacidades).

Desço e subo, vou por esses cômodos
sonambulando.

Acomoda-te em minha casa
mas se quiseres entrar em meu sótão
acende as velas.

Ali já estou aclimatado,
sou amigo do gato, eu furto a luz
pelas mínimas frestas do telhado.
Ali todas artimanhas já incorporei,
eu sei dos hábitos -
eu sou o velho fantasma da casa.

Fernando Campanella

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

UMA LUZ EXISTE NA PRIMAVERA


Foto por Fernando Campanella

Uma Luz existe na Primavera
Não presente no ano
Em qualquer outra estação -
Quando Março já chegando

Uma Cor se firma
Campos Solitários afora
Que a Ciência não alcança
Mas a Natureza Humana elabora.

Ela aguarda sobre a Relva,
A Árvore mais longínqua ela revela
E na mais remota Encosta, tu sabes,
Ela quase contigo fala.

Então quando Horizontes se movem
Ou meios-dias já longe ecoam
Sem a Fórmula do som
Ela se despede e nós ficamos -

Uma qualidade de perda
Que afeta nosso Contentamento
Como se Vendilhões subitamente
Houvessem usurpado um Templo.

(Poema por Emily Dickinson, livre tradução de Fernando Campanella)


A Light exists in Spring
Not present on the Year
At any other period -
When March is scarcely here

A Colour stands abroad
On Solitary Fields
That Science cannot overtake
But Human Nature feels.

It waits upon the Lawn,
It shows the furthest Tree
Upon the furthest Slope you know
It almost speaks to you.

Then as Horizons step
Or Noons report away
Without the Formula of sound
It passes and we stay -

A quality of loss
Affecting our Content
As Trade had suddenly encroached
Upon a Sacrament.

Emily Dickinson



terça-feira, 10 de janeiro de 2012

EFEMÉRIDES (JANEIRO)


Foto por Fernando Campanella

Janeiro curva palmeiras aos elementos.
Chegam as araras e disputam os cocos,
corta implácável a traça do tempo.

(Eu no mundo vivo de amores,
dançam as palmas ao assédio dos ventos.)

Fernando Campanella