domingo, 19 de julho de 2009

DAS CEREJEIRAS EM FLOR


Foto by Fernando Campanella


De meu caro amigo poeta, José Carlos Brandão, recebo estas palavras referentes à minha foto de uma cerejeira postada neste blogger: "A cerejeira vale por um poema. É até pena: deixa pouco para nós poetas. Mas é engano: dá mais trabalho – quais as palavras? A imagem está formada, no espírito, mas quais as palavras que lhe deem a forma concreta?"

Atenho-me à primeira parte de seu comentário, quanto à referência de a cerejeira deixar pouco para nós poetas. Realmente, essa árvore parece-me ser a poesia em si própria: algum jardineiro de Deus, no início do florestamento da terra, deve a ela ter dispensado uma dedicação contemplativa tal que diante de sua obra até as musas silenciaram em admiração.

Hipérboles à parte, as cerejeiras suscitam, além de nosso silêncio, ou algo como um estado Zen, o minimalismo em nossas formas ou técnicas de expressão. O hai-kai seria a forma mais propícia para abordá-las visto que, segundo Octávio Paz, tal estrutura poética 'é anti-retórica, lisa, e simples'. Uma abordagem, uma observação, cujo fruto seja o conhecimento direto, não esotérico ou racional, da árvore e, por extensão, do mundo natural.

De alguns haikais sobre a cerejeira, destaco dois de Bashô (1644-1694), o poeta de inspiração budista que estabeleceu os cânones do tradicional hai-kai japonês:


Quantas memórias
me trazem à mente
Cerejeiras em flor
(Matsuo Bashô, 1666)

Uma velha sem dentes
que rejuvenesce:
cerejeira em flor.
(Matsuo Bashô)

Retomando o comentário de meu amigo Brandão, mencionado no início, estou, então, de pleno acordo: as cerejeiras deixam pouco para nós, poetas. E esse pouco eu ouso aqui, em um poemínimo, com o espírito, mais que a técnica, do hai-kai, endossando as gentis palavras que o poeta me enviou:

Prudente todo o silêncio
À tua súbita aparição,
Cerejeira em flor

Fernando Campanella