segunda-feira, 24 de março de 2014

PARQUE DAS EMAS

Foto por Fernando Campanella


Não façais mal nem à terra, nem às plantas
Nem às águas...
(Apocalipse)

Acordei no meio da noite, e vi o dia,
dia mais avesso que o miolo das trevas
quando os inocentes da terra choravam,
as flores enrustiam o perfume
e o vinho amargava o sabor.

Os cavalos vermelhos desordenavam
a paz da terra, debandavam as rolas,
disparavam loucas as emas.

Promessas de novas proles não se cumpriam
que os ninhos eram cinzas por palhas
e os ovos, um a um derretiam.

As falanges do fogo consumiam a obra,
calcinavam as ervas, não distinguiam
as montanhas do domínio das águas –
onde era natural majestade, desintegravam,
onde fossem líquidas relíquias, secariam.

Nunca se vira por estas paragens
dor tão intensa e democrática, castigando
desde as ninfas, desfeitas de seus reinos,
até as baleias, de suas águas desmembradas.

Os inocentes da terra choravam
por impotentes e frágeis
diante de tão cruel, definitiva ceifa.

Antes fossem apenas delírios de profetas
o que o livro dos tempos anunciara.

Antes ficasse somente em imagem
a horda de criminosos das glebas
a desfilar com fardas em chamas
e bocas de vômito incandescente.

(O espírito do fogo consome a obra,
sua língua profana lambe e devasta,
seus dentes não deixarão grão sobre grão.)

Fernando Campanella, 1988