quinta-feira, 29 de outubro de 2009

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella


... Como Minas está arraigada em mim! E ainda que sensação de estranhamento e exílio! Meus olhos se regalam de montanhas, copas de árvores, flores do mato e capins. E seguem bandos de garças, recortes brancos itinerantes contra o céu. Despejando seus últimos pingos de ouro nos pastos, o sol realiza a alquimia final do dia. E Minas resiste.

Acodem-me à mente memórias do mundo, de mim. Lembro, vivo lembrando. Mas melhor agora estancar este fluxo perpétuo de imagens, embarcar nesta solidão da quase-noite. A primeira estrela pulsa o olho neutro indecifrável.

Melhor ainda, quem sabe, trazer à alma o consolo universal do Tao:
“...E no entanto, sossega meu coração.Tu vives no seio da mãe do universo.” ...

Trecho de meu escrito 'Junto de Hermann Hesse', de 1994.

FRAGMENTOS*


Foto by Fernando Campanella

I

Haverá uma tarde
em que alguém lerá meus versos
mas neles, distraído, já não me acho.
Não uma tarde como esta
de pretensões confessas
quando tudo que fiz conta
ou não.

Ou não haverá uma tarde
para toda idiossincrasia.

II

Vou tocando meus versos
como conduziam ovelhas
os bem antigos pastores.
Alimento, toso, tranco o estábulo
e deixo uma intenção em fresta
para os olhos do mundo
para a luz-vaidade.
Mas sei que isso ainda não basta.
O sonho é mais vasto
E o infinito de mim
puxa mais embaixo.

III

Quase noite, recolho no armário
minhas ovelhas, meus versos.
Solto os músculos:
não se agüentavam mais
minhas faces.

IV

No armário , em sombra e mofo,
fiquem meus versos.
O dia me arde.

Mas quando durmo
podem sonhar em mim.

V

No jardim do recolhimento
versos são também pássaros
que às vezes vêm bicar
minha solidão povoada.


*Os versos acima são a abertura de uma série de poemas confessionais, intimistas, que intitulei 'O Eu Confesso'.