Foto por Fernando Campanella |
...o coração entre o lume brando
e a usura, esfumando
sem desprender a ternura.
(Fernando Campanella)
Dona Adélia estava sempre à janela quando eu passava em minhas caminhadas por aquela rua.
Todas as manhãs assistia missas pela televisão em sua sala, deixando um copo com água para "bentar", como dizia. Uma vez tomei dessa água.
Numa de nossas conversas, disse-me que o marido vestira o 'paletó de madeira' já há muito tempo e que vivia praticamente sozinha, tendo apenas visitas diárias de alguns parentes, e de um garoto vizinho que se afeiçoara a ela como a uma legítima avó.
No quintal de sua casinha havia árvores com orquídeas e bromélias, e canteiros com hortelã, rosas, manjericão...
Isso foi tudo que consegui saber nas poucas vezes em que nos encontramos. O que mais importa, para minha alegria, é que tenha me deixado tirar algumas fotos suas, em sua rica presença naquela humilde janela. E que também tenha me inspirado um poema, cujo trecho abre esta postagem.
Há alguns dias vim a saber que falecera. Vestiu seu 'casaquinho de madeira' definitivo para reencontrar o marido. Por sorte eu havia levado a ela uma das fotos de presente alguns meses antes, ocasião em que, ansioso por agradá-la, perguntei se tinha gostado do retrato. E foi com um sorriso meio a contragosto que me respondeu: gente velha não sai bem em fotografia, meu filho.
Ainda não passei por lá após sua partida. Reluto em ver sua janela fechada, vazia.
Fernando Campanella