Foto by Fernando Campanella
terça-feira, 1 de setembro de 2009
O RIO QUE PASSA POR MINHA ALDEIA (II)
"Junto à estação, que não aparece na foto, o embarque para o barco que
singrava pelo rio Sapucaí, em 1934." Foto cedida por Nilson Rodrigues
para o site ' Estações Ferroviárias do Brasil ':
http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_sapucai/portosapucai.htm
O rio que passa por minha aldeia
são martins-pescadores
em odores do mundo
são cílios cortados
em manchas lubrax...
(Fernando Campanella, 2008)
Há rios que têm um apelo universal, que correm à lembrança de grandes feitos e navegações. Não o Sapucaí. Meu velho rio subsiste apenas à sua discreta memória.
Nascido quase um fio d’água, nas proximidades de Campos do Jordão, SP, avança seu leito ao Norte, e carrega a pequena grande história do sul e do sudoeste de Minas Gerais.
Tudo muito local, sem alarde ou manchetes. O Sapucaí , em seu percurso até o encontro com o Rio Verde, batiza, com suas águas e seu nome, povoados, cidades: São Bento, Santa Rita, São Gonçalo, Santana – todos ‘do Sapucaí’.
Há a memória de seu porto, junto a uma já extinta estação de trem. Ali, barcos, os chamados ‘vaporzinhos’ , atracavam, deixando passageiros que seguiriam viagem nas locomotivas rumo ao Rio, São Paulo, ou a outras cidades do extremo sul de Minas Gerais.
Há também a saudade de seus peixes (Dourado, Jaú, Piaba, Piau-três-pintas, Pintado, Curimbatá...) e de suas Sapucaias, origem de seu nome, árvores que margeavam seu leito, complemento em flores a lhe embelezar.
No desbravamento da região, o Sapucaí transportava cargas de ouro. Remotamente, havia os índios. Rezam os mitos que em suas águas, salvaguardadas por matas, viviam ninfas caboclas - o paraíso era também ali.
Nos quesitos poluição - dejetos doméstico, industrial e rural - e destruição de sua mata ciliar, o rio de minha aldeia segue a lamentável tendência mundial. Porém, o Tâmisa já perdeu a alcunha de ‘Grande Fedor’, já recuperou a navegabilidade e o salmão. O Tietê e o Paraíba já têm adeptos e projetos para sua despoluição. Mas quem recuperaria o Dourado, e aliviaria os odores do Sapucaí?
Poetas cantam seus rios, com suas florestas e lendas, eu não poderia deixar de fazê-lo . Findo a homenagem ao Sapucaí com um poema feito em 1992, posteriormente reestruturado. A catarse em versos, como saíram à época, uma tomada de consciência de como maltratamos, tantas vezes, quem nos alimenta e nos serve.
(Fernando Campanella, 2009)
O rio que passa por minha aldeia
não se cansa de navegar
Por ele passam Martins-pescadores
bostas
e manchas lubrax.
Mas ainda não é mal-cheiroso
como os rios de lá.
Nele posso sentar-me à margem
atirar uma pedra na água
não se cansa de navegar
Por ele passam Martins-pescadores
bostas
e manchas lubrax.
Mas ainda não é mal-cheiroso
como os rios de lá.
Nele posso sentar-me à margem
atirar uma pedra na água
e em meus silêncios concêntricos
velejar.
velejar.
(Fernando Campanella, 1992)
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