terça-feira, 7 de abril de 2009

CAPELA DOS OSSOS


Foto by Ana Gonzales

Eu, que não vivi o Alentejo,
que não voei com as cegonhas
sobre suas albufeiras ao entardecer
( nem em suas quintas pernoitei)

e que não cantei odes
à glória de um D.Manuel e suas esquadras
( nem o Tejo naveguei)

que às suas capelas
não me desfiz dos ossos,
não venci seus mitos,
não cruzei o Bojador

(nem de sua flor mais bela
em Évora me enamorei)

eu, disso tudo
por descompasso dos astros,
me privei.

 Mas, oh, fado lusitano,
oh, alma dolente e migrante,
tua nostalgia– teu estar nunca estando – tua sede
por mares nunca d’outrem navegados,

esse tanto, eu herdei.

Fernando Campanella

ALENTEJO


Foto by Ana González

Foto by Ana González

Foto by Ana González

Foto by Ana González

Foto by Ana González

(Acima, as fotos que minha amiga do Orkut, Ana González, paraguaia, residente em Portugal, gentilmente cedeu para esta especial postagem de um poema que fiz ( Capela dos Ossos) sobre o Alentejo.)


MARES NUNCA D' OUTREM NAVEGADOS

Escrever sobre o Alentejo sem nunca ter estado em Portugal, como seria isso possível? Seria como falar do outono de New England sem nunca ter visto in loco as tonalidades de suas folhas nessa específica estação do ano. Ou como falar dos ursos que em nosso inverno nunca vieram hibernar.

E no entanto falamos. E como poetas, cantamos, em nosso ritmo próprio, tanto as paisagens que nos são peculiares, tão nossas, como as que são de outros. Cantamos nossas montanhas, se as temos, nossas planícies, se as desbravamos, nossa gente com quem convivemos. Mas também escrevemos sobre longos desertos que nunca percorremos, divagamos sobre galáxias que jamais viremos a conhecer: os tais 'mares' nunca d'antes, nunca d'outrem navegados.

"Para conhecer o mundo/ Não é necessário viajar pelo mundo..."*, dizia Lao Tsé. Concordo com o pensamento do lendário sábio taoísta, sem tirar o mérito das viagens, que tanto me agradam e infinitos horizontes me abrem. Com esses versos, o velho mestre nos leva a refletir sobre o verdadeiro conhecimento, tão difícil como necessário, do eu mais profundo com seus mitos.

E especialmente quando escrevemos sobre o nosso e os outros mundos, é o espaço mítico que adentramos, a nossa realidade interna, apossando-nos da geografia própria, ou alheia, apenas para transformá-la em símbolos, em matéria de sonho.

Um alentejano poderia escrever sobre Minas sem jamais minha região ter visitado. Eu o entenderia: o imaginário não se limita ao tempo-espaço, tem a sua característica dinâmica por onde transita todo o universo.

O mito é recorrente, eterno, ultrapassa o humano. Independente, caminha com as próprias, teimosas, pernas, é de todos, e ainda não se fixa, não é prerrogativa do Alentejo, nem de Minas, nem de ninguém.

Fernando Campanella

* POEMA 47
A SABEDORIA INTERNA
Para conhecer o mundo
Não é necessário viajar pelo mundo.
Posso conhecer os segredos do mundo
Sem olhar pela janela do meu quarto.
Quanto mais longe alguém divaga,
Menor é seu saber.
O sábio atinge a sabedoria
Sem erudição;
(Lao Tsé, Tao Te Ching)




( O Alentejo) "...é uma saudade sem dor, um sentimento que traz a cada dia esforçado um secreto sabor, a sensação inebriante de que, bem perto de nós, é possível encontrar o paraíso perdido.À vista de todos, o Alentejo é cofre fechado com chave no coração." (http://www.visitalentejo.pt/vpt )

Veja o lindo vídeo sobre o Alentejo:



A FLOR(MAIS)BELA DO ALENTEJO


http://4.bp.blogspot.com/_

VERSOS DE ORGULHO

O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho ! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém.

Porque o meu Reino fica para além ...
Porque trago no olhar os vastos céus
E os oiros e clarões são todos meus !
Porque eu sou Eu e porque Eu sou Alguém !

O mundo ? O que é o mundo, ó meu Amor ?
__O jardim dos meus versos todo em flor ...
A seara dos teus beijos, pão bendito ...

Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços ...
__São os teus braços dentro dos meus braços,
Via Láctea fechando o Infinito.

Florbela Espanca


VOZES DO MAR

Quando o sol vai caindo sobre as águas
Num nervoso delíquio d’oiro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?...

Tu falas de festins, e cavalgadas
De cavaleiros errantes ao luar?
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?

Tens cantos d'epopeias?Tens anseios
D'amarguras? Tu tens também receios,
Ó mar cheio de esperança e majestade?!

Donde vem essa voz,ó mar amigo?......
Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!

Florbela Espanca


TRÊS MAGOS


Foto by Fernando Campanella

Subo novamente pelas encostas de Minas, a cidade vista um pouco mais ao alto. Passo por árvores decrépitas e seus parasitas como hóspedes, troncos abraçados em remoto apego de amor, nuvens furtando cores ao sol poente. Ao longe, avisto a sentinela dos montes, contrafortes delimitantes da geografia onde me espaço.

Na sinuosa estrada, cercada por matas, coelhos selvagens saltam, distraídos, dos lados. E voam corujas à boca da noite. Um enorme pássaro em retardo ao ninho ameaça à minha frente as poderosas asas.

Impressões de um crepúsculo, de um prenúncio de noite quando a natureza se insinua e me inspira compaixão, uma doce arritmia, com seus traços inusitados.

De repente, do nada, de um sortilégio no céu, uma meia-lua e três risonhos magos ( ou três comadres Marias) desejam-me uma boa noite, ao esmorecer de mais um dia.

Fernando Campanella