sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella

... eu quero ainda o sacro ritual dos ninhos
na tarde quando o verso, abismo doce,
é tudo que me dispõe e me traduz.

Fernando Campanella, trecho do poema 'Ninhos' de 1986.
Foto tirada em 28.01.2010

Ouça 'O cisne de Tuonela', do compositor finlandês Jean Sibelius, música de fundo que acompanha esta postagem:





A música de Sibelius tem me inspirado, faz parte do acervo de achados que incorporamos porque dão sentido, como uma estrela do Norte, à nossa existência. O poema abaixo é dedicado a esse desbravador das florestas da alma:

Esta música evoca uma floresta
povoada de mitos e deuses
que por mero acaso não são meus.
Minha floresta tem outros ritos.
Mas certa música também dela irrompe
e bate em ouvidos que a interceptam
e que por um acaso agora são teus.

Fernando Campanella, 2007

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

EFEMÉRIDES ( JANEIRO )


Foto by Fernando Campanella

Janeiro curva palmeiras aos elementos,
chegam as araras e disputam os cocos,
corta implacável a traça do tempo -

eu no mundo vivo de amores,
dançam as palmas
ao assédio dos ventos.

Fernando Campanella, 2007

Obs. ouçam a música no alto, à direita, 'Música de fundo', pressionem com o mouse.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

GITANO


Foto by Fernando Campanella

amores ciganos
são belas violas
oco de dentro
em canto por fora

asas que arrastam
são aves rompantes

beijos que explodem
e viram abóbora

luas em transe
vagas do mar
jades que chamam

areias que cedem
sereia de tranças
onde vou me enredar


febre do mato
amor vagalume

vinhos que encorpam
em porres baratos

perfumes prescritos

fome de romãs
nos entreatos

Fernando Campanella , 2007
Obs: Se quiserem, podem ouvir música com as postagens: na página inicial, acima, à direita, no 'Música de fundo', pressionem com o mouse.
Decidi por fundo musical opcional.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

BAGAGEIRO


Foto by Fernando Campanella

Esta imagem foi obtida em algum lugar de Minas.

A família provavelmente viera às compras na pequena cidade. Todos concordaram festivamente em aparecer na foto, exceto a mãe. Insisti com a mulher pois seria elemento imprescindível no quadro que eu queria compor. Não consegui demovê-la da recusa. Então respeitei sua decisão.

Minas,como a mãe, e nós próprios, somos mesmo assim, temos sempre uma parte que não se mostra.

Meus agradecimentos aos integrantes da imagem, à família, à mãe faltante, porém ainda presente, ao animal, tão útil, com o bagageiro.

Minas saiu bem na foto, acredito.

Fernando Campanella
(Veja mais sobre 'Bagageiro' na postagem anterior, abaixo.)

VIAS ERRANTES


Foto by Fernando Campanella*
(Meu agradecimento a este senhor que gentilmente
permitiu ser retratado)



Foto by Fernando Campanella*

"As raposas têm as tocas e as aves dos céus, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça." ( Mateus, 8,20)

Tarde de maio
eu sou o que vaga
espírito que viaja
casa de vento
abrigo de nada.

Sou o que noite deserda
e em palhas de sombras
ainda anseia seu ninho.

Trilho o futuro -
meu ser é radiotelescópio -
mas por estas vias errantes
sempre a mim mesmo retorno.

De luz a sede intransponível
nada do que toco me veste.

Só meu caminho é arrimo -
a cria do homem
tem a ilusão do destino.

Fernando Campanella, 1991


Foto by Fernando Campanella*

"...quer ir para Minas, / Minas não há mais. / José, e agora?"

(Carlos Drummond de Andrade)

Há alguns dias, em uma pequena cidade aqui da região, ouvi a palavra 'bagageiro' e foi como se um sino longínquo houvesse soado em mim.

Usamos habitualmente o termo carroça para designar esse veículo ( foto acima ); 'bagageiro' é semântica de minha infância, traz a sépia das fotografias de meus avós, do retrato de Minas guardado nas volutas da memória.

Como esse e tantos outros vocábulos em desuso, visto que não se usa mais esse tipo de veículo para transportar pessoas na cidade, minha Minas se foi, e ainda há, híbrida de infinitos tentátulos a me seduzir com as montanhas, o passado, as estradas, as gentes com seus palavreares e sotaques... e com sua modernidade meio encabulada, dizendo que pode ser o futuro, sem deixar de ser o que é, o que foi. E com toda sua timidez e modéstia, consegue ainda fazer um belo 'marketing' de si própria quando diz que é abissal, que é estado de espírito.

Houve, há, e sempre haverá Minas se quem a viveu trouxer seus babageiros, suas bodegas, suas avenidas de pastos e 'ruminâncias' à memoria. A uma certa casa da memória, parte do acervo universal - também de outros lugares, de coutras culturas - aonde o filho do homem retorna, e consegue reclinar a cabeça.

Fernando Campanella, 21.01.2010

* As três fotos da postagem são imagens de Carneiros, um povoado a uns cinco, seis km da rodovia Fernão Dias. Visitamos o local em um dia chuvoso e foi como se entrássemos em um outro universo. Ali, a Minas dos bagageiros, dos sinos, da infância, ainda teima em haver, com sua dureza e sua ternura.


































domingo, 17 de janeiro de 2010

JOGO


Mar de Fernando Noronha
Foto by Fernando Campanella

Há os que buscam continentes,
eu fico,
é menos sólida
a terra de que me sustento.
( Ah, a densidade dos anjos,
os imprecisos firmamentos! )

Há os que apostam em veleiros
e desafiam os ventos,
eu passo.

Eu do mar abro os búzios,
meu lance
é a configuração do silêncio.

Fernando Campanella, 2006.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

CONFESSIONAL


Foto by Fernando Campanella


A quantas anda minha poética neste fim de tarde de domingo, no secreto limo deste ar molhado? Penso em famílias recolhidas, sinto o tempo instilando as horas... Eu não queria ser este ninho sem pássaro.

Desterro a memória de tudo que jaz em mim em mim, e me calo, dói-me saber que algum descuido, um sortilégio já inalcançável talvez tenham me feito assim.

São tantas as saídas, tenta-me a roda do mundo : buscar um ópio, abrir o mágico, ouvir os sapos... Tecer a exaustiva inutilidade dos versos. Mas nada hoje me conforma, meu lirismo não sacia os recônditos lábios.

Há neste final de tarde prenúncios de um túnel de longa noite onde me deserte , um niilismo em sutil camuflagem. Um ainda aguardar (vaidade suprema) de meus úmidos, teimosos versos a eternidade.

Fernando Campanella, 1986

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

SÃO LUÍS DO PIRAITINGA


Foto by Antonio Carlos Januário

A igreja Matriz de São Luís de Tolosa ( foto), segundo o site 'Cidades Históricas' http://www.cidadeshistoricas.art.br/paraitinga/par_mon_p.php foi construída no século XIX em São Luís do Piraitinga, estado de São Paulo. Com uma arquitetura mesclada de elementos dos estilos barroco e neo-clássico, tem em seu interior inúmeros afrescos e vitrais. Sua nave principal conserva muito do melhor do magistral estilo barroco.

Há alguns anos, na segunda quinzena de dezembro, estive nessa maravilhosa igreja onde assisti a uma apresentação especial de natal com orquestra e coral da cidade de São Paulo. A atmosfera do local, tão similar a Ouro Preto e congêneres, é algo que está gravado em minha mais grata lembrança.

Àquela época eu não tinha interesse por fotografia, perdi a oportunidade assim de registrar esse tesouro arquitetônico que preservava nossa história: São Luís do Piraitinga, como se sabe, teve oitenta por cento de seu centro histórico destruído pelas chuvas deste final/início de ano. E dois dos dos acontecimentos mais chocantes dessa tragédia foram os desabamentos, de sua igreja matriz , captado por um cinegrafista amador, e de sua Capela de Nossa Senhora das Mercês.

Há exatamente dois anos, no início de janeiro, meu amigo Antonio Carlos esteve na cidade e me enviou a belíssima foto, postada acima, onde se vê a igreja matriz mais ao centro. Fica aqui minha homenagem, minha solidariedade, aos habitantes desse lugar tão caro à minha memória. Sinto, então, como se eu próprio houvesse colhido essa imagem da foto, pois o amor a São Luís do Piraitinga, ao seu povo, à sua herança arquitetônica, tem tamanhos iguais em mim e em meu amigo. E em nós, Minas, com um passado comum com São Paulo e Rio de Janeiro pela longa e sinuosa Estrada Real e pelo Ciclo Cafeeiro que nos unem.

Aos Piraitinguenses ( acredito serem assim chamados os habitantes da cidade), ficam meus votos de recuperação de seus lares, e, se possível, de suas igrejas, visto que o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico ( Condephaat) de São Paulo conserva as plantas originais das mesmas.

Fernando Campanella

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

IMPRESSIONISTA*


Foto by Fernando Campanella

...eu furto cores,
clico roxos que se miram
em espelhos que me expandem

bebo a luz, traço a alma,
eu sou o impressionista ambulante

então nem me perguntes
por quais cambiantes geografias me espalho:
meus olhos são câmeras mimadas
meus pincéis são artífices do instante.

Fernando Campanella, trecho do poema Ninfeias.

*Este poema foi escrito em março de 2007, antes de qualquer interesse meu por fotografia. A imagem das flores no vaso foi conseguida de um jardim, na manhã de 5.01.2010.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

BÁLSAMO


Foto by Fernando Campanella

O amor é triste – proclamam minhas viúvas.
Mas diz o filósofo: a alegria corteja
a mais profunda eternidade.

Todas vertentes consideradas
abandono o vale
onde as sombras compõem a enormidade.

Os grilos agora tilintam, e a luz da lua
impregna as árvores de um bálsamo –
meu amor, se possível, me aguarda,
retorno a ti, clara a trilha
que agora a meus olhos se abre.

Fernando Campanella


BALM
Love is sad –
Would my widows proclaim.
But said the philosopher:
Joy courts deepest eternity.

All things considered, I leave the valley
Where shadows rise domain.

The crickets are tinkling,
The moonlight is embalming the trees-
Wait , shall you, my love,
I can now see the trail,
I am returning to thee.
Fernando Campanella



sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

MIL-CORES


Mil-cores
Foto by Fernando Campanella

esta luz
que entra em meu quarto
resvala nas sombras

me distende os neurônios
apazigua meus mortos

toca o eterno
na cela da hora

afaga as mil cores
e faz de minha alma
uma casa feliz

Fernando Campanella, 2006