quinta-feira, 30 de junho de 2011

DA POESIA, SÚMULAS


Foto do blog 'Pro Parnaíba sua revista eletrônica

No que se refere à autencidade da poesia, seria difícil tentar uma súmula do que se tem entendido, através dos tempos, por poesia genuína. (Péricles Eugênio da Silva Ramos, O Amador de Poemas, p.24)


I


Tão real em sua idealidade,

não é de facto, nem de prosa.


II


Vem de longes, sem anúncio ou alarde -

de quando era a cor da pele a palavra.


III


Abro-lhe a janela, que se hospede

mas que arrume novamente o quarto.


IV


Bate-me com os pés seu ritmo,

faz-me dançar qual índio, imberbe.


V


Vive a me lembrar seus cânones,

intemporal, nem se importa

com que os ventos mudem

e que com eles girem as palavras.


VI


Fica o tempo que determina,

que lhe agrada.


VII


Quando parte, sem aviso de volta,

deixa-me crepúsculos

que em surdina reescrevo alvoradas.


Fernando Campanella

quarta-feira, 22 de junho de 2011

ESBOÇO


Foto por Fernando Campanella

Antes, somos sedas a esmo,
projetos-libélula, bichos voláteis.
Antes é o esboço, o mais raso ensaio.
O amor chega no remanso dos ventos,
na ressaca dos atos.
O amor vinga mais tarde.

Fernando Campanella, 1986

domingo, 12 de junho de 2011

RESPONSO*


Foto por Fernando Campanella

Santo Antônio do Itaim é uma região rural do município de Pouso Alegre, sul de Minas Gerais, cujo nome inspirou-me este responso (abaixo) de alguma alma que habita o imaginário, a ancestralidade da qual estamos embuídos, de que somos herdeiros, devotos ou não.

Santo Antônio do Itaim,
intercessor das tentações,
agradeço, meu bom santo,
pelas bênçãos que recebi
mas meu vestido de noiva
já não me encanta, não me veste,
foi se encolhendo ao tempo,
juntando nódoas e traças
das núpcias que desfiz.

Nove vezes nove terças-feiras
vi crescerem e minguarem
as luas, os brotos de meu capim,
agora, descasada do mundo,
recolho cacos, fiapos
de minha vidinha sem fim.

Faz com que eu me cubra de estrelas
da imensidão de teu céu
nas águas de onde saí.

De mim, só a velha carroça,
sem mais canarim pra tratar
e ainda devota de ti,
mais uma vez,
agora teu nome em meus seios,
vou acender sete velas,
sete rosas vermelhas ofertar.

(Se ainda solteiro, meu santo,
meu homem, concede-me a graça,
a bênção das bênçãos,
de contigo pro altar me levar).

Fernando Campanella

*Responso: oração a Santo Antonio para que se achem coisas perdidas ou não aconteça mal que se receia.


segunda-feira, 6 de junho de 2011

A LOUCA DA CASA


Foto por Fernando Campanella



...Era um sonho... E nele vozes antigas, versando em língua que por arte própria dos sonhos eu entendia, em grave encantamento assim diziam:

'Eis o teu sol da meia-noite,
eis a luz transfigurada.
Benditos os que vivem em bons termos
com o hóspede imaginário,
com a 'louca da casa'.

Fernando Campanella


Foto por Fernando Campanella