sábado, 6 de outubro de 2012

MEMÓRIA EM MADEIRA

Foto por Fernando Campanella*

Sempre que ia à  casa de uma tia, eu observava aquela pintura de paisagem em madeira, de formato oval, na parede da sala. Era uma peça que pertencera à minha bisavó, pois me lembro dela desde minha infância. 

Com olhos de uma certa pretensão estética, eu criticava aquela obra, classificando-a como artisticamente pobre, primária, acadêmica. Mas no fundo, no secreto inconfessável, eu me permitia gostar daquela simplicidade, e até a achava bonita.  

Minha tia, aquele lar, aquela pintura na sala, assim como tantas outras cenas e afetos de minha vida, passaram, são ecos da memória.  

No mundo da criação artística, onde tantos são chamados e pouquíssimos os reconhecidos, o autor daquela singela peça de madeira não chegou às alturas, à genialidade de um Van gogh, de um Picasso... E talvez nem se preocupasse com isso. Em alguns momentos de sua trajetória no mundo, grafou a beleza de uma paisagem, com tinta, na madeira.   Passou, também, incógnito, como aves e rios, mas revelou-se inteiro no que plasmou. E me faz sentir que a necessidade da arte, em toda e qualquer manifestação, consegue ser ainda mais tocante que a própria arte.

E lembrando Drummond, essa existência nossa, entremeada de estresses e afetos, assim como Minas, vai se tornando um esmaecido retrato da memória, como aquela pintura.  E se dói, que também enterneça. 

Fernando Campanella

* A imagem, postada acima, não é foto de um pintura, mas  de uma paisagem real, na área rural de São José do Alegre, município perto de minha cidade.