domingo, 15 de março de 2009

DOIS POEMAS DE CESARE PAVESE


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No caderno Cultura do Estado de São Paulo deste domingo, um artigo sobre o escritor italiano Cesare Pavese (1908-1950), em vista do lançamento, na semana passada, de sua obra 'Trabalhar Cansa', em edição bilingue, tradução de Maurício Santana Dias, pelas editoras, em conjunto, Cosac Naify e Letras.

Na reportagem, a escritora Natalia Ginzburg (1916-1991), uma das amigas próximas do poeta, em um trecho de seu artigo 'Retrato de um Amigo, (Revista Ficções, editora 7Letras, Junho de 2000) comenta sobre seu suicídio, em um quarto de hotel em Turim:

"... Morreu no verão...Nenhum de nós estava lá. Escolheu para morrer um dia qualqer daquele tórrido agosto, e escolheu um quarto de hotel próximo à estação, querendo morrer na cidade que lhe pertencia, como um forasteiro. Havia imaginado sua morte numa poesia antiga, de muitos e muitos anos atrás:

Não será necessário abandonar a cama.
Só a aurora entrará no quarto vazio.
Bastará a janela para vestir cada coisa
De uma claridade tranquila, quase uma luz.
Pousará uma sombra escarna no rosto supino.
As lembranças serão coágulos de sombra
Tão escondidas como antigas brasas
Na lareira. A lembrança será a chama
Que ainda ontem consumia os olhos apagados."


Outro poema de Cesare Pavese:

MANIA DE SOLIDÃO


Como um jantar frugal junto à clara janela,
Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu.
Se saísse, as ruas tranquilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo;
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.
Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na ancha planura. As estrelas são vivas,
mas não valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tectos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos.
Um grande golo e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel.
Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita impassível: um cicio de silêncio.
Cada coisa na escuridão posso sabê-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.
A planura é água que escorre entre a erva,
um jantar de todas as coisas. Cada planta e cada pedra
vivem imóveis. Escuto os alimentos e eles alimentam-me as veias
com todas as coisas que vivem nesta planura.
A noite importa pouco. O rectângulo de céu
sussurra-me todos os fragores e uma estrela miúda
debate-se no vazio, longe dos alimentos,
das casas, distinta. Não se basta a si mesma
e precisa de muitas companheiras. Aqui no escuro, sozinho,
o meu corpo está tranquilo e sente-se soberano.

(Cesare Pavese, in 'Trabalhar Cansa' Tradução de Carlos Leite)