quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

DIÁLOGO


Foto by Fernando Campanella

Abaixo, uma montagem que fiz com alguns poemas meus e os comentários de meu amigo Brandão, (http://poesiacronica.blogspot.com/ ) aos mesmos.
Um diálogo com um tema tão gasto/tão novo como um ano que finda e outro que inicia.

Os segundos, as horas, os anos,
lá se vai mais um dia
do tempo que inventamos....

(Fernando Campanella)

Criamos o tempo, que nos destrói, mas a beleza nos salva. A beleza é de tal forma essencial que a forma mais sublime de Santo Agostinho referir-se a Deus foi na apóstrofe: "Ó Beleza antiga e sempre nova!"

(José Carlos Mendes Brandão)

por que moer
a mesma pedra?

por que a mesma esfera
sobre ossos
ad nauseam a girar?

nada mesmo de novo
sob o sol parece haver -
salvo um olhar

(Fernando Campanella)

Nada de novo - nem o sol, nem a pedra. Conservemos o olhar virgem, olhemos para as coisas como se as víssemos pela primeira vez, o que é bem Alberto Caeiro, mas sempre vale. Tudo já foi dito, não há nehuma ideia nova. Somente o olhar é novo. Eu disse em mais de um poema algo como: "Vazei os meus olhos / para ver."

(José Carlos Mendes Brandão)

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

AO QUE FINDA, AO QUE INICIA


Foto by Fernando Campanella

Um brinde
à santa paciência dos homens de boa vontade, à inclusão do amor, ao coração breve, à equanimidade, à noite escura que pressente a madrugada, ao Espírito que nos aquece, ao alívio da dor, aos amigos, aos que nos cercam – e um perdão aos que nos ferem , aos que nos esquecem...

Bebamos à saúde
de Bagdá, Telavive, Palestina e Nova Iorque, das Áfricas de sul a norte, da Europa, Ásia e Islândia, dos Lamas, do cordeiro de Deus, do papa, das madrassas, dos avatares, dos babalorixás, da boa política de todos os credos, das Américas de toda sorte, do continente australiano, das ilhas, dos oceanos, dos pingüins da Antártida, dos ursos do Pólo Norte...

Uma saudação
aos judeus, cristãos e mulçumanos, aos mouros, hindus e budistas, aos celtas, índios , beduínos, esquimós, pigmeus, ( aos eventuais alieníginas), aos místicos, aos peregrinos, aos românticos, aos ateus, aos poetas errantes, aos bem resolvidos e aos que sofrem – os do mundo excluídos, os encarcerados, os terminais e delirantes - ao velho e à criança, aos grandes e pequeninos...

Loas
aos pássaros de toda plumagem e canto, aos insetos, répteis e sapos, à dança da chuva, à alquimia do sol, às folhagens, ao pólen, aos cristais de quartzo, aos riachos, à lua, aos céus, ao solo, aos planetas, aos meteoritos e pirilampos, aos buracos negros e às intransponíveis galáxias – e à arte maior que a tudo abraça e que de tudo se encanta...

Uma libação
aos vivos e aos mortos, ao ano que se desmancha, e ao que principia, à Terra, à nossa espoliada casa, ao dia-após-dia, à boa palavras, à nossa jornada, à luz da ciência, ao protocolo de Kioto, a Você, a Mim, à nossa imensa família, aos vários sexos e raças, às nossas diferenças e igualdade, à utopia, a um novo milênio , à esperança de um novo mundo com mais LUZ e TOLERÂNCIA, a um DEUS, enfim, maior à nossa própria imagem, às cores, à boa palavra, ao arco da nova aliança.

( Fernando Campanella, 31 de Dezembro de 2006)

UM FELIZ ANO NOVO A TODOS OS AMIGOS .

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

IMAGEM DO DIA, E CAEIRO


Foto by Fernando Campanella

...E a criança tão humana que é divina
é esta minha quotidiana vida de poeta,
e é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta
sempre,
e que o meu mínimo olhar
me enche de sensação,
e o mais pequeno som,
seja do que for,
parece falar comigo...

(Alberto Caeiro, 'O Guardador de Rebanhos', poeta VIII.
Heterônimo de Fernando Pessoa)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

FELIZ NATAL


Foto by
Fernando Campanella

...Aqui também bate o sineiro
um sino doce, pequenino
e da branca torre, no natal,
todo ano como num encanto
desce do Deus menino
um soprinho.

(Fernando Campanella,
Versos finais do poema 'Sinos'
Dezembro de 2007)

Abaixo, quatro das canções de natal que muito me comovem. Algumas delas são voltadas ao silêncio da contemplação do mais belo mistério revelado miticamente aos homens. Outras expressam a alegria das duas vertentes humanas que se tocam nesta data: o sacro e o profano.

A todos os amigos que por aqui passam, meus votos de um sereno, feliz natal.







"Adeste fideles,
laeti triumphantes,
Venite, venite in Bethlehem!

Natum videte,
Regem angelorum
Venite adoremus"


( Venham fiéis
alegres e triunfantes
venham todos a Belém.

Venham e o contemplem,
Venham, adoremos
o deus dos anjos nascido)



quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

OS RIOS DE NOSSAS ALDEIAS


Rio Mandu, de Pouso Alegre, MG
Foto by Fernando Campanella


Quando mostrei a foto acima a um conhecido, ouvi algo como: 'Quem diria, não dá para reconhecer nosso velho, poluído, mal-cheiroso Mandu.'

O comentário me deixou feliz, por um lado, pois nele estava implícito um certo elogio à imagem do meu rio que eu registrara. Por outro, é triste constatar como nos distanciamos de coisas 'banais' como a natureza, dando as costas para suas manifestações que, para dizer o mínimo, nos viram nascer, e nos sobrevivem.

Às vezes, experimento, também, a estranha sensação de ser um Quixote, um romântico, anacrônico, vendo coisas que não existem, em fotos que crio, as quais parecem não corresponder à crua realidade dos fatos.

O rio em questão, por exemplo, já perdeu quase toda sua mata ciliar, é depósito de esgoto ( uma ' cloaca a céu aberto') e vem sofrendo acúmulo de entulhos e início de favelização às suas margens. Não faço vista grossa a essa realidade, jamais. E tudo isso, proveniente da inconsciência e do descaso, ainda mais me entristece. Mas insisto em buscar a beleza, anacrônico ou não, esteja ela onde estiver, ou onde meus olhos a virem, um projeto de alma.

Em um tempo de alarme ecológico, da babel de conferências do clima, e ainda com referência ao rio de minha, e de todas as aldeias, deixo aqui um pensamento, uma límpida frase, que muito me tocou nesta semana: 'A várzea pertence ao rio', da geógrafa, professora da USP, Odette Seabra.

As várzeas pertencem aos rios, os glaciares aos polos, as fragatas ao mar... Teremos que rever nosso insensato processo de urbanização, nossa relação com o ambiente, se buscamos a sobrevivência de nossa espécie. E artistas, afinal, à frente dos ecologistas, há muito vêm expressando isso na beleza 'ínútil' de sua arte.

Fernando Campanella




terça-feira, 15 de dezembro de 2009

VITRAIS


Foto by Fernando Campanella

(Eis o teu sol da meia noite
eis a luz transfigurada,
benditos os que vivem em bom termos
com o hóspede imaginário,
com a 'louca da casa'.)

(Fernando Campanella,
Versos finais da crônica 'O Sol da Meia Noite'.)

STAINGLASS WINDOWS

Why do I write?
Why do I sometimes
into my hands clasp the light
only to spread it,
a thousand gasping wings
probing the sideless skies -

and the universe
suddenly dresses bright
and a stainglass window
in a chapel then reflects
my heart…

Fernando Campanella

VITRAIS

Por que escrevo?
Por que em minhas mãos
às vezes a luz retenho
apenas para estendê-la -
mil asas ofegantes
sondando os céus
sem beirais –

e de repente o universo
se faz luzente
e uma capela
reflete então
meu coração
em seus vitrais...

Fernando Campanella

sábado, 12 de dezembro de 2009

ESTRELA DA NATIVIDADE


Pintura de 1925, feita por um pintor italiano na capela Santa Dorotéia
em Pouso Alegre, Minas Gerais.
Foto by Fernando Campanella

Um poema de natal , ESTRELA DA NATIVIDADE,
de Joseph Brodsky:

Numa estação invernal, em um lugar mais afeito ao calor
que ao frio, mais a planuras que a montanhas,
para salvar o mundo, em uma gruta nasceu um menino.
Nevava como só acontece em desertos no frio, em toda parte.

Ao infante tudo enorme parecia: o seio da mãe, o vapor
das narinas dos bois, o grupo dos magos - Melchior,
Gaspar e Baltazar - e suas prendas à entrada da gruta deixadas.
Ele era apenas um ponto, assim como o era a estrela.

Atenta, sem pestanejar, por entre pálidas nuvens esparsas, de longe
- das profundezas do universo, de seu extremo oposto -
sobre o menino na manjedoura, ao interior do presépio mirava
aquela estrela. E era do Pai aquele olhar.

Joseph Brodsky, poema escrito em 1987.

(Tradução de Fernando Campanella)


Do original, em inglês:

STAR OF THE NATIVITY

In the cold season, in a locality accustomed to heat more than
to cold, to horizontality more than to a mountain,
a child was born in a cave in order to save the world;
it blew as only in deserts in winter it blows, athwart.

To Him, all things seemed enormous: His mothers breast, the steam
out of the ox’s nostrils, Caspar, Balthazar, Melchior – the team
of Magi, their presents heaped by the door, ajar.
He was but a dot, and a dot was the star.

Keenly, without blinking, through pallid, stray
clouds, upon the child in the manger, from far away -
from the depth of the universe, from the opposite end - the star
was looking into the cave. And that was the Father’s stare.

(Joseph Brodsky)

Em espanhol:

ESTRELLA DE NAVIDAD

En estación helada y en un lugar más hecho al calor
que al frío, más a la superficie llana que al alcor,
en una cueva ha nacido un niño para salvar el mundo;
nevaba como sólo lo hace en el desierto en invierno crudo.

Al niño todo se le antojaba enorme: el pecho de la madre, el vapor
de las narices de los bueyes, los reyes magos, Melchor,
Gaspar y Baltasar, y los regalos acarreados a la cueva.
Él no era más que un punto. También lo era la estrella.

Atenta, sin parpadeo, por entre leves nubes, desde lejos,
de la profundidad del Universo, desde su extremo opuesto,
sobre el niño acostado en el pesebre, hacia la cueva miraba
aquella estrella. Y era del Padre la mirada.

(Joseph Brodsky)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella


Dezembro acende as luzes
em ricos pinheiros de natal.

Fernando Campanella

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

NOTURNO

Foto by Fernando Campanella

Gosto de ver-te assim,
noturno segredo,
à luz, quase um brinquedo,
projetado de mim.

Fernando Campanella

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A UM CÃO


Foto by Fernando Campanella

Dorme,
a vida é um sono,
sou tua poesia,
és o meu dono.

Fernando Campanella

sábado, 5 de dezembro de 2009

ANTIQUALHA


Rádio Philips, modelo B5R76-A, 1959



Vejo em um museu alguns modelos bem antigos de rádio, simpáticos dinossauros já descartados pela evolução da espécie. Não sei se ainda tocam, ou, se o fazem, algum ouvido os ouve.

Mas aqueles aparelhos, ali em exibição, alimentaram sonhos e sonhos lares adentro. Pelos anos de fabricação, 1939, 41, etc. foram ouvidos em plena era do rádio, iniciada oficialmente no Brasil em 1936, com a inauguração da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Todo o país se distraía, se informava, através deles, com as novelas, as notícias & amenidades do mundo, e os famosos cantores e cantoras do rádio.

Minha infância e adolescência foram vividas em outros tempos, já com a febre da TV : a era da imagem. Mas o som de rádios e eletrolas ainda exerceu seu poder de encantamento sobre mim.

Acompanhei , pelo rádio, várias ondas musicais como o rock, a jovem-guarda, concomitantes aos grandes temas musicais da era de ouro do cinema romântico americano. Dancei ao som dos 'Ritmos de boate', programa do saudoso DJ e radialista Big Boy, pela rádio Mundial. Sem me esquecer da febre italiana e francesa com canções que ocupavam os primeiros lugares nas paradas dos programas de domingo. Tudo coroado pela grande explosão dos Beatles.

Todo aquele fascínio eu vivi, através de antiqualhas como aquelas, antigos rádios que ainda tocavam. Em especial por um Philips, modelo B5R76-A de 1959, onde eu sintonizava a BBC de Londres e os programas das rádios MEC e Cultura que me iniciaram nos clássicos da música.

Através dele tive meus primeiros contatos com obras luminares como a “Paixão segundo São Mateus” , de Bach, a “Pastoral” de Beethoven. Suas ondas calmas trouxeram-me a beleza do canto gregoriano em um programa apresentado pelo monge-poeta Dom Marcos Barbosa, cujos versos vez ou outra eu ouvia:

“Vós, que amais a natureza,é preciso vir para vê-la,recém-brotada das águas,como no céu uma estrela!...”( A flor no tanque, Dom Marcos Barbosa)

Eras tão rápidas, fugidias. Nem gosto de pensar que em dinossauro talvez esteja eu próprio me tornando, tão antigo em minhas memórias. Mas, se, diferente daqueles modelos de rádio do museu, ainda toco essas lembranças, quem as ouviria?

Preservem os pré-históricos o seu encanto. E Deus me resgate de todo saudosismo e nostalgia. Bem-vinda a era da informática que tudo integra, que possibilita toda música, inclusive a erudita, e toda notícia , pela internet.

Porém , algo me chama a render uma justa homenagem a tudo que me fez bem, que contribuiu para o melhor do que sou.

Aquele rádio, meu bom, velho Philips, ainda toca... E eu, agradecido , o ouço.

(Fernando Campanella, 03 de outubro de 2008)

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

EFEMÉRIDES (DEZEMBRO)


Foto by Fernando Campanella


Dezembro acende as luzes
em ricos pinheiros de natal.

Mas é naquela árvore
despojada na montanha
ou à beira da estrada
que se agregam bem-te-vis
e tagarelam maritacas.

Mangueira, Santa Bárbara,
Jacarandá -
ao pássaro tanto faz:
folhagens são mimos anônimos.

(Eu insisto em um Deus
que se projeta em tronco
e esparrama os braços
para acolher os seus.)

(Fernando Campanella
Poema da série 'Efemérides')









terça-feira, 1 de dezembro de 2009

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella


Chamam-na, estranhamente, de gengibre azul. Significantes tantas vezes não se casam com os objetos a que se referem. Esta flor mais poderia se chamar buquê lilás, noivinha da quaresma, devaneio do jardim. Ou 'morning beauty' (beleza da manhã).
Que me perdoem os dicionários e a nobre ferrugem do acervo linguístico: fico com os poetas que remexem os signos e rebatizam o mundo.

Fernando Campanella

domingo, 29 de novembro de 2009

CLAIR DE LUNE


Foto by Fernando Campanella


A casa com seus enredos
e hábitos
é um caracol em si mesma
dobrada
tão à luz do sol omissa
vedada
onde a torneira do tempo
respinga os silêncios
de cotidianos fantasmas

abriga a tácita ordem -
medos, trancas e trincados -

mas sob a magia da noite
na poeira deixada
ela se isenta da mecânica do dia
e se sonha um blues
ou um Clair de lune...
e resvala pelo cansaço dos poros
pelos desvãos do telhado.

Fernando Campanella

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

EXÍLIO


Foto by Fernando Campanella


...por que fiz eu dos sonhos
a minha única vida?
(Fernando Pessoa, Cancioneiro)

Meus olhos devem ser faróis
de alguma ilha perdida -
por que faço da imagem
a pátria da minha vida?

Fernando Campanella

domingo, 22 de novembro de 2009

A ARTE DOS OCIOSOS*


Exoesqueleto da cigarra
Foto by Fernando Campanella

(Crônica dedicada ao meu caríssimo amigo poeta José Carlos Brandão)

Tão antiga a lenda da cigarra e a formiga, traduzida e recontada mundo afora... E eu nunca vi uma cigarra ao vivo. Só escutava seu canto tão denotativo do verão.

Das onipresentes formigas, eu sei: na pia da cozinha, nos rodapés, nas árvores, em toda terra, atarefadíssimas, sem pausas para a fruição pura e simples da existência.

Nunca vi uma cigarra ao vivo, ou melhor, hoje quase as vi. Imóveis nas árvores, inúmeras, com seus ferrões como estiletes, semelhantes a escaravelhos de ouro. Ocas, secas... e mortas, seus esqueletos dourados nos troncos.

Em meu desconhecimento desses bichos, um tanto apavorantes à primeira vista, imaginei-as tendo morrido, ali, subindo os troncos, devoradas pelas incansáveis formigas, só lhes restando a carcaça. Haviam morrido de tanto cantar, imaginei. Mas fui às enciclopédias descobrir sobre o mecanismo e processo vitais desses mitológicos insetos.

Ah, então as cigarras põem seus ovos em troncos de árvores, os quais eclodem em ninfas que descem ao subsolo, ali vivendo, na escuridão , por anos e anos. Depois, ainda ninfas, retornam ao ar, subindo pelas árvores . Desfazem-se dos exoesqueletos, tornando -se adultas, em um processo denominado ‘ecdise’, ou ‘muda’.

As cigarras que observei nos troncos haviam me enganado. Não estavam mortas, nem secas. O que eu presenciara foram suas ‘casacas’, seus invólucros dourados. Lá em cima, nos galhos, as espertinhas cantavam, ou melhor, estridulavam , os machos, para atrair as fêmeas.

Melhor ter como respaldo a conhecimento científico, que lança certa luz sobre os mistérios e ciclos vitais da natureza. E é a ciência que, a meu ver, mais enobrece as cigarras. Seres que das masmorras, da escuridão de anos, anseiam pela luz, sofrem metamorfoses, e, na fase final de breves dias, cantam para a glória do amor. Verdade que um canto irritante, a longo prazo, proveniente de seus tímbalos com potentes decibéis.

É fato, também, que, contradizendo o fabulário, esses insetos, na longa fase de ninfas, buscam incansavelmente por raízes para sua subsistência, jamais recorrendo a outros insetos para alimentação.

As formigas, movidas por um inerente mecanismo biológico trabalham, trabalham... Transportam das cigarras as carcaças, porém nem sequer lhes emulam o canto, passam longe de sua magia, de sua graça.

(Fernando Campanella, 14 de novembro de 2008)

Observação: Vejam um complemento a esta crônica em duas postagens anteriores a esta.

*'A arte dos ociosos' é um título de um livro de crônicas de Hermann Hesse.

*Um ano após escrever esta crônica, tive a feliz oportunidade de presenciar e fotografar uma cigarra deixando seu exoesqueleto, ou invólucro, e, em seguida, subir o tronco da árvore, para o acasalamento.

REFABULANDO


Cigarra que já deixou o exoesqueleto e agora sobe
à copa da árvore.
Foto by Fernando Campanella

Estas cigarras toantes
flutuam na sã inconsciência
de um sono.

Estas belezas -
não as perturbes, não as toques -
crepitam em líquidas texturas
de sonho.

Mas se buscares que despertem
afina os ouvidos, achega-te,
imperceptível, leve, e mais leve
e como elas, enquanto verão,
arde então, e canta.

Fernando Campanella

LABORIOSAS


Foto by Fernando Campanella


... onipresentes: na pia da cozinha, nos rodapés, nas árvores, na terra toda, atarefadíssimas, sem pausas para a fruição pura e simples da existência...
Fernando Campanella

sábado, 21 de novembro de 2009

REVELAÇÕES



Recebi da amiga ANA TAPADAS o desafio de completar estas cinco frases:

Eu já....
Eu nunca....
Eu sei...
Eu quero...
Eu sonho...

Estas são minhas respostas:
-
EU JÁ... CHOREI, E MUITO.
- EU NUNCA... ESTIVE NA IRLANDA, MAS GOSTARIA MUITO DE CONHECER ESSE PAÍS.
- EU SEI... QUE HÁ ALGO ALÉM DA EXISTÊNCIA, MAS É UM SABER INTUITIVO, POR ASSIM DIZER.
- EU QUERO...SER LEVE, TRANQUILO, FELIZ.
- EU SONHO... COM UM MUNDO ONDE HAJA COOPERAÇÃO, ONDE TODOS TRABALHEM POR UM, E UM POR TODOS.

As regras são designar cinco blogs, que devem indicar de quem receberam o convite.

São eles:
JOSÉ CARLOS BRANDÃO - www.poesiacronica.blogspot.com

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

MANTIQUEIRA MOUNTAINS


Foto by Fernando Campanella


Do alto destes montes, posso sentir a terra mais quieta, as cidades sem ruídos, as árvores desenhadas em antigas porcelanas chinesas lá embaixo. Destes cumes necessito para abstrair certa leveza da vida, uma energia menos carregada do humano.

Aqui, o silêncio é interrompido apenas pela canção interna do vento, ou por um pio rarefeito de um pássaro, sua mística atravessando o ar.

O mundo visto daqui é uma aquarela cambiando cores ao longo do dia. Ao longe, às vezes, alguma tempestade se encorpa, confunde céus e terra, e passa.

Quando desço destes refúgios, novamente sinto o arsenal das cores carregadas de nossos conflitos. Paciência, não trago ainda a vibração dos santos.

Bênção minha que no silêncio de minhas nascentes me inspiro, que em seus úmidos arcos de cores sobre os montes vez em quando me refrato.

Fernando Campanella

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella


... ali onde tantos se afogam
eu escrevo nas águas...

Fernando Campanella

terça-feira, 17 de novembro de 2009

EM UM JARDIM (TRÊS POEMAS E UM FRAGMENTO)


Foto by Fernando Campanella

... os grilos agora tilintam
e a luz da lua
impregna as árvores de um bálsamo...
(Fragmento de um poema by Fernando Campanella)

I
- solitário cri de um grilo
que acasala outros cris
e crispa de amorosa eternidade
a sonolência úmida do jardim -

II
Dança comigo, dama da noite,
inebria-me do sono do mato
ali conspiro com os trevos
à boca miúda
ali a estridência dos grilos
eu acato.

III
Insetozinho mudo
que passas por minha janela
vê, agora não me escapas:
a mesma luz que nos aproxima
em certo ângulo nos fecha.
Abre o jogo, meu amigo,
também não te perguntas
por que Deus se finge em acaso
por que tudo se veste de nada?

Fernando Campanella

domingo, 15 de novembro de 2009

CAIXA-PRETA ( TUDO ESTÁ DITO)



Obras de poesia Concreta e Neoconcreta:
'Caixa-preta', 1975 e 'Tudo está dito',1974,
por Augusto de Campos e Julio Plaza

Tudo está dito
o dito pelo não dito
tudo ainda está
por se dizer.
(Fernando Campanella)

Sejamos tão somente amigos, minha querida. Evitaremos, assim, a dolorosa espiral de ciúmes, as armadilhas em que nos enfurnamos neste doce labirinto chamado amor.

Eu não mais por ti suspirarei, nem tu por mim. Nem mais estragaremos uma tarde mais-que-perfeita por uma palavra impensada, mal-dita. Não nos enredaremos na desgastante lavagem da roupa suja, na infinita listagem de nossos bravos atos em nome de nosso abnegado e sofrido amor, o saldo sempre posititivo para o próprio lado.

Eu me esquecerei de telefonar, de enviar aquelas flores, tão óbvias e comerciáveis. Viajarás com mais frequência, fruindo mais a vida, sem mim. Dormiremos até mais tarde, em quartos distantes, e prosearemos mais longa e languidamente com nossos outros amigos, sem posterior prestação de contas de onde estivemos , por onde andamos, etc. etc.... Retomaremos o fio rompido de nossa individualidade.

E, sobretudo, seremos mais pacientes , perdoaremo-nos mais sabiamente as omissões e os erros. Abriremos o coração, sem escrúpulos. Amigos até o final de nossos tempos, na alegria e na dor.

Melhor ficarmos assim, então, o que me pouparia até de escrever-te e mails melosos, esdrúxulos como este . Amigos com transparência de alma, como água na luz. Poderíamos abrir sem dedos nossas caixas-pretas, com a mais grata certeza de incondicional compreensão.

Mas assim sendo, suplico-te, somente não me fales de teu novo amor, eu não suportaria detalhes de tua outra alegria.

P.S. Pensando melhor, fica o dito pelo não dito, deixemos nossas caixas-pretas em um mar profundo, lá na fossa das Marianas, ou de Mindanau. E que por lá fiquem, seladas, emudecidas. Ou desapareçam, misteriosamente no triângulo das Bermudas, para todo o sempre.

P.S.II Ah, ia me esquecendo, adoro enviar-te e mails ridículos, dizer-te o já-tão- dito, sempre, amado amor.

Fernando Campanella

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

DESIDERATA


Foto by Fernando Campanella


A poesia, se um dia de mim se for,
que eu não a renegue, nem de meus poemas
eu diga, ‘ah um dia isto tresloucado eu fiz’.

Quando o tempo da mais morna sensatez
ao chão me puxar , como um laivo de razão
a ensombrar os deuses, e as horas
vierem despidas, desfolhados na vastidão ,
que eu não cerre as pálpebras
e mumure, ' consummatum est,
foi tudo desvio e dissipação’.

E se não mais me vibrarem os tímbalos
e de mim restarem tão somente
o silêncio imune e a cinza amorfa,
que de mim eu me lembre
como um acendedor de palavras,

e que eu me leia, na noite,
como se lêem os mosaicos dos sonhos,
os versos, o melhor de meus atos,
a mais sublime, libertária , rendição.

Fernando Campanella, Novembro de 2008

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

LUSÓFONOS*


Laranjas do Alentejo
Foto by Emilio Moitas
http://www.flickr.com/photos/emoitas/page2/

Transcrevo aqui o belo texto que a escritora e professora portuguesa Ana Tapadas escreveu em uma postagem que fez ontem com meus textos 'Capela dos Ossos', e 'Mares nunca d'outrem navegados', em seu blog.

"Publico, hoje, para os meus amigos, um «post» de
Fernando Campanella. Aqui vos deixo a prova viva de que a lusofonia traz num fio da memória a Língua que somos e nos dá um rosto trazido de algures...lá onde nasceram os mitos. Bacia serena de algum mar interno, por onde andámos, velhos persas sem rumo, gregos por ruas de Alexandria quando a cidade vivia um apogeu antigo e rumávamos a Rodes, sabendo que Ítaca estava distante.
Que rumor é este que trazemos na nossa Língua?"

(Ana Tapadas)

Link para o blog da Ana onde está a postagem:


Muito obrigado, minha amiga.


*Lusofonia é o conjunto de identidades culturais existentes em países, regiões, estados ou cidades falantes da língua portuguesa como Angola, Brasil, Cabo Verde, Galiza, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e por diversas pessoas e comunidades em todo o mundo.

Segundo Michaelis:
LUSÓFONO:----1- Diz-se do, ou o indivíduo que fala português. 2 Diz-se do, ou o indivíduo ou povo que, não tendo o português como seu vernáculo, fala-o por cultura ou por adoção como língua franca, tal como acontece em regiões africanas e asiáticas que sofreram influência dos antigos colonos portugueses. Ver: lusófone

Fonte:

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

DA AMIZADE*


Foto by Fernando Campanella


"Não caminhe atrás de mim; eu posso não liderar. Não caminhe na minha frente; eu posso não seguir. Simplesmente caminhe a meu lado e seja meu amigo."
(Albert Camus)

Às vezes eu me quedo em certo alheamento do mundo, em uma espécie de mínima entropia, não com um sentimento de tristeza que às vezes nos torna amargos e fechados ao novo, mas com um recolhimento nostálgico, quase sereno , eu diria .

É quando desengaveto cartões postais antigos ( tenho o hábito de guardá-los) e neles reencontro aquelas palavras mágicas, carinhos de amigos distantes que em algum momento, não importa quão longe estivessem, lembraram-se de mim, e me escreveram. E atingiram meu coração com uma doce seta iluminada .

Tenho agora, em minhas mãos, e na memória mais grata, uma dessas mensagens que numa época talvez mais solitária de minha existência, chegou-me de alguém. Em alguns trechos dizia :

“... o frio é intenso, e a chuva constante atrapalha minhas andanças ... Ontem fiquei um tempão parado na Champs Eliysées, abrigado da chuva. Mas o que poderia se tornar um inconveniente, transformou-se em pura magia com as folhas que caíam em movimentos espiralados, a água nas largas calçadas refletindo as luzes de decoração natalina, o vai-e-vem das pessoas em seus modelões variados numa babel de cores e raças, e me peguei refletindo sobre muitas coisas ..”

e mais adiante:

“...mas quero principalmente agradecer a Deus por tudo o que Ele me proporcionou até agora.... saiba que entre tantos agradecimentos, um dos mais importantes foi por ele ter colocado você na minha vida. Acho que nunca te falei, mas eu te amo!”

Amizade é o elo 'achado' na escala da evolução. Mais que os presentes que eventualmente amigos nos ofertem, um certo olhar que pede pouso em nossas almas é o que de melhor recebemos de quem nos ama.

Sejam do nosso convívio físico, diário, ou os virtuais, sejam almas de poetas nos livros que lemos, ou vozes e imagens queridas dos que já nos deixaram, ou mesmo árvores, bichos, amigos transcendem as horas. São filamentos, extensões de anjos que abraçam a terra de pólo a pólo , e por cujas mediação e presença nossos 'ombros suportam o mundo'.

Fernando Campanella, 04 de janeiro de 2007


*Escrevi o texto na data acima. Quatro dias mais tarde tive a notícia do falecimento do amigo, nele referido, em condições trágicas. Aqui, minha gratidão, saudosa memória.

sábado, 7 de novembro de 2009

POEMAS ANTIGOS (ORÁCULO)


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Sibila de Delfos, by Miguelangelo*

A sibila traçou um dia uma estrela
na palma de minha mão.
Vais longe - dizia-me
quando em meu ouvido
profetizava.
Depois em túneis de brumas densas
desapareceu.

Em seu rastro, promessas de portos -
o prurido do tempo
e a auto-gravitação.

Fernando Campanella, 1989.

1) * Foto: Sibila de Delfos na Capela Sistina. Detalhe do afresco do pintor renascentista Miguelangelo. Rafael, outro pintor do Renascimento, também pintou sibilas na Capela de Chigi , da Igreja romana Santa Maria della Pace.

A iconografia católica renascentista manteve as sibilas gregas pois, por serem dotadas da capacidade de prever o futuro, teriam anunciado a vinda de Cristo.

(Informações obtidas no Wikipedia)

2)Veja o vídeo do youtube 'Cant de la Sibilla - Sibilla Latine':

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

EFEMÉRIDES (NOVEMBRO)


Guapuruvu, foto by Fernando Campanella

Novembro lava a alma
e as flores do guapuruvu
respingam na tarde.
Logo, a lua dá o ar da graça
e entre os galhos da árvore
amorosamente se enrosca.

(Que as estrelas embalem então
a noite, e os pássaros
sonhem abóbodas iluminadas.)


Fernando Campanella

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

MEMORIAL


Foto by Fernando Campanella*


Crucifixo à porta, detalhe da casa.
Foto by Fernando Campanella*


Aqueles túmulos me contam
que meus mortos vivem comigo,
que apenas deixaram seus invólucros

por algum tronco, suas vestes
pela estrada.

Um dia cantaremos também

como as cigarras, na memória.
Fernando Campanella


* Dez anos correram desde que primeiro vi esta casa das fotos, à beira de uma estrada em Heliodora, sul de MG. De sua atmosfera, da visão do crucifixo à sua porta, brotaram apenas, na época, estes versos:

Candeeiro à beira da estrada
Paisagens de neblinas e comas
Cheiram mimos de melissa
Dormem casas sombreadas...

E o poema permaneceu assim, inacabado, por anos. Em 2006 veio o seu arremate:

Candeeiro à beira da estrada
Paisagens de neblinas e comas
Cheiram mimos de melissa
Dormem casas sombreadas
Pupilas noturnas voam.

Coração circuspecto de Minas,
Bate em noite, bate em dia,
Abre uma artéria em mim.

No sábado passado, 31/10/2009, tive a oportunidade de revisitar o local. Com minha câmera à mão, pensei que seria uma excelente oportunidade para completar com um registro fotográfico esse ciclo de minha criação.

Parece haver uma lei tácita que determina aos poetas, assim como aos artistas, em geral, não discorrerem sobre suas obras. Cabe ao leitor encontrar seu caminho no labirinto de um poema, chegando, ou não, a uma luz final. Acredito, porém, que haja alguns segredos concernentes à poiesis ( neste caso o fazer, o criar poético) que, se revelados, acrescem o encanto dos versos que se criam.


Outros segredos permanecem, e, mesmo a quem escreve, talvez nunca sejam descerrados.

Fernando Campanella




sexta-feira, 30 de outubro de 2009

SEGREDO


Foto by Antonio Carlos Januário

Imagino
que saio a pescar a luz na tarde,
meu samburá a tiracolo,
antes que os deuses do dia
atrelem as carruagens
e o sol se incline
no abismo da memória.

Mudo as pedras.

Imagino, então,
Dona Lua,
por puro encanto,
até as franjas do infinito
tecendo um halo
e capturando estrelas
no encalço.

Imagino, imagino,
e deste imaginar me reincorporo,
chispo rudes pérolas:
alucino?

Fernando Campanella, 08 de Junho de 2007

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella


... Como Minas está arraigada em mim! E ainda que sensação de estranhamento e exílio! Meus olhos se regalam de montanhas, copas de árvores, flores do mato e capins. E seguem bandos de garças, recortes brancos itinerantes contra o céu. Despejando seus últimos pingos de ouro nos pastos, o sol realiza a alquimia final do dia. E Minas resiste.

Acodem-me à mente memórias do mundo, de mim. Lembro, vivo lembrando. Mas melhor agora estancar este fluxo perpétuo de imagens, embarcar nesta solidão da quase-noite. A primeira estrela pulsa o olho neutro indecifrável.

Melhor ainda, quem sabe, trazer à alma o consolo universal do Tao:
“...E no entanto, sossega meu coração.Tu vives no seio da mãe do universo.” ...

Trecho de meu escrito 'Junto de Hermann Hesse', de 1994.

FRAGMENTOS*


Foto by Fernando Campanella

I

Haverá uma tarde
em que alguém lerá meus versos
mas neles, distraído, já não me acho.
Não uma tarde como esta
de pretensões confessas
quando tudo que fiz conta
ou não.

Ou não haverá uma tarde
para toda idiossincrasia.

II

Vou tocando meus versos
como conduziam ovelhas
os bem antigos pastores.
Alimento, toso, tranco o estábulo
e deixo uma intenção em fresta
para os olhos do mundo
para a luz-vaidade.
Mas sei que isso ainda não basta.
O sonho é mais vasto
E o infinito de mim
puxa mais embaixo.

III

Quase noite, recolho no armário
minhas ovelhas, meus versos.
Solto os músculos:
não se agüentavam mais
minhas faces.

IV

No armário , em sombra e mofo,
fiquem meus versos.
O dia me arde.

Mas quando durmo
podem sonhar em mim.

V

No jardim do recolhimento
versos são também pássaros
que às vezes vêm bicar
minha solidão povoada.


*Os versos acima são a abertura de uma série de poemas confessionais, intimistas, que intitulei 'O Eu Confesso'.


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

DOIS PÁSSAROS


Foto by Fernando Campanella

Por que faço da imagem
a pátria da minha vida?

(Fernando Campanella)

Dois pássaros voam
sobre o espelho quieto de um lago.

Seria mais visível
o que enxergo, as aves,
com meus olhos,

ou aquelas flautas moventes
que sonho
com os olhos quietos do lago?

Fernando Campanella

18.07.2007

FERNANDO PESSOA, UM POEMA*


Foto by Fernando Campanella


Contemplo o lago mudo
Que uma brisa estremece.
Não sei se penso em tudo
Ou se tudo me esquece.

O lago nada me diz,
Não sinto a brisa mexê-lo
Não sei se sou feliz
Nem se desejo sê-lo.

Trêmulos vincos risonhos
Na água adormecida.
Por que fiz eu dos sonhos
A minha única vida?

(Fernando Pessoa, Cancioneiro)

*'Contemplo o lago mudo/ que uma brisa estremece' - versos que abrem o poema do Pessoa, e também abriram-me a poesia no início da década de setenta. Aqui, uma homenagem, com minha foto. Espero que a memória do Pessoa aprove.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

AO SAL


Foto by Antonio Carlos Januário


"Nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria."
(Pablo Neruda)


Nega-me tua alma
e ao degredo irremediável
me remetes

nega –me tua chama
que tremula no delírio dos deuses,
teu anjo, que ressona no silêncio

dos lagos, tuas asas desdobradas

nega-me, nega-me tua espuma
que regurgita no sonho das aves
(eu sou o teu infante pássaro)
e é sem minhas fontes que me deixas,
sem meu ar extasiado

nega-me teu mar, tua tempestade,
o sonho, a fantasia,
e me deixas a seco ,ao sal amargo
de cada dia.

nega-me teu olhos e já não me enxergo
que a felicidade, embora utopia das sombras,
é também certa luz incidente
que só de teu olhar
meus olhos como cúmplices recebem.

Fernando Campanella