Exoesqueleto da cigarra
Foto by Fernando Campanella
Foto by Fernando Campanella
(Crônica dedicada ao meu caríssimo amigo poeta José Carlos Brandão)
Tão antiga a lenda da cigarra e a formiga, traduzida e recontada mundo afora... E eu nunca vi uma cigarra ao vivo. Só escutava seu canto tão denotativo do verão.
Das onipresentes formigas, eu sei: na pia da cozinha, nos rodapés, nas árvores, em toda terra, atarefadíssimas, sem pausas para a fruição pura e simples da existência.
Nunca vi uma cigarra ao vivo, ou melhor, hoje quase as vi. Imóveis nas árvores, inúmeras, com seus ferrões como estiletes, semelhantes a escaravelhos de ouro. Ocas, secas... e mortas, seus esqueletos dourados nos troncos.
Em meu desconhecimento desses bichos, um tanto apavorantes à primeira vista, imaginei-as tendo morrido, ali, subindo os troncos, devoradas pelas incansáveis formigas, só lhes restando a carcaça. Haviam morrido de tanto cantar, imaginei. Mas fui às enciclopédias descobrir sobre o mecanismo e processo vitais desses mitológicos insetos.
Ah, então as cigarras põem seus ovos em troncos de árvores, os quais eclodem em ninfas que descem ao subsolo, ali vivendo, na escuridão , por anos e anos. Depois, ainda ninfas, retornam ao ar, subindo pelas árvores . Desfazem-se dos exoesqueletos, tornando -se adultas, em um processo denominado ‘ecdise’, ou ‘muda’.
As cigarras que observei nos troncos haviam me enganado. Não estavam mortas, nem secas. O que eu presenciara foram suas ‘casacas’, seus invólucros dourados. Lá em cima, nos galhos, as espertinhas cantavam, ou melhor, estridulavam , os machos, para atrair as fêmeas.
Melhor ter como respaldo a conhecimento científico, que lança certa luz sobre os mistérios e ciclos vitais da natureza. E é a ciência que, a meu ver, mais enobrece as cigarras. Seres que das masmorras, da escuridão de anos, anseiam pela luz, sofrem metamorfoses, e, na fase final de breves dias, cantam para a glória do amor. Verdade que um canto irritante, a longo prazo, proveniente de seus tímbalos com potentes decibéis.
É fato, também, que, contradizendo o fabulário, esses insetos, na longa fase de ninfas, buscam incansavelmente por raízes para sua subsistência, jamais recorrendo a outros insetos para alimentação.
As formigas, movidas por um inerente mecanismo biológico trabalham, trabalham... Transportam das cigarras as carcaças, porém nem sequer lhes emulam o canto, passam longe de sua magia, de sua graça.
(Fernando Campanella, 14 de novembro de 2008)
Das onipresentes formigas, eu sei: na pia da cozinha, nos rodapés, nas árvores, em toda terra, atarefadíssimas, sem pausas para a fruição pura e simples da existência.
Nunca vi uma cigarra ao vivo, ou melhor, hoje quase as vi. Imóveis nas árvores, inúmeras, com seus ferrões como estiletes, semelhantes a escaravelhos de ouro. Ocas, secas... e mortas, seus esqueletos dourados nos troncos.
Em meu desconhecimento desses bichos, um tanto apavorantes à primeira vista, imaginei-as tendo morrido, ali, subindo os troncos, devoradas pelas incansáveis formigas, só lhes restando a carcaça. Haviam morrido de tanto cantar, imaginei. Mas fui às enciclopédias descobrir sobre o mecanismo e processo vitais desses mitológicos insetos.
Ah, então as cigarras põem seus ovos em troncos de árvores, os quais eclodem em ninfas que descem ao subsolo, ali vivendo, na escuridão , por anos e anos. Depois, ainda ninfas, retornam ao ar, subindo pelas árvores . Desfazem-se dos exoesqueletos, tornando -se adultas, em um processo denominado ‘ecdise’, ou ‘muda’.
As cigarras que observei nos troncos haviam me enganado. Não estavam mortas, nem secas. O que eu presenciara foram suas ‘casacas’, seus invólucros dourados. Lá em cima, nos galhos, as espertinhas cantavam, ou melhor, estridulavam , os machos, para atrair as fêmeas.
Melhor ter como respaldo a conhecimento científico, que lança certa luz sobre os mistérios e ciclos vitais da natureza. E é a ciência que, a meu ver, mais enobrece as cigarras. Seres que das masmorras, da escuridão de anos, anseiam pela luz, sofrem metamorfoses, e, na fase final de breves dias, cantam para a glória do amor. Verdade que um canto irritante, a longo prazo, proveniente de seus tímbalos com potentes decibéis.
É fato, também, que, contradizendo o fabulário, esses insetos, na longa fase de ninfas, buscam incansavelmente por raízes para sua subsistência, jamais recorrendo a outros insetos para alimentação.
As formigas, movidas por um inerente mecanismo biológico trabalham, trabalham... Transportam das cigarras as carcaças, porém nem sequer lhes emulam o canto, passam longe de sua magia, de sua graça.
(Fernando Campanella, 14 de novembro de 2008)
Observação: Vejam um complemento a esta crônica em duas postagens anteriores a esta.
*'A arte dos ociosos' é um título de um livro de crônicas de Hermann Hesse.
*Um ano após escrever esta crônica, tive a feliz oportunidade de presenciar e fotografar uma cigarra deixando seu exoesqueleto, ou invólucro, e, em seguida, subir o tronco da árvore, para o acasalamento.
Muito curioso tudo quanto nos contas das cigarras. Gostei muito do texto e das fotografias da formiga e da cigarra. É uma fábula muito interessante, essa, sobre a qual muitos poetas escreveram já.
ResponderExcluirUm beijo.
Parabéns, poeta!! Gde homenagem, e merecida com certeza! Belo texto, e a foto? Puxa demais... Abraço...
ResponderExcluirBem, eu adoro o canto das cigarras, elas me lembram que o verão vem chegando, mas saber um pouco mais sobre elas foi muito bom!
ResponderExcluirum abraço
Sempre simpatizei mais com a cigarra,
ResponderExcluirna fábula.
Agora mais ainda!
Bjs.
Parabéns pela crônica, Campanella. Difícil mesmo penetrar no mundo das cigarras. Ia dizer mundo inquietante - e não é inquietante? É um mundo poético. E um modo poético.
ResponderExcluirGrande abraço.