Foto by Fernando Campanella
Estes dias de abril , rarefeitos de azul, esta luz mais difusa de outono, lembram-me Carlos Drummond de Andrade em ‘Os Dias Lindos’*, e de como seria uma temeridade escrever sobre tais dias, visto que o poeta-cronista sobre eles, tudo, tão magnificamente, no breve espaço de uma crônica descritiva, já disse.
Que maravilhas opera em nós a leitura de textos inspirados como o de Drummond. Tenho carregado comigo ao longo dos anos a impressão de uma antiga mestra de Língua Portuguesa, a de que esses curtos escritos, as crônicas, são pequenas grandes obras de arte que, com a ampla difusão da imprensa no Brasil, no século XIX, começaram a aparecer nos jornais, inicialmente como folhetins, nos moldes franceses. E que foram se adaptando, encontrando seu estilo próprio, até se constituir, segundo muitos estudiosos da literatura, em fenômeno literário tipicamente nacional.
Ou seja, a crônica dos grandes mestres deste gênero em nosso país, é um produto genuíno, tem nossa face, nosso excelente ‘jeitinho’ de fazer literatura. Os features dos jornais americanos, por exemplo, que vão além do factual, dando uma dimensão humana, atemporal, à notícia, de nossa crônica se aproximam mas ainda não têm o tom descontraído, o lirismo, ou até o humor que a caracterizam.
Estes dias lindos de abril, uma conversa no boteco, uma borboleta que do acaso cruza o tráfego pesado de uma tarde no Rio de Janeiro, uma galinha que bota um ovo, um pombo que atrasa o encontro com a namorada, um padeiro que entrega o pão de manhãzinha... Infinitos são os assuntos dessas narrativas que da vida miúda, esquecida, até ignorada, tecem um universo de enorme interesse e inusitada beleza.
Se comparada às matérias de gaveta, ou às matérias frias, de um jornal, a crônica as sobrepuja pela transfiguração e eternização do efêmero. E Embora com eventos circunscritos no tempo, pode ser lida, ou publicada, como toda boa literatura, em todas as épocas, sem subordinação a pautas, ou prazo de validade, como as reportagens e as notícias.
Seja um relato de viagens ou do cotidiano mais banal; de teor cômico ou filosófico; de costumes, da vida privada; seja poética, suave, crítica ou mordaz, a crônica é a menina dos olhos de um jornal, um bálsamo para os seus leitores fiéis. Gênero híbrido, mescla de literatura e jornalismo, nela a crueza dos fatos é temperada pelo olhar especial do autor.
A singularidade do olhar é que faculta à crônica o privilégio de escapar das páginas da mídia impressa e se eternizar em livro, constituindo-se em registro luminoso de um certo evento, de um flagrante da vida que, se apenas notícia, seria, como tudo e como tanto, para sempre perdido, uma página a mais do calendário, somente, arrancada.
Fernando Campanella, 18 de abril de 2009
* “Acontece em abril, nessa curva do mês que descamba para a segunda metade. Os boletins meteorológicos não se lembraram de anunciá-lo em linguagem especial. Nenhuma autoridade, munida de organismo publicitário, tirou partido do acontecimento. Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos. E aboliram, sem providências drásticas, o estatuto do calor...”
(Carlos Drummond de Adrade - Os dias Lindos)