Foto by Fernando Campanella
Leio no jornal da família em letras garrafais: “MAU HUMOR É UMA DOENÇA.” E segue uma reportagem sobre recentes descobertas científicas relacionadas à Distimia, doença do mau humor, que atinge 3% da população do mundo.
Segundo essas descobertas, a diminuição dos níveis de um neurotransmissor no cérebro, a serotonina, seria responsável pela depressão crônica, ocorrência que leva o indivíduo a enxergar o mundo através de uma ótica insípida e monocromática. Você perguntaria a um distímico “como vai?” e a resposta seria um invariável “tudo cinza”.
Colocada em termos psiquiátricos mais precisos, longe de qualquer leiga simplificação, trata-se, essa condição, de um transtorno afetivo da personalidade. Seus portadores apresentam sintomas como tristeza, baixas energia e auto-estima, perda ou aumento exagerado de apetite, etc. Diferente da depressão, é um estado crônico e não chega a comprometer gravemente a vida profissional e social do indivíduo.
A distimia deve ter feito escola e dado ao mundo frutos notáveis como Schopenhauer e Nietzche, ou espécimes bem menos interessantes como aquele nosso vizinho carrancudo ‘que fecha o tempo’ por onde quer que passe.
Por um outro ângulo , a própria natureza deve ter suas porções ‘distímicas’, nos dias carregados do chumbo das nuvens, nas tempestades... E mesmo o universo deve ter portado essa condição, antes do ‘fiat lux’, da luz inaugural. Assim, alguns elementos distímicos, em maior ou menor grau, devem ser herança, parte constituinte da psique mais remota de todos nós.
Mas melhor não pensar em atavismos, em amarras ontológicas agora. Não em um domingo de abril como este, tão gritante de azul...Deixo então minhas elucubrações e saio para o pequeno jardim de minha casa onde passa uma pequena borboleta, bisbilhotando de flor em flor.
Lembro-me de um trabalho de pesquisa de Língua Portuguesa feito por um ex-aluno de sexta série, que dizia: “A borboleta põe seus ovos e morre. Esses ovos geram lagartas. E das repelentes lagartas surgem borboletas azuis, douradas, vermelhas, coloridas. Você pode vê-las voando silenciosamente ou pousando suavemente numa flor.” E mais adiante, “...Em geral, a vida deste inseto é mais curta que o tempo que leva para nascer...” No final da pesquisa havia o desenho de um lepidóptero estilizado, todo moderno e multicolorido , feito pelo próprio aluno.
Textos como esse da metamorfose da borboleta, em sua cristalina simplicidade, e o dom artístico, a criatividade de meu ex-aluno, reacendem- me o imenso valor e a possibilidade da alegria, ajudando-me a contornar os efeitos nocivos que uma certa distimia, ou melancolia, possa surtir em mim . Outros expedientes de que me utilizo são viagens, música, leitura, a dedicação á escrita, à fotografia, ... Ou caminhadas, em um final de tarde, para esquadrinhar o céu à espera de Vênus, ou do Cruzeiro do Sul.
Para outros, melancólicos mais crônicos, ou até distímicos, na acepção médica do termo, felizmente surgem alternativas, como psicoterapia com medicação, complementada por exercícios físicos, que podem minorar o seu mau-humor, restituindo-lhes maior satisfação e contentamento no viver.
Porém, para todos nós , distímicos ou não, melancólicos eventuais ou inveterados, ou apenas mais estressados, a subida de uma montanha, impregnados da alma de um artista, seria uma boa opção para reequilibrarmos o nível de serotonina em nossos cérebros. Ao chegarmos ao topo, veríamos que o mundo pode ser terrível, mas igualmente belo. Reconfortantemente belo.
Fernando Campanella, 17.04.1995
Segundo essas descobertas, a diminuição dos níveis de um neurotransmissor no cérebro, a serotonina, seria responsável pela depressão crônica, ocorrência que leva o indivíduo a enxergar o mundo através de uma ótica insípida e monocromática. Você perguntaria a um distímico “como vai?” e a resposta seria um invariável “tudo cinza”.
Colocada em termos psiquiátricos mais precisos, longe de qualquer leiga simplificação, trata-se, essa condição, de um transtorno afetivo da personalidade. Seus portadores apresentam sintomas como tristeza, baixas energia e auto-estima, perda ou aumento exagerado de apetite, etc. Diferente da depressão, é um estado crônico e não chega a comprometer gravemente a vida profissional e social do indivíduo.
A distimia deve ter feito escola e dado ao mundo frutos notáveis como Schopenhauer e Nietzche, ou espécimes bem menos interessantes como aquele nosso vizinho carrancudo ‘que fecha o tempo’ por onde quer que passe.
Por um outro ângulo , a própria natureza deve ter suas porções ‘distímicas’, nos dias carregados do chumbo das nuvens, nas tempestades... E mesmo o universo deve ter portado essa condição, antes do ‘fiat lux’, da luz inaugural. Assim, alguns elementos distímicos, em maior ou menor grau, devem ser herança, parte constituinte da psique mais remota de todos nós.
Mas melhor não pensar em atavismos, em amarras ontológicas agora. Não em um domingo de abril como este, tão gritante de azul...Deixo então minhas elucubrações e saio para o pequeno jardim de minha casa onde passa uma pequena borboleta, bisbilhotando de flor em flor.
Lembro-me de um trabalho de pesquisa de Língua Portuguesa feito por um ex-aluno de sexta série, que dizia: “A borboleta põe seus ovos e morre. Esses ovos geram lagartas. E das repelentes lagartas surgem borboletas azuis, douradas, vermelhas, coloridas. Você pode vê-las voando silenciosamente ou pousando suavemente numa flor.” E mais adiante, “...Em geral, a vida deste inseto é mais curta que o tempo que leva para nascer...” No final da pesquisa havia o desenho de um lepidóptero estilizado, todo moderno e multicolorido , feito pelo próprio aluno.
Textos como esse da metamorfose da borboleta, em sua cristalina simplicidade, e o dom artístico, a criatividade de meu ex-aluno, reacendem- me o imenso valor e a possibilidade da alegria, ajudando-me a contornar os efeitos nocivos que uma certa distimia, ou melancolia, possa surtir em mim . Outros expedientes de que me utilizo são viagens, música, leitura, a dedicação á escrita, à fotografia, ... Ou caminhadas, em um final de tarde, para esquadrinhar o céu à espera de Vênus, ou do Cruzeiro do Sul.
Para outros, melancólicos mais crônicos, ou até distímicos, na acepção médica do termo, felizmente surgem alternativas, como psicoterapia com medicação, complementada por exercícios físicos, que podem minorar o seu mau-humor, restituindo-lhes maior satisfação e contentamento no viver.
Porém, para todos nós , distímicos ou não, melancólicos eventuais ou inveterados, ou apenas mais estressados, a subida de uma montanha, impregnados da alma de um artista, seria uma boa opção para reequilibrarmos o nível de serotonina em nossos cérebros. Ao chegarmos ao topo, veríamos que o mundo pode ser terrível, mas igualmente belo. Reconfortantemente belo.
Fernando Campanella, 17.04.1995
Maravilha essa crônica!! Reconfortantemente maravilhosa!!! Parabéns!!!
ResponderExcluirObrigado, Antonio, sempre bom ter vc por aqui.
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