Rubem Braga, 3.bp.blogspot.com
O PADEIRO
O PADEIRO
Levanto cedo, faço minhas abluções, ponho a chaleira no fogo para fazer café e abro a porta do apartamento - mas não encontro o pão costumeiro. No mesmo instante me lembro de ter lido alguma coisa nos jornais da véspera sobre a "greve do pão dormido". De resto não é bem uma greve, é um lock-out, greve dos patrões, que suspenderam o trabalho noturno; acham que obrigando o povo a tomar seu café da manhã com pão dormido conseguirão não sei bem o que do governo.
Está bem. Tomo o meu café com pão dormido, que não é tão ruim assim. Enquanto tomo café vou me lembrando de um homem modesto que conheci antigamente. Quando vinha deixar o pão à porta do apartamento ele apertava a campainha, mas, para não incomodar os moradores, avisava gritando:
- Não é ninguém, é o padeiro!
Interroguei-o uma vez: como tivera a idéia de gritar aquilo?
"Então você não é ninguém?"
Ele abriu um sorriso largo. Explicou que aprendera aquilo de ouvido. Muitas vezes lhe acontecera bater a campainha de uma casa e ser atendido por uma empregada ou outra pessoa qualquer, e ouvir uma voz que vinha lá de dentro perguntando quem era; e ouvir a pessoa que o atendera dizer para dentro: "não é ninguém, não, senhora, é o padeiro". Assim ficara sabendo que não era ninguém...
Ele me contou isso sem mágoa nenhuma, e se despediu ainda sorrindo. Eu não quis detê-lo para explicar que estava falando com um colega, ainda que menos importante. Naquele tempo eu também, como os padeiros, fazia o trabalho noturno. Era pela madrugada que deixava a redação de jornal, quase sempre depois de uma passagem pela oficina - e muitas vezes saía já levando na mão um dos primeiros exemplares rodados, o jornal ainda quentinho da máquina, como o pão saído do forno.
Ah, eu era rapaz, eu era rapaz naquele tempo! E às vezes me julgava importante porque no jornal que levava para casa, além de reportagens ou notas que eu escrevera sem assinar, ia uma crônica ou artigo com o meu nome. O jornal e o pão estariam bem cedinho na porta de cada lar; e dentro do meu coração eu recebi a lição de humildade daquele homem entre todos útil e entre todos alegre; "não é ninguém, é o padeiro!"
E assobiava pelas escadas.
Rubem Braga, Rio, maio, 1956.
Maravilha, Fernando, vc já tinha lido essa crônica e me mostrado ela! Perfeita!!! Adoro esse grande cronista, que fez sua linda história pelos diários do Brasil! Linda postagem! Hats off, a vc, pelo reconhecimento de tão grande escritor, assim como vc! Abraço
ResponderExcluirObrigado, meu amigo. Esta crônica é imortal. O Rubem merece ser sempre e sempre e para sempre lido. Grande abraço.
ResponderExcluirPenso q esse tipo de pessoa não existe mais.
ResponderExcluirSinto uma profunda peninha dele, mas um grande
respeito pela sua humildade.
*.*
Esta crônica é uma obra-prima, Mari, em minha opinião. Rubem Braga, com poucas palavras, assume sua humanidade mais sagrada.
ResponderExcluirGostaria de saber se essa crônica trata-se de uma obra literária. Porquê?
ResponderExcluirquerido ou querida, essa pergunta vem do caderno do aluno não ? escula estadual, pq não pesquisa?
ResponderExcluiroi que bom
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