/portal/imgs/peixes/helostoma_temmincki.jpg
(Esta é uma das mais belas estórias da vida real que já ouvi, e que espero seja também uma das mais belas que escrevi.)
(Para A. C.)
- Pai, compra um caracol para o aquário?
Não havia poder de dissuasão contra a vontade do menino que sempre movia mil argumentos a favor dos bichos que queria. E teve que ir, o pai, mais uma vez, para a loja de peixes, acuado pelos olhinhos brilhantes, pelo coração do filho que parecia saltar de ansiedade pela boca. Se não comprasse o caracol era o aquário todo que morria.
Das outras vezes, a mesma arrebatação. Como esquecer a chegada da ratinha branca Madalena, do periquito, da enigmática Dama de Negro, o peixinho-telescópio de olhos esbugalhados. Personagens que já haviam se integrado à estória da família. E , sobretudo, como esquecer que a limpeza do cocô, a ração, as mordidelas e bicadas dos ‘amiguinhos’ ficariam todas sob sua inteira, intransferível, responsabilidade?
Na loja, mais uma vez veio o proprietário solícito, a lhe despejar informações técnicas: parâmetros da água, filtragem, coabitabilidade dos peixes... ‘Pomacea...’ é o nome do bicho desta vez , um caracol amarelado, o único que pode ser mantido em um aquário plantado como o do filho, alimentando-se de algas, ração dos próprios peixes e folhinhas em decomposição.
Após a compra do molusco , de volta à casa, assediado pela agitação da criança, com um certo medo ou repulsa lhe alizando as mãos, o pai deixa escapar o caracol que perde uma lasca da concha no choque contra o chão. Com redobrado cuidado, apanha a preciosidade e a acomoda no aquário , sentindo-se um monstro inafiançável diante do choro e das acusações do menino de ter assassinado a criatura.
À noite , após o filho, ainda choramingando , terminar a lição de casa, volta com o menino ao aquário na sala, para sondarem as possibilidades de sobrevivência do caracol. Redescobrem o milagre, a resistência da vida, ao verem-no se movendo, as anteninhas brancas, espertas, voltadas para fora.
Tudo se resolvera da melhor maneira e agora é , novamente, o paizão amigo, provedor da serenidade e da ordem.
Ao colocar o filho para dormir, diz que o Marujo, nome do novo membro da família , com certeza sobreviverá. Vê a esperança já cerrando os olhos do garoto e se redime, com a sensação de missão de paterna cumprida. Quando vai apagar a luz, o menino lhe pede:
- Pai, me compra uma tartaruga?
- Tartaruga??? Você só pode estar brincando , moleque, logo vai querer um elefante também. Mas veja só, tartarugas estão totalmente protegidas pelos ambientalistas e não podemos mais criá-las em casa, e ponto final.... Mas por que você quer uma tartaruga?
- Porque elas são calmas , pai – e o guri adormece como um anjo.
Ao deixar o quarto , vai até a sala, liga o som , senta-se à poltrona para sua descontração, o desapego do dia.
Ah, filhos!... Mas já fora criança e nutrira enorme interesse pelo universo dos bichos. Guardara luto e realizava verdadeiros funerais de seus animaizinhos que morriam. Permutara peixes de aquário com a prima, nos finais de semana. Uma vez ganhara dela um Kínguio deslumbrante, que mais parecia uma chama líquido-dourada, com nadadeiras e caudas de véus flutuantes.
Agora mais leve, contemplando o aquário, a música calma lhe trazendo o sono, alegra-se com uma idéia que então lhe ocorre, a de que crianças têm a idade dos peixes, o sono do mar.
E não se assusta quando vê o filho nadando nas transparências daquelas águas , entre os peixinhos multicoloridos : um Beijador branco-prateado, afugentando o inamistoso caracol que se enfia em sua casa e tranca a escura portinhola Deus sabe até quando.
- Pai, compra um caracol para o aquário?
Não havia poder de dissuasão contra a vontade do menino que sempre movia mil argumentos a favor dos bichos que queria. E teve que ir, o pai, mais uma vez, para a loja de peixes, acuado pelos olhinhos brilhantes, pelo coração do filho que parecia saltar de ansiedade pela boca. Se não comprasse o caracol era o aquário todo que morria.
Das outras vezes, a mesma arrebatação. Como esquecer a chegada da ratinha branca Madalena, do periquito, da enigmática Dama de Negro, o peixinho-telescópio de olhos esbugalhados. Personagens que já haviam se integrado à estória da família. E , sobretudo, como esquecer que a limpeza do cocô, a ração, as mordidelas e bicadas dos ‘amiguinhos’ ficariam todas sob sua inteira, intransferível, responsabilidade?
Na loja, mais uma vez veio o proprietário solícito, a lhe despejar informações técnicas: parâmetros da água, filtragem, coabitabilidade dos peixes... ‘Pomacea...’ é o nome do bicho desta vez , um caracol amarelado, o único que pode ser mantido em um aquário plantado como o do filho, alimentando-se de algas, ração dos próprios peixes e folhinhas em decomposição.
Após a compra do molusco , de volta à casa, assediado pela agitação da criança, com um certo medo ou repulsa lhe alizando as mãos, o pai deixa escapar o caracol que perde uma lasca da concha no choque contra o chão. Com redobrado cuidado, apanha a preciosidade e a acomoda no aquário , sentindo-se um monstro inafiançável diante do choro e das acusações do menino de ter assassinado a criatura.
À noite , após o filho, ainda choramingando , terminar a lição de casa, volta com o menino ao aquário na sala, para sondarem as possibilidades de sobrevivência do caracol. Redescobrem o milagre, a resistência da vida, ao verem-no se movendo, as anteninhas brancas, espertas, voltadas para fora.
Tudo se resolvera da melhor maneira e agora é , novamente, o paizão amigo, provedor da serenidade e da ordem.
Ao colocar o filho para dormir, diz que o Marujo, nome do novo membro da família , com certeza sobreviverá. Vê a esperança já cerrando os olhos do garoto e se redime, com a sensação de missão de paterna cumprida. Quando vai apagar a luz, o menino lhe pede:
- Pai, me compra uma tartaruga?
- Tartaruga??? Você só pode estar brincando , moleque, logo vai querer um elefante também. Mas veja só, tartarugas estão totalmente protegidas pelos ambientalistas e não podemos mais criá-las em casa, e ponto final.... Mas por que você quer uma tartaruga?
- Porque elas são calmas , pai – e o guri adormece como um anjo.
Ao deixar o quarto , vai até a sala, liga o som , senta-se à poltrona para sua descontração, o desapego do dia.
Ah, filhos!... Mas já fora criança e nutrira enorme interesse pelo universo dos bichos. Guardara luto e realizava verdadeiros funerais de seus animaizinhos que morriam. Permutara peixes de aquário com a prima, nos finais de semana. Uma vez ganhara dela um Kínguio deslumbrante, que mais parecia uma chama líquido-dourada, com nadadeiras e caudas de véus flutuantes.
Agora mais leve, contemplando o aquário, a música calma lhe trazendo o sono, alegra-se com uma idéia que então lhe ocorre, a de que crianças têm a idade dos peixes, o sono do mar.
E não se assusta quando vê o filho nadando nas transparências daquelas águas , entre os peixinhos multicoloridos : um Beijador branco-prateado, afugentando o inamistoso caracol que se enfia em sua casa e tranca a escura portinhola Deus sabe até quando.
Fernando Campanella, 05 de Julho de 2007
*
"Os beijadores são peixes que chegam a reconhecer o dono, e que se tornam agessivos se o espaço (onde vivem) for pequeno."
(Comentário feito pelo aquarista Fabrício Caramello Ortins Sampaio à postagem sobre esse peixe no blogger: www.aquarionline.com.br/portal/peixes/peixes_detalhe.asp?id=211 -