sábado, 18 de maio de 2013

ITINERÁRIO DAS URZES

Foto por Fernando Campanella

"...Não tenha rancor de mim por causa dessa pequena terra que cobre meu corpo."
(Final de suposta inscrição na tumba de Ciro, o Grande, rei da antiga Pérsia, em Pasárgada)

Quando eu me sentir triste, 
triste de doer, da dor barroca,
ou imemorial,  inominável, 
sem fundo, sem alças,
triste das coisas cridas,
dos impérios que inventei
ou do que nem senti nascer -
triste da palavra em mortal ferida -
serás meu fiel retorno,
capelinha das urzes, à beira da estrada,
meu cavalo sem peias, minha jornada de ossos -
 minha Ítaca, minha Pasárgada.


Fernando Campanella 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

NATUREZAS (ESTRELA DA TARDE)

Foto por Fernando Campanella


Já não me iludes,
estrelinha mimada e arredia,
não me sabes, nem me sentes,
por que então na toca da noite
eu, romântico, te buscaria?

És o mesmo que qualquer coisa,
que tanto fez, como tanto faz,
qualquer dia que já tarde indo
nenhum trato outro dia me traz.

Tens das formigas a natureza alheia
e, malgrado tua luz, a inconsciência fria.

És, sim, algo qualquer, um pó errante,
um limão de que eu bebesse o sumo
só para fruir o teu azedo instante.

Nem mesmo vês que agora sou como tu,
um cego de ti, uma bela viola,
um falso diamante.

Fernando Campanella

terça-feira, 7 de maio de 2013

LIMBO

Foto por Fernando Campanella


...E nenhum rumor de água a latejar na pedra seca...
(T. S. Eliot, “A terra desolada”,
tradução de Ivan Junqueira)

E quando dei por mim
vi um molusco
arrastando nos ombros
o tempo da casa.

Vi um monge rondando em ócio
– o hábito
a chama
e a mariposa alucinada

folhas caducas
espectros
(os ecos, os ecos)
a roda tocada à memória.

Vi a turbulências das moscas
a lava
e a concha sonhando a asa.

Quando cheguei ao limbo de mim
e o vento seguiu
senti um abandono
uma distância sem-fim.

Pesei o silêncio
e o mundo certo
que perdi –

vi a pedra chamando a água.