domingo, 31 de outubro de 2010

A ÁRVORE DA VIDA


Foto por Fernando Campanella

...Eu insisto em um Deus
que se projeta em tronco
e esparrama os braços
para acolher os seus.

(Fernando Campanella, trecho do poema de dezembro de "Efemérides")

...aqui está mais profundo segredo a todos velado
(aqui está a raiz da raiz e o botão do botão
e as alturas das alturas de uma árvore chamada vida; que cresce
para além do que a alma pode esperar ou o pensamento esconder)
e é esta a maravilha que mantém as estrelas separadas

Trago o teu coração (guardo-o dentro do meu coração)

(Trecho de um poema de e.e.cummings, tradução de Manuel Anastácio, gentilmente enviado por minha amiga Gerana Damulakis, do blog http://leitoracritica.blogspot.com/)

A árvore da vida é um mito, um tema recorrente em várias culturas e religiões, na literatura, na música, na pintura, etc. O trecho do belo poema de e.e.cummings, acima, é um exemplo de tal recorrência, assim como a música 'The tree of life', da trilha sonora do filme 'The Fountain", no vídeo abaixo.


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

ALGO NAS FLORES


Foto por Fernando Campanella

há algo de óbvio nas flores -
eu o admito, mas reincido -
a beleza requer exercício

Fernando Campanella

domingo, 17 de outubro de 2010

BARCA DO NORTE


Sulcos
Foto arte por Fernando Campanella

meus versos em uma garrafa
ou em uma barca vazia -
meu remador é o vento
e alguma ilha a utopia

Fernando Campanella

"...A ficção (a arte) não é a vida, senão uma réplica da vida, que a fantasia dos seres humanos tem construído, dando-lhe algo que a vida não tem: um complemento ou dimensão que é precisamente o 'fictício' da ficção, o propriamente 'novelesco' de uma novela, aquilo de que a vida real carece e que desejamos que tivesse..."
(Mario Vargas Llosa, El Viaje a la Fición, parênteses com adendos meus)

"Escreve-se (cria-se arte) para preencer vazios, para fazer separações contra (e ao mesmo tempo reintegrar) a realidade, contra as circunstâncias."

(Mario Vargas Llosa, parênteses com adendos meus)

Vídeo: 'Rema na Canoa', cantiga das destaladeiras de fumo de Arapiraca, Alagoas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

...É TAMBÉM O SAPO



Vídeo feito por Diana Liz Duque Sandoval, da Estação Experimental Caparo, Venezuela

o luar sobre a lagoa

cada amor em meu lugar

e já não há metáforas:

o belo para mim

é também o sapo.

(Fernando Campanella)

Obs. Os versos acima já foram aqui postados alguns meses atrás. Porém hoje encontrei um vídeo por Diana Lis Duque Sandoval no site de fotografias FLICKR e me veio a ideia de uma repostagem do poema, visto que finalmente encontrei sua perfeita ilustração.

Meus parabéns e minha admiração à Diana pelo belo trabalho. Vejam sua página no Flickr, onde se apresenta como Lizduquesa:

http://www.flickr.com/photos/diana_duque/

domingo, 10 de outubro de 2010

O PÁSSARO AZUL (A CHARLES BUKOWSKI)


(Charles Bukowski)

o pássaro azul -
que saibam as putas,
os estafetas,
os solitários do bar -
o pássaro azul não vai foder
com meu emprego
ou me enlouquecer

nem a venda de meus livros
(que não editei) irá na Europa
arruinar

porque o soltei, não se fez abutre,
ave do terror
ou qualquer esfinge alada,
odiosa e indecifrável,
que desde a idade do homem
vive para me atormentar


o pássaro azul
quis apenas território próprio,
voo alçado
entre meu encantamento
e sina,
a solidão de poder tantas vezes
torcer o nariz ao mundo -


a prerrogativa,
me entenda, Bukowski,
de enternecer, de chorar.

Fernando Campanella


Poema Blue Bird, Pássaro Azul, de Charles Bukowski:

há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica aí dentro,
não vou deixar ninguém ver-te.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky para cima dele
e inalo fumo de cigarros
e as putas e os empregados do bar
e os funcionários da mercearia
nunca saberão que ele se encontra
lá dentro.
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado duro para ele,
e digo, fica escondido,
queres arruinar-me?
queres foder-me o
meu trabalho?
queres arruinar
as minhas vendas de livros
na Europa?
há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou demasiado esperto,
só o deixo sair à noite
por vezes
quando todos estão a dormir.
digo-lhe, eu sei que estás aí,
por isso
não estejas triste.
depois ,
coloco-o de volta,
mas ele canta um pouco lá dentro,
não o deixei morre de todo
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é bom o suficiente
para fazer um homem chorar,
mas eu não choro,
e tu?
(Charles Bukowski)

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

CARTAS AO EU (FRAGMENTOS)



... a beleza são esses achados, um certo conci-

liar entre o sentido que enxerga e as inesgo-

táveis manifestações da alteridade...



Fotos by Fernando Campanella



AO EU POETA OBSCURO

Meu caro eu, meu poeta obscuro, se as portas se fecham, acalma o coração que o Todo deseja. Deixa supurar o mar da fúria. Eu sou essa fúria espalmada, aquele caracol que de teu limbo escapa. Um ângulo da alma, um certo abismo que te chama. Mas não te deixes sorver por essa força que te toma. Aceita, escreve... E lembra-te: lesmas, abelhas, abismos não são propriamente aos quinze minutos de fama destinados.

Se a poesia te chama, empenha-te em colocá-la para fora com as ferramentas que te servem. E aos ouvidos que te pedem, fala...

Entra em bons termos com a mágoa. E que tua alma acolha mais e mais a dor dos elefantes...

Achega-te a mim, a tua secreta verdade...

Sente como é bom pernoitar no coração dos amigos que te acolhem, te apalpam. São eles teus termômetros, tuas asas.

Vai ao teu jardim, ama tuas flores, observa aquela luz que as ilumina e se transfigura em tua alma. A beleza são esses achados, um certo conciliar entre o sentido que enxerga e as inesgotáveis manifestações da alteridade. É o paradoxo encantado, ilusão que nos diz que não existimos sem o mundo, e este não vive sem nossos olhos. Expressa essa beleza que é essência, que ao espírito remete.

No mais, os dias passam, o sol diminui no ocaso seu passo. E tudo volta, com o novo dia, ao seu antigo hábito.

Ah, escreve para os elefantes. Dizem que eles não esquecem. Assim tua alma inteira irá se aquientando em tua casa...

Fernando Campanella




Tradução do trecho de Demian, de Hermann Hesse, apresentado em italiano no vídeo acima:

"... E me contou uma estória de um adolescente que estava enamorado de uma estrela.
Junto ao mar, estendia os braços para ela, adorava-a, sonhava com ela e lhe dedicava todos os seus pensamentos. Mas sabia, ou pensava saber, que um homem não pode alcançar uma estrela. Imaginava que seu destino era amá-la sempre sem esperanças e construiu sobre essa ideia toda uma vida de renúncia e de dores, muda e fiel, que devia purificá-lo e enobrecê-lo. Uma noite estava de novo sentado junto ao mar, no alto de uma escarpa, contemplando a amada, ardendo de amor por ela. E num instante de profundo anseio, saltou no vazio para alcançar a estrela. Mas ainda não pensou na possibilidade de alcançá-la e caiu, arrebantando-se contra as rochas. Não sabia amar. Se no momento de saltar tivesse força de alma bastante para crer fixa e seguramente na obtenção de seu desejo, teria voado para o ceu para encontrar sua estrela.

(Demian, Hermann Hesse)