Foto original de Jane Nahabedian do cartão postal que recebi, fotografado e editado por mim. * |
“Não caminhe atrás de mim, eu posso não liderar. Não caminhe na minha
frente, eu posso não seguir. Simplesmente caminhe ao meu lado e seja meu
amigo.”
(Albert Camus)
Às vezes me quedo em certo alheamento do mundo, espécie de mínima
entropia, não com um sentimento de tristeza que nos torna amargos e fechados ao
novo. Um recolhimento vago, necessário, até saudável, quando apenas a memória afetiva me fala.
Retiro, então, da gaveta, antigos cartões postais (tenho o hábito de
guardá-los) e neles reencontro as palavras, o carinho, de amigos distantes que
em algum momento de suas vidas, não importa quão longe estivessem, lembraram-se
de mim, e me escreveram. E atingiram meu coração com suave flecha iluminada.
Tenho agora em mãos, e na memória mais grata, dois desses cartões, os
quais em momentos solitários de minha vida chegaram-me de amigos que se
encontravam em outros países e lembraram-se de mim.
Num deles, de um grande amigo estilista, destaco o trecho: “... o frio é
intenso, e a chuva constante atrapalha minhas andanças. Ontem fiquei um tempão
parado na Champs Elysées, abrigado da chuva. Mas o que poderia tornar-se um
inconveniente, transformou-se em pura magia com as folhas que caíam em
movimentos espirados, a água nas largas calçadas refletindo as luzes de
decoração natalina, o vai-e-vem das pessoas em seus modelões variados, uma
babel de cores e raças, e me peguei refletindo sobre muitas coisas. E agradeci
a Deus por tudo que tem me proporcionado, e entre tantos agradecimentos um dos
mais importantes foi ele ter colocado você na minha vida. Acho que nunca te
falei, mas eu te amo com o mais sincero amor de um amigo...”
Outro cartão, de uma querida ex-professora de literatura inglesa, em
alguns trechos dizia: “... E o tempo passou, não respondi sua carta, mas não esqueci; pensei em você,
e em mandar-lhe este cartão, a semana inteira... Veja o muro, ou cerca de
pedra, de que Robert Frost fala em seu poema Mending Wall na foto deste cartão
que te envio...” A minha amiga não sabia que o Mending Wall era um de meus
poemas favoritos do Frost.
Esses dois amigos já não mais no mundo se encontram. Mas sejam eles, os
que já foram, ou os ainda presentes, na convivência física, os virtuais,
trazidos pelos novos meios de comunicação, os poetas que lemos, ou até mesmo
bichos e árvores, amigos transcendem as horas. São filamentos, extensões de
anjos que abraçam a terra de polo a polo, por cuja mediação e presença “nossos
ombros suportam o mundo” - o elo” achado” na escala da evolução.
Fernando Campanella
Observação: a foto acima foi tirada por mim do cartão (foto original de Jane Nahabedian), que recebi de minha amiga, ex-professora de literatura inglesa, em 1996 quando ela visitou Connecticut. Coloquei o foco nos muros de pedra (stonewalls), aos quais Robert Frost faz referência em seu belíssimo poema "Reparando o muro" (Mending Wall)
Vídeo: segundo movimento da Sinfonia do Novo Mundo, por Dvorak, enviado pela DublinPhilarmonic:
Vídeo: segundo movimento da Sinfonia do Novo Mundo, por Dvorak, enviado pela DublinPhilarmonic:
Que maravilha de relato, intimista, saudoso vibrante.
ResponderExcluirEscreves como ninguém,
meu querido amigo
Fernando Campanella,
muito grata por nos deixar compartilhar do teu mágico mundo intelectual.
[...]
Esses dois amigos já não mais no mundo se encontram. Mas sejam eles, os que já foram, ou os ainda presentes, na convivência física, os virtuais, trazidos pelos novos meios de comunicação, os poetas que lemos, ou até mesmo bichos e árvores, amigos transcendem as horas. São filamentos, extensões de anjos que abraçam a terra de polo a polo, por cuja mediação e presença “nossos ombros suportam o mundo” - o elo” achado” na escala da evolução. [...]
Parabéns, kisses.
Ah, o escritor está de volta...lindo Fernando!Parabéns!
ExcluirFernando, o tempo não teria sentido se não fossem as lembranças.Lindo teu texto e as palavras brotadas da alma de amigos tão preciosos.Encantei-me.Forte abraço Eloah
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