domingo, 23 de junho de 2013

UMA ÁRVORE

Foto por Fernando Campanella

Antes dos fundamentos de Minas,
eu já era, com as bicas e as fontes.

Mãe dileta das relvas, das grotas, 
cobria em tapete ileso
a vasta inconsciência da terra
em suas planuras e montes.

Seguia, alegre, as curvas, as margens 
de corredeiras e rios, acatava 
em silêncio o clamor dos trovões -
minha seiva corria equânime
sob o esplendor dos elementos
ou as gasturas invernais.

Preparei longa e arduamente a casa, 
alimento e berço, a morada,
para as futuras criações em asas.



Acima de mim, para além do sol,
era apenas o pêndulo da noite
ritmando a dança dos astros –
o espelho – a incógnita dos primórdios.

Fernando Campanella 

segunda-feira, 17 de junho de 2013

CREPÚSCULOS

Foto por Fernando Campanella

As tardes de outono propiciam crepúsculos inigualáveis. Embora os atores - nosso velho, vaidoso sol, as frívolas nuvens, o ar, o imponderável vento... – sejam sempre os mesmos em outros períodos do ano, é nesses dias que precedem o inverno que os espetáculos do fim da tarde rendem maior vibração em luz, forma, tom e cor.

Os crepúsculos outonais lembram algo como o capricho de um demiurgo 
a brincar com infinitas possibilidades na reorganização de toda matéria preexistente. Uma arte de tamanha grandeza, de tão poderoso efeito, onde o criador, o sujeito, se esquece e passa a ser objeto da própria criação.

Assim, em escala menor, com todos artistas que, movidos por um impulso interno, reestruturam o que vivem, o que recebem, neste insondável processo atópico, acrônico, que denominamos "criar".

Assim, com a poeta Emily Dickinson que, tocada pelos crepúsculos de Amherst, reestruturou as impressões, as emoções internas, rendendo este maravilhoso universo-poema:

219

Ela varre com vassouras multicores
E sai espalhando fiapos,
Ó Dona arrumadeira do crepúsculo,
Volta atrás e espana os lagos:

Deixaste cair novelo de púrpura,
E acolá um fio de âmbar,
Agora, vejam, alastras todo o leste
Com estes trapos de esmeralda!

Inda a brandir vassouras coloridas,
Inda a esvoaçar aventais,
Até que as piaçabas viram estrelas —
E eu me vou, não olho mais.

Tradução: Aíla de Oliveira Gomes

Texto inicial por Fernando Campanella


quinta-feira, 13 de junho de 2013

TREZE DE JUNHO



Hoje de manhã, na fila da padaria, algumas mulheres comentavam sobre simpatias feitas a Santo Antônio para arranjarem marido ou namorado. 

- Já enterrei a imagem do santo de cabeça pra baixo, num poço, e nada ainda – dizia uma. 


- Eu até roubei a imagem do menino Jesus que estava nos braços dele, só vou devolver quando aparecer um marido – dizia outra.

Uma terceira senhora entrou na conversa, rindo aos montes, dizendo que não queria saber da casamento mais não, melhor ficar sozinha. O primeiro marido fazia todas suas vontades, só faltava estender o tapete por onde ela passava, mas falecera poucos anos após se casarem. O segundo, e último, estendia o tapete, sim, mas para pisar nela, espicaçá-la, atormentá-la. Não aguentou o tranco e o despachou o mais rápido possível.

Um homem de meia-idade juntou-se à conversa, dizendo que a pessoa certa para a gente pode estar ao nosso lado e não percebemos, não precisamos procurar tanto. Mas acrescentou, jocosamente: eu queria mesmo era casar com a Gisele Bündchen.

Foi uma gargalhada geral, até o atendente da padaria fez um comentário, dizendo que não dispensava tal modelo como namorada. 


Era tudo descontração, para esquecer o tempo na longa fila, eu sabia, mas não deixei de pensar que temos que ter cuidado com nossos sonhos e desejos, desenvolver a arte de saber o que realmente nos importa e nos faz felizes.

De qualquer forma, o velho, bom Antônio, do meu aniversário, da minha infância, do Itaim, das festas do bairro das Cruzes, ainda está em pauta nos corações, nas conversas, fazendo jus à reputação de santo casamenteiro.

Após apanhar meu pão, saio de lá com a certeza de que tenho mais fé na fé, em si, poderosa, formada pela corrente de almas que há séculos vêm mentalizando preces para o alívio da dor, em busca da  felicidade tantas vezes abortada nas durezas da vida.

Por outro lado, confesso que trago a medalhinha do meu santo numa corrente no pescoço. Em momentos difíceis, esqueço as racionalizações, peço a ele que me ampare, e consigo, ou, mais importante, acredito que consigo, o que peço.

Mas hoje, no meu aniversário, quero apenas agradecer pelas tantas coisas boas que a vida tem me outorgado - amor, amizade, arte, alegrias... E se eu pedir algo, será, certamente, para que seja dada saúde à minha família, eu incluído, e aos meus amigos. E que minhas bênçãos sejam preservadas. 

Fernando Campanella

(Foto tirada hoje, na estrada que liga Borda da Mata a Ouro Fino, sul de MG)

domingo, 2 de junho de 2013

IMEMORIAL DE MINAS

Foto de Fernando Campanella

No abismo 
de tua atemporal beleza -
suspenso -
se não na terra,
em qual dos sete céus
me adentro?

(Fernando Campanella)