(Maria-branca, pássaro da família
dos Tyrannídeos)
Foto by Fernando Campanella
A primavera de New England
não traz seus pássaros à minha janela.
Mas por que penso naqueles cantos
se nem os pássaros de meu velho rio
ou de minhas conhecidas árvores
vêm ao meu jardim cantar?
Só cantam para si próprios,
o martim- pescador, a corrila ,
o joão-de-barro atribulado.
Pensando melhor, nem mesmo pardais,
nenhum pio, nenhum bemol acasalado
conseguem meu dia despertar.
Ficam por si, longínquos, os canários
e os bem-te-vis nas cercanias .
Como é triste acordar
daquelas ternuras surdo, descantado.
como é áspero raspar do dia o aço.
ranger roldanas de hábitos e ossos.
Cantem para si, para Deus
ou para quem os consiga ouvir
o exótico 'robin' , o cuco e a cotovia.
Nenhum trinado, nenhum grasnar,
vêm alcançar meus ouvidos ruidosos.
Ah, vejam, sou mesmo um rei nu,
um moedor de pedras,
sou aquele imperador da China
que tão pobre era sem seu pássaro -
aquele pobre mandarim ,
a solidão, meu triste rabicho,
a ausência, esta enorme vassala de mim.
Fernando Campanella, 2007
Obs. Meu primeiro contato com a música desta postagem, Blackbird´ (vídeo acima) dos Beatles, deu-se somente há alguns meses atrás, acredito que não tenha sido tão tocada na fase áurea do grupo inglês.
Sempre intuí algum ressoo erudito na música de Paul MacCartney/John Lennon. 'Penny lane', por exemplo, traz uma certa estrutura 'clássica' por trás de seus belos acordes. E 'Blackbird', não fica atrás. Hoje li que Paul revelou ter se inspirado, de alguma maneira, no 'Boureé em mi menor', de Bach, para a idéia da música.
(Abaixo, uma gravação mais livre do 'Boureé em mi menor', de Bach, com Jethro Tull)
Blackbird foi gravada em 1968, canção do álbum 'The Beatles'. A letra da música, segundo o autor, é uma metáfora sobre a condição da mulher afro-americana nos Estados Unidos à época. O canto ao pássaro seria um estímulo à raça para lutar pelos seus direitos.
O grande valor de uma obra de arte, porém, é que ela se abre a infinitas leituras. O 'blackbird', por extensão, é o pássaro preso, ou a escura ausência do mesmo, em nós. Clama pela liberdade de sermos o que somos, de nos expressarmos, encontrando nosso caminho no mundo. Na canção de Paul MacCartney canta esse pássaro, tão humanamente eterno, manifestação legítima e libertária de toda arte.
Lindas, poesia e fotografia,Fernando!
ResponderExcluirÓtima semana!
beijo
Também gostei, querido amigo poeta.
ResponderExcluirAbraço.
não sei que fonte usou prá tradução, mas não consigo ler uma letra sequer, ficou bem pequena mesmo. conheço a música. é dentro desse lindo contexto mesmo que mencionou em cima.
ResponderExcluirvir aqui me tira da mesmice!! é sempre bom...
um abraço de boa semana, amigo fernando.
Melhorou agora, Ruby? Coloquei em tamanho maior, mas para mim ficou enorme aqui. Abraço.
ResponderExcluirficou sim. tamanho normal. obrigada. abç
ResponderExcluirLindo 'Pássaros', penso que essa eu ainda não tinha!
ResponderExcluirParabéns, tanto faz antiga ou nova, suas poesias são únicas!
E com esse novo complemento musical que estás fazendo, está realmente ímpar!
Kisses my brother in soul!
poeta querido,meu amigo aamdo, como sinto falta das nossas conversas literárias... dos seus textos por perto. De vez em quando venho aqui para ler-te e sempre me deleito!
ResponderExcluirBeijo, Aíla
A ausência como vassala: que rica metáfora; encantei-me.
ResponderExcluir«moedor de pedras» - adorei isto!
ResponderExcluirBeijo
Lindo!
ResponderExcluirQuem somos nós sem os pássaros que cantam fora e dentro de nós?
bjs
E a foto está especial! Que pássaro é esse?
ResponderExcluirOi, Sônia, onde eu tirei esta foto, numa cidade aqui perto de onde moro, eles a chamam de Maria Branca. Mas no sul do país chamam de Viuvinha mascarada, noivinha mascarada, etc.
ResponderExcluirObrigado a vc, como a todos que aqui sempre vêm, pela visita. Um abraço.
Como assim, se até eu consegui ouvir aqui os pássaros que cantam no teu quintal?
ResponderExcluirUm beijo, amigo Fernando.
Caro Fernando,
ResponderExcluirParabéns pelo seu excelente poema 'Pássaros'; e pela bela foto da Maria-branca (pássaro da família dos Tyrannídeos, by Fernando Campanella, que acabei de conhecer); e também pelo 'Boureé, de Bach, com Jethro Tull.
Quê se pode esperar de melhor?!
Forte abraço.
Que graça a fotografia do pássaro, Fernando! Um momento especial, mesmo.
ResponderExcluirAdorei a metáfora "ranger roldanas de hábitos e ossos".
Não conhecia Blackbird, mas gosto muito de Penny Lane!
Bjs.
♥
Caro Fernando: os sons musicais dos pássaros são bênçãos da natureza que nos encantam, nos motivam e, sem percebermos nos trazem paz e alegria. Seus cantos não cessam nem em cativeiro, mas nota-se uma certa tristeza, infelizmente. Nada tão gratificante como acordarmos ao som de um ser sem agressividade, que nasceu para cantar.
ResponderExcluirGostei muito. Voltarei sempre.
Bjs
Tais luso
Gostei muito, Fernando, da intrepretação de Jacinto Chiclana, na voz da cantora que está no YouTube, que você enviou.
ResponderExcluirA interpretação da cantora e do conjunto estão mais enquadrados na música moderna do Piazzolla; explico-me: a música criada para Jacinto Chiclana é, para os intérpretes, mais importante que a poesia de Borges, tanto que a parte recitada não foi incluída – e não apenas por esse motivo. Mas, para quem gosta da música de Piazzolla, dentre os quais me incluo, essa é uma excelente interpretação.
Já na interpretação de Edmundo Rivero dá-se o contrário: a ênfase está na poesia de Borges; Borges dá ao tema do poema, qual seja, a luta de punhais entre Jacinto e quem o ataca na esquina de uma rua, à noite, a necessária dramaticidade, dramaticidade essa que não pode prescindir do recitativo, como ocorre com a interpretação da cantora; mas não apenas a ausência do recitativo, a ausência da tensão contida na interpretação de Rivero na integralidade do poema.
Este o trecho que ficou fora da interpretação da cantora:
(Recitado)
“Nadie con paso más firme
habrá pisado la tierra.
Nadie habrá habido como él
en el amor y en la guerra.
Sobre la huerta y el patio
las torres de Balvanera
y aquella muerte casual
en una esquina cualquiera.”
Sem esse recitativo, o poema enfraquece, o que não acontece com a gravação de Edmundo Rivero, cantor cuja escolha por Piazzolla foi aprovada por Borges para cantar o seu poema.
Borges ensina que cada leitor cria seu livro, traduzindo o ato finito de escrever no ato infinito de ler, como lembra Carlos Fuentes em seu livro Geografia do Romance (ed. Rocco). O mesmo acontece com a poesia, penso, pois, para que a lê, o que importa é o que entende e o que sente o leitor, às vezes, bem distante do que sentiu e do que disse o poeta.
Então, caro Fernando, envio o endereço do YouTube com Jacinto Chiclana, com interpretação de Edmundo Rivero.
Mais abaixo, segue o endereço de um texto meu sobre Piazzolla.
http://www.youtube.com/watch?v=fTdztdLpJlk
http://panorama-direitoliteratura.blogspot.com/2008/06/astor-piazzolla-o-novo-tango.html
Grande abraço,
Pedro.
Grande sucesso a sua Maria Branca.
ResponderExcluirTenho vindo aqui todos os dias conferir...
O seu poema de 1987 e a música são imperdíveis
poeta. Parabéns!
*.*
São maravilhosas as palavras deste poema, mas quem os ouviu uma vez, sei que continuam a cantar no coração para sempre...
ResponderExcluirum abraço, lindo fim de semana
Uau!!! Conjunto perfeito!!! Demais, se lê dezenas de vezes de tao belo!!!! Conjunto magnifico! Parabéns...
ResponderExcluirA beleza é essencial. Penso que temos uma ideia dessa essencia da beleza nos pássaros.
ResponderExcluirA sua foto está belíssima, lembra bem, provoca esse encantamento dos pássaros em nós.
Abraços.