segunda-feira, 2 de novembro de 2009

MEMORIAL


Foto by Fernando Campanella*


Crucifixo à porta, detalhe da casa.
Foto by Fernando Campanella*


Aqueles túmulos me contam
que meus mortos vivem comigo,
que apenas deixaram seus invólucros

por algum tronco, suas vestes
pela estrada.

Um dia cantaremos também

como as cigarras, na memória.
Fernando Campanella


* Dez anos correram desde que primeiro vi esta casa das fotos, à beira de uma estrada em Heliodora, sul de MG. De sua atmosfera, da visão do crucifixo à sua porta, brotaram apenas, na época, estes versos:

Candeeiro à beira da estrada
Paisagens de neblinas e comas
Cheiram mimos de melissa
Dormem casas sombreadas...

E o poema permaneceu assim, inacabado, por anos. Em 2006 veio o seu arremate:

Candeeiro à beira da estrada
Paisagens de neblinas e comas
Cheiram mimos de melissa
Dormem casas sombreadas
Pupilas noturnas voam.

Coração circuspecto de Minas,
Bate em noite, bate em dia,
Abre uma artéria em mim.

No sábado passado, 31/10/2009, tive a oportunidade de revisitar o local. Com minha câmera à mão, pensei que seria uma excelente oportunidade para completar com um registro fotográfico esse ciclo de minha criação.

Parece haver uma lei tácita que determina aos poetas, assim como aos artistas, em geral, não discorrerem sobre suas obras. Cabe ao leitor encontrar seu caminho no labirinto de um poema, chegando, ou não, a uma luz final. Acredito, porém, que haja alguns segredos concernentes à poiesis ( neste caso o fazer, o criar poético) que, se revelados, acrescem o encanto dos versos que se criam.


Outros segredos permanecem, e, mesmo a quem escreve, talvez nunca sejam descerrados.

Fernando Campanella




6 comentários:

  1. Gostei muito de um pedaç do segredo revelado, o primeiro soneto guardado entre os papeis , adormecido,até o momento de novo encontro nova inspiração.
    Belo memorial.
    Abraços

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Fernando:
    Gostei desta ideia de poema reencontrado, desta atmosfera de memória e segredo. Os poemas: excelentes - assim fragmentados. A casa, bem, portuguesa levada pelo mar...
    Beijo

    *desculpe. Tive aqui um problema com o envio da postagem.

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  4. O melhor de tudo,
    para nós que percorremos os labirintos dos teus poemas,
    é que nem sempre o segredo se revela
    de uma vez por todas...
    o encontro entre poeta e o leitor se repete cada vez que se lê o verso. Isso é poesia...

    Bjs.

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  5. Tinha já visto onttem este texto, estas fotos. Estou saboreando ainda. As imagens quase ruínas. Lembram túmulos antigos. Lembram nossas vestes, mais, a pele da alma, invólucros que um dia despiremos.
    O que deixaremos de herança? O nosso canto de cigarra. Não apenas as casas grudadas nas ávores. O poema - algo de nossa alma.

    Mas falamos em cigarras. Estou me lembrando de que um dia, eu morava em Santos, litoral de São Paulo, lecionei 15 anos numa escola bem de frente ao mar, foi um período muito bom da minha vida... E um dia, passeando, felizmenfe com os óculos de sempre grudados à cara, não é que me veio uma cigarra num voo rasante, direta no olho. Podia ter arrancado o coitado, protegido pelos benditos óculos. Nunca mais lamentei esses anteparos grotescos, meus óculos.
    E a cigarra zunindo, estridulamente.

    Um abraço amigo, Campanella.

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