sábado, 10 de outubro de 2009

PEROBA (?) À LUZ DA TARDE


Foto by Fernando Campanella


Em minha postagem sobre a Peroba-branca, de alguns dias atrás, relatei como vim a saber o nome de minha companheira de caminhada de longa data. Procurei identificar através de sites especializados a veracidade da informação que um pescador me passou. Realmente a àrvore da foto assemelha-se a uma Peroba.

Porém, não satisfeito, em subsequentes caminhadas continuei indagando a transeuntes no local sobre o nome da mesma. Obtive outras respostas: alguém disse tratar-se de uma Samoa Ornamental, outro, de uma Tarumã, e ainda outro, de uma Pereira.

Creio que posso descartar as possibilidades quanta a árvore em questão ser uma Tarumã, ou Pereira: as fotos que vi destas em nada condizem com a imagem da foto. Quanto à Samoa, nada encontrei sobre essa árvore, desconhecida por mim, na Internet.

Fica o impasse. Peroba? Por enquanto fico com esse nome. Uma identificação , ou até uma confirmação, sobre a mesma seriam muito bem-vindas.

Mas o mais importante é um pouco desta luz da tarde que captei sobre a árvore. Luz indecifrável diante da qual as palavras se recolhem.

Fernando Campanella

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

E O CÉU TAMBÉM


Foto by Fernando Campanella

A terra
e meus diábolos
mais o amor
que move as sombras
e me toca os lábios -

tudo isso
e o céu também.*

Fernando Campanella

*'Tudo isso e o céu também' é o título de um best-seller escrito por Rachel Field, levado ao cinema na década de 1940, com Bette Davis e Charles Boyer como protagonistas. Confesso que não vi o filme, apenas assisti a uma adaptação teatral do livro apresentada pela extinta TV Tupi, na década de sessenta. Desde minha infância ficou-me o título como uma imagem poética de amplas possibilidades.

Fernando Campanella


segunda-feira, 5 de outubro de 2009

GRATIA GRATIS DATA


Foto by Fernando Campanella


"Gratia gratis data, unde et gratia nomiatur" [a graça é dada de graça, pelo que esse nome lhe é dado].

São Tomás de Aquino afirma que a graça divina é um dom gratuito, independente de nossos méritos. Santo Agostinho também insiste em que a graça não é dada pelo nosso merecimento, mas fruto da ação amorosa de Deus.

Heloisa Vilhena de Araujo, em seu estudo sobre a obra de Guimarães Rosa, pondera que o primeiro encontro de Riobaldo com Diadorim, quando ainda meninos, parece corresponder à gratia grátis data, ao auxílio da mão de Deus.
Relato de Riobaldo:

“Ele me deu a mão, para me ajudar a descer o barranco. (...) O menino tinha me dado a mão para descer o barranco(...) Se via que estava apreciando o ar do tempo, calado e sabido, e tudo nele era segurança em si. Eu queria que ele gostasse de mim (Grande Sertão: Veredas,p. 80-82)”.

Gratia gratis data, expressão que, sempre me vem à mente quando contemplo minúsculas flores esquecidas, espalhadas pelos campos. Em um texto de 1994, referindo-me a estas, escrevi:

"Deus, na criação mais pesada do mundo, não se esqueceu das delicadezas, delegando responsabilidades, encarregando sensíveis jardineiros ( daimons, ou devas das flores) da distribuição destas sublimes 'inutilidades' que se espalham pela terra, gratia gratis data."

Em um contexto de tantos ‘ismos’ ( relativismo, fanatismo, tecnicismo...) essa expressão ainda nos acena como um farol. O divino , ou sagrado, ainda entreabrindo-nos as portas, ainda operando em nós.

Seja na contemplação de grandes espetáculos da natureza, ou de uma minúscula flor, como a da foto acima; seja na valorização da vida, através da arte que nos redimensiona, no amor, na ascese dos místicos, na responsabilidade social, na compaixão, na ética, enfim, que nos salva, ou na própria constatação de nossa finitude, enquanto natureza humana, em tudo Deus aderit ( se faz presente), com sua graça.

A cantora e compositora argentina, Mercedes Sosa, que faleceu no dia quatro de outubro passado, agradeceu em seus versos por essa graça da vida concedida, entenda-se por Deus:

"Graças à vida que tem me dado tanto
Me deu dois luzeiros que quando os abro
Perfeitamente distingo ...
No alto céu seu fundo estrelado..."

Fernando Campanella

Editora Mandarim. São Paulo, 1966.

Aqui, o trecho da fala de Riobaldo em seu primeiro encontro com Diadorim:

“Aí pois, de repente, vi um menino, encostado numa árvore, pitando cigarro. Menino mocinho, pouco menos do que eu, ou devia de regular minha idade. Ali estava, com um chapéu-de-couro, de sujigola baixada, e se ria para mim. Não se mexeu. Antes fui eu que vim para perto dele. (...) Aquilo ia dizendo, e era um menino bonito, claro, com a testa alta e os olhos aos-grandes, verdes. (...) Mas eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobejo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo de que ele não se fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas, e assim como estava sendo, sem parolagem miúda, sem brincadeira — só meu companheiro amigo desconhecido. (...) Disse que ia passear em canoa. Não pediu licença ao tio dele. Me perguntou se eu vinha. Tudo fazia com um realce de simplicidade, tanto desmentindo pressa, que a gente só podia responder que sim. Ele me deu a mão, para me ajudar a descer o barranco. (...) O menino tinha me dado a mão para descer o barranco. Era uma mão bonita, macia e quente, agora eu estava vergonhoso, perturbado. O vacilo da canoa me dava um aumentante receio. Olhei: aqueles esmerados esmartes olhos, botados verdes, de folhudas pestanas, luziam um efeito de calma, que até me repassasse. Eu não sabia nadar. (...) Ele, o menino, era dessemelhante, já disse, não dava minúcia de pessoa outra nenhuma. Comparável um suave ser, mas asseado e forte — assim se fosse um cheiro bom sem cheiro nenhum sensível — o senhor represente. (...) Se via que estava apreciando o ar do tempo, calado e sabido, e tudo nele era segurança em si. Eu queria que ele gostasse de mim...

(Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, p. 80-82)”.

sábado, 3 de outubro de 2009

EFEMÉRIDES (OUTUBRO)


Sibipiruna,
foto by Fernando Campanella

Outubro in memoriam.
Sibipirunas em flor
davam o tom.

Outubros
a premência dos ciclos
sibipirunas em reflor.

Fernando Campanella

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

IMAGENS DO DIA


Peroba-branca na manhã,
Foto by Fernando Campanella
Peroba-branca ao pôr-do-sol,
Foto by Fernando Campanella

A árvore nas fotos acima de há muito tem sido minha cúmplice em caminhadas na tarde. As árvores das fotos acima, melhor dizendo, pois são seis troncos contíguos, de uma mesma espécie, agregando o que parece ser uma única copa esplendorosa.

Gosto de vê-las principalmente no final de agosto, início de setembro, com a estação do calor já se aproximando. Ao anúncio da primavera, sob uma certa luz poente, que só as tardes desses meses concedem, elas me trazem maior identidade à alma.

Hoje, caminhando pela manhã, novamente as vejo. Já estão com folhas novas, tão verdes, tilintando à luz do sol. São belas em qualquer hora do dia, sem dúvida, e até mesmo à noite devem ter seu encanto, sob a tíbia luz do luar.

Nunca indaguei por seu nome, porém na caminhada de hoje uma curiosidade enorme desperta-se em mim a esse respeito. Prometo a mim mesmo que não terminará a manhã sem que eu descubra como se chamam.

A resposta vem de um pescador, que passa por mim em sua bicicleta. Resposta imediata, clara como algo que sempre se soubera - Peroba Branca, árvore muito boa para móveis e caibros de telhados.

Ah, as minhas companheiras de caminhadas são então Perobas, gosto muito de saber isso. Árvores muito cortadas, infelizmnte, por sua condição de madeira de lei. Parentes da Peroba-Rosa...

Mundinho, mundão... Volto para casa com a estranha sensação de sempre ter sido um estrangeiro em minha própria terra. Sou capaz de nomear certas estrelas a milhares de anos-luz da terra, indiferentes no céu , porém o nome de minhas fiéis companheiras, tão famosas, por sinal, eu desconhecia.

Em minhas futuras caminhadas, cumprimentarei vocês pelo nome, minhas Perobas -Brancas. Acredito que esse deve ser mesmo o nome, pois o senhor da informação respondeu-me tão prontamente, com detalhes, parecendo ter conhecimento de causa. Mas saibam que se fossem Aroeiras, Angicos, Guatambus, etc. , não perderiam, absolutamente, o encanto que sempre instilaram em mim.

Fernando Campanella



segunda-feira, 28 de setembro de 2009

ESFÍNGICA


Sphinx Moth* on Celestial Lily, photo by Tony Western
http://www.flickr.com/photos/7380883@N02/


Devolve-me o livro da alma
que há muito me tomaste -
esfinge minha -
pois tu, somente tu, o escreves:
concedes-me a palavra por escudo
enquanto me devoras na entrelinha.

Fernando Campanella

*A mariposa esfingídea, ou mariposa-esfinge, da foto acima, é uma excelente voadora. Modificando o ângulo das asas, ela consegue pairar sobre as flores e sugar-lhes o néctar. Encontra-se em todas as regiões temperadas do mundo. Mantém a parte da frente do corpo ereta como uma esfinge. Suas larvas têm listras e pintas brilhantes.

Fonte: Vida Animal, Mariposa Esfingídea

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

MOTO


Horseshow Canyon, oeste de Drumheller, photo by Nancy Chow*

por que moer
a mesma pedra

por que a mesma esfera
sobre ossos
ad nauseam a girar?

nada mesmo de novo
sob o sol parece haver -
salvo um olhar

Fernando Campanella

*Congratulations, Nancy, for the beautiful photo above, a masterpiece, an absolutely breathtaking view, a fantastic capture of 70 million years of history, or Pre-History, for that matter.

(Parabéns, Nancy, pela linda foto acima, uma obra-prima, uma visão de tirar o fôlego, fantástica captura de setenta milhões de anos de história, ou Pré-História, melhor dizendo.)