quarta-feira, 25 de abril de 2012

VENTOS DO LESTE

Foto por Fernando Campanella

Com folhas de salgueiros
é como posso pagar
a vossa cortesia.
(Matsuo Bashô)

Esta viração de outono
me traz versos de Bashô.
Revolve memórias da terra -
aromas, pastos, rastelos -

traz também o viés da vida -
lume e cinza,
pétala ressequida.

Esta aragem nos salgueiros do leste
tocou  poetas longínquos
e hoje ressoa minhas hastes -

já não sou o grande pária do mundo,
ave dispersa na serrania.

Este sopro, de mais longe,
de outros píncaros e ares,
traduz-se agora em coisas minhas,
em paisagens do quintal

(e com folhas de laranjeiras
minha vez então a pagar
por tão primaz cortesia).

Fernando Campanella

quarta-feira, 28 de março de 2012

REPASTOS


Foto por Fernando Campanella

Penso nas vacas como num mundo cifrado -
a cosmogonia circunscrita das vacas.
Mas que sei de universos fechados?
Eu, que suposta ciência tenho da alma,
dissipo noites, a cismar.
Sei que os bezerros às vezes param, e me observam,
quando por sobre o muro de silêncio os contemplo -
uma súbita luz, então, elide o tempo.
Depois nada mais acontece
a não ser um delicado ruminar de bezerros
absolvendo a tarde de metafísicas inúteis.

Fernando Campanella

sexta-feira, 16 de março de 2012

ASSIM NA TERRA...


Foto por Fernando Campanella

Trago a cor da terra -
dos frutos bons e carcomidos
da terra.

Mas é na luz que transpareço,
que arquiteto meu abrigo.

Abro longes - Deus e silêncio
ainda falam comigo.

Fernando Campanella

domingo, 11 de março de 2012

JUBILAÇÃO


Foto por Fernando Campanella

Deus me deu um amor na madureza...
(Carlos Drummond de Andrade)

Concedeu-me Deus um amor aos cinquenta
quando Eros põe as barbas de molho
já transposto o vale das primícias
e das tormentas;

estendeu-me para leito o alvo linho,
acercou-me dos anjos de Jó,
deu-me calhas, de anteparo, para a tempestade.

Coroou-me de alvíssaras, no retorno,

e de minhas cismas fez um Éden redivivo -

pôs a arder em mim a chama exata
dos que não tomam o santo nome do tempo
em vão.

Para o gozo deu-me fruto e serpente,
e a vontade infinda, a fome grata de menino.

Fernando Campanella


sábado, 3 de março de 2012

O EU CONFESSO (FRAGMENTO)


Foto por Fernando Campanella

...Eu ando sozinha
no meio do vale.
Mas a tarde é minha...
(Canção da tarde no campo, Cecília Meireles)

Haverá um dia
em que alguém lerá meus versos
mas neles abstraído já não me acho.
Não um dia como este, de pretensões confessas,
quando tudo que fiz conta, ou não.
Ou não haverá hora e vez
para toda idiossincrasia.

Cria do tempo, escrevo e escapo.
Mas se me buscares, transpõe os versos,
encontra me lá, à fímbria da tarde,
quando pássaros voarem
sobre arrozais em flor.

Fernando Campanella

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

CABALLITOS DE MAR


Foto por Carlos Moreno, do blog: http://www.elmundo.es/

O teu silêncio é ave noturna,
pupila que de remotas torres vigia:
dos filhotes, já os trêmulos augúrios,
dos amantes,  a fome de rapina.


Tem algo abissal o teu silêncio,
pérola onde toda luz engasta:
dos cavalos do mar, o galope náutico
e as líquidas crinas,
das dorsais oceânicas, a geometria do assombro,
o sólido frontal encanto.


Atos litúrgicos, iluminuras, litanias,
o teu silêncio é ainda espargido incenso,
cinza imemorial e odora,
nave dos dissensos góticos que ergui.


(Melhor te amariam os olhos
que distraídos de mim te vissem.)

Fernando Campanella

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

ARTE-FINAL


Foto por Fernando Campanella

Desenho a melancolia
numa folha de papel.

Que minha dama de tediosa face
pudesse, de mim transposta,
tão graciosa sagrar-se,
eu não sabia.

Fernando Campanella



Abaixo, um vídeo com a alaudista Fernanda Bertinato, de Pouso Alegre, minha cidade.