quinta-feira, 29 de julho de 2010

ANTES QUE JULHO ACABE


Paina no solo....


Fazenda, com as paineiras ao fundo...



Fluida é a paina que envolve meus sonhos...


Paineiras e painas, fotos por Fernando Campanella

Antes que julho acabe, e as paineiras se esgotem, fica aqui um registro da bela árvore em fotos tiradas no domingo passado.
Julho é essa paineira que se esvai, porém as sementes se espalham, gerando outras árvores, dando seguimento ao capricho vital da natureza.
E em dezembro/janeiro as mesmas árvores, agora secas, estarão novamente carregadas de flores. O que se sente como despedida, ou morte, fica sendo apenas ensaio para renovação.
(Gosto de sentir que as partes não se perdem, que o Todo se mantém - eternidade retomada em ciclos.)

Fernando Campanella

O vídeo abaixo é um belo trabalho realizado por minha amiga Leila Laderzi em outubro de 2008 com fotos que eu tirava de minha região à época. Espero que apreciem.


domingo, 25 de julho de 2010

A CAPPELLA


Foto por Fernando Campanella

Minas de minhas almas,
eu te imagino em nome da mãe
e te embalo a capela
para que em mim sonhes

e já não me pesas
e já não me dóis

Fernando Campanella, 2010




terça-feira, 20 de julho de 2010

UM MUNDO, ENFIM...


Foto por Fernando Campanella

Se nascemos para o amor
para a celebração não oficial
da vida
não deixe, Deus, que eu me afogue
nas emboscadas de meus dissídios.
Venha a mim a energia das criaturas

simples e primitivas -
a centelha exata que relumbra
e inebria os pântanos e os párias -
um mundo, enfim,
sem ilhas nem mágoas.


Fernando Campanella, 1998




Clássico é clássico, ultrapassa toda pompa e circnustância. E tão bem nos diz isso o poeta metafísico inglês, John Donne (1572-1631), com sua meditação XVII. A mesma, em associação com a foto acima, me inspiraram hoje a palavra "ilha" inserida no poema "Um mundo, enfim", escrito em 1998.

Eis um excerto dessa belíssima meditação:


"...Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."

(John Donne, excerto da Meditação 17, tradução de Paulo Vizioli)



O vídeo escolhido para esta postagem apresenta-nos a música de Orlando Gibbons (Silver Swan), contemporâneo de John Donne. Gibbons, inclusive, e mais John Dowland e William Corkine, colocaram em música o poema 'Break of day', de Donne.




domingo, 18 de julho de 2010

IMAGENS DO DIA


Inflorescência do capim-gordura
Foto por Fernando Campanella


Flores do Cipó-de-São João
Foto por Fernando Campanella

As flores do capim-gordura e do cipó-de-São João, acima, são as eleitas, as figurinhas carimbadas, do meu inverno aqui no sul de Minas.

Difícil explicar a razão de minha escolha, a não ser que florescem em junho/julho. Mas outras flores, como as do muchoco, da pata-de-vaca, etc. também desabrocham nesssa estação. A seleção então ficaria, talvez, por conta de um certo estado de espírito, um vago anseio, uma necessidade de expressão que devem ter me acometido em algum ponto de meus invernos mais remotos.

Hoje elas aqui estão, em imagens, frutos de minha tentativa de criar alguma arte.

E deixo alguns versos que fiz há algum tempo, tendo recorrido a essas flores como símbolos de uma Minas mais interiorizada, com seus sertões, suas estradas bifurcando-se na alma:

Bananeira- do- brejo
capim-gordura
cipó-de-São João -
em transparências de tédio
a aquarela na tarde
é meu exílio de Minas.

Fernando Campanella


Vídeo: Lô Borges cantando 'Sonho real':

sexta-feira, 16 de julho de 2010

MÍNIMOS


Foto por Fernando Campanella


um sopro
‘ninguém viu
de onde vem
ninguém sabe
aonde vai’

um vírus
quase
nada

um
ponto
na
enseada

um quantum
envieza o olhar

uma artéria
e Roma não tem bocas
e Inês é folha morta

um dedo de luz
na chuva oblíqua
um arco de cores
instala

um vôo desanda a rota

ninhos desovam

um triz
frio polar
oceanos que resvalam

torres se movem
pés desarvoram

espelhos que descamam
não consigo me achar

um mínimo
e já não me sou

de repente
algo me sonha

Fernando Campanella


Pássaro solitário

As condições de um pássaro solitário são cinco:
. Primeiro, que ele voe ao ponto mais alto;
. Segundo, que ele não anseie por companhia,

nem mesmo de sua própria espécie;
. Terceiro, que dirija seu bico para os céus;

. Quarto, que não tenha uma cor definida e
. Quinto, que tenha um canto muito suave.
(San Juan de La Cruz, Dichos de Luz y Amor.)


Vídeo: Loreena Mckennitt cantando 'The Dark Night of the Soul',
versos de São João da Cruz.

terça-feira, 13 de julho de 2010

NAMORADEIRA


Foto por Fernando Campanella

se casou, se ficou donzela
só os ventos devem lembrar
a rapariga na janela
viu o trem de Minas passar
(Fernando Campanella)

"Nas cidades coloniais brasileiras era comum, em tempos passados, a moça na janela ficar para ver o moço passar, a dona de casa, da labuta do lar, exausta para a janela se dirigia a relaxar, o menino e a menina, para não ouvirem conversas alheias, à janela eram mandados, já as velhas, muito ao contrário, na janela, da vida alheia se inteiravam, enquanto de rosário na mão, rezavam. Era um tal de janelar, que não tinha pedra pôme, limão e açúcar, almofadinha ou coxim, que desse um jeito de proteger os cotovelos, dos calos que fatalmente denunciavam as janeleiras.

Hoje, embora nossas janelas, com grades muito altas ou muito grandes, não mais sirvam para se debruçar, a tradição se mantém viva nas namoradeiras, todas bem pintadinhas, loiras ou morenas, nas janelas ficam e esperam ser vistas sem sentirem o tempo passar..."
(O texto acima não é de minha autoria, foi extraído do site:


domingo, 11 de julho de 2010

D'OIRO


Reflexos de folhas no rio Sapucaí
Foto por Fernando Campanella

La realidad y la miseria me oprimen y, sin embargo, sueño todavia.
( Emile Zola)

Antes que o amor entristeça
e a sombra nos colha em seus laços
caminhemos, as mãos dadas, Lídia,
pela fímbria d'oiro destes jardins.

Fernando Campanella


Vídeo: banda irlandesa Clannad, apresentando 'Down by the Salley Gardens', canção tradicional da Irlanda, com versos de W.B. Yeats'.


DOWN BY THE SALLEY GARDENS

DOWN by the salley gardens my love and I did meet;
She passed the salley gardens with little snow-white feet.
She bid me take love easy, as the leaves grow on the tree;
But I, being young and foolish, with her would not agree.
In a field by the river my love and I did stand,
And on my leaning shoulder she laid her snow-white hand.
She bid me take life easy, as the grass grows on the weirs;
But I was young and foolish, and now am full of tears.
(William Butler Yeats)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

EFEMÉRIDES (JUNHO)


Araucária, foto por Fernando Campanella

Estamos num lugar de Junho
e qualquer sinal de ausência
é apenas um veleiro
que partiu de nossos dedos.
(Graça Pires)


Junho é um grasnar solitário
é uma gralha
que ao colo da Araucária retorna.

As garras da ave, desprendidas do dia,
soltam as sementes que meus olhos
em silêncio recolhem.

Fernando Campanella

O poema acima foi postado neste blog em Junho do ano passado. Faz parte de uma série de poemetos, Efemérides, que homenageia uma árvore em cada mês. A escolha da mesma se deve algumas vezes ao florescimento em sua estação própria; outras vezes é um certo estado de espírito que determina a associação, como no caso da Araucária, escolhida para o mês do início oficial do inverno no Brasil.
Eu deveria ter postado esse poema no mês de Junho deste ano. Só o faço agora para apresentá-lo aos novos amigos que me visitam. Acredito que os amigos antigos que dele gostaram apreciarão uma releitura.
Esta postagem ganhou uma nova foto de uma Araucária (acima), tirada em Junho passado.
Os versos de Graça Pires que servem de epígrafe ao meu poema encontram-se no comentário que minha querida amiga poeta de Portugal fez ao mesmo na época da primeira postagem.


Os vídeos escolhidos para esta postagem trazem um excelente compositor e violonista brasileiro, radicado na Noruega, que acabo de descobrir, o Eduardo Agni. As músicas são 'Pérola' e 'Oriki', maravilhas.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

EFEMÉRIDES (JULHO)



Julho é uma paineira que se esvai.



Meu coração tem tempos assim
ora em flor
ora a se dissipar.



Fluida é a paina
que envolve meus sonhos
sementes aéreas que nem os ventos
sabem aonde vão dar.

Fernando Campanella
(Paineira, fotos por Fernando Campanella)

Vídeo: "Farewell to Stromness", de Peter Maxwell Davies, por LAGQ