sexta-feira, 18 de setembro de 2009

VISLUMBRE


Foto by Fernando Campanella


Se existe uma metáfora ou mesmo uma técnica
para a gradual apreensão de Deus
seja a de meu lento aproximar de pássaros
quando para uma manhã de fotografias eu saio.

Sabiá pousado, primeiro disparo, depois três passos,
segunda tomada, mais três, e, em série registrando,
me achego até onde a ave o permita,
demarcado entre nós o intransponível espaço.

Após o vôo alçado, vou conferir as mais límpidas faces
da maravilha outorgada, em fotos.
Tal meu artifício para explorar esses reinos
de que os humanos foram há ‘eons’ alijados.

Talvez um dia, na inesgotável alquimia dos tempos,
o pássaro, como Deus, de mim não mais escape
e eu revele sua melhor, definitiva face.

Ou, quem sabe, rasgue a ave o círculo,
e para os domínios do eterno me conduza
nas fímbrias de suas transparecidas asas.

Talvez... mas não haja pressa. Dêem-me os céus
a infinita paciência daquele eremita dos montes:

em minha caverna mais funda,
no burburinho de minhas fontes,
a incomensurável graça
de captar tais vislumbres alados
por ora então me baste.


Fernando Campanella

domingo, 13 de setembro de 2009

IMAGENS DO DIA


Foto by Fernando Campanella
14980862@N03/ (Reduced, reduzida)

Na foto, acima, postada no sábado por Nancy Chow, no Flickr, temos uma vista dos arredores de Calgary, Canadá. Em nota descritiva, a fotógrafa informa: “ as árvores nos arredores de Calgary já começam a mudar de cores”. O outono já bate às portas do hemisfério norte.

Além da delicadeza e da poesia cênica que a imagem transmite, o que me chamou a atenção na foto de Nancy foi sua semelhança com uma foto minha, postada logo acima da foto de Nancy. Há como que suaves pinceladas de um aquerelista em ambas.

Creio que Nanci, como eu, deve ter ficado muito feliz com o resultado de sua imagem. São raros os momentos em que a fotografia extrapola seus limites, seu campo mais objetivo, superando a expectativa do fotógrafo, transformando-se em algo tão inefável assim.

Uma alma de artista agradece por esses raros momentos.


Fernando Campanella









sexta-feira, 11 de setembro de 2009

UM POEMA EM INGLÊS E SUA TRADUÇÃO



FALLING STAR

Raise thy longings to me
I sparkle when the day is asleep
And frolicking birds are lain -

Even when the Aldebarans are blinded
And thy solid moons seem to wane,
Rise, never tire, plead on me -

Plead, on the very mercy of a sentry
Who sensing the wants of your heart
Would leave somber cells unattended
And massive night portals ajar.

Fernando Campanella

ESTRELA CADENTE

Ergue teu anelo a mim
Eu lampejo quando o dia adormece
E aves buliçosas já vão repousar -

Mesmo quando as Aldebarans se cegam
E tuas sólidas luas parecem minguar,
Eleva-te, nunca te canses, pede a mim -

Pede, à clemência mesma de um guardião
Que enternecido de tuas penúrias
Te livrasse da cela escura, do açoite,
Deixando entreabertos
Os maciços portais da noite.

Fernando Campanella

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

MINAS E NOMES


Capela de São Domingos
Foto by Antonio Carlos Januário*


Seria Minas

...mais devota em capelinha
mais devassa em babilônia
mais barroca em marianas
mais latina in 'vino veritas'

mais tupi em airuoca


mais sincrética
em nossas senhoras
de sabarabuçu?...

(Trecho do poema Minas e Nomes (Amor-perfeito)
by Fernando Campanella)


* Meus parabéns a Antonio Carlos pelo espírito de Minas tão poeticamente captado na foto acima. Uma Minas que, às vezes penso, só existe nas almas sensíveis que teimam em buscá-la. E a encontram assim, singela e discreta jóia, como nessa foto.
Obrigado, my dearest friend.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

SOBRE AS HORAS


Pintura de Claude Monet
bp3.blogger.com/.../s320/monet+nuvem+barco.jpg

porto é lugar da memória
atrelemos o desejo às ondas -

somos barcos, frágeis barcos
sobre as horas

Fernando Campanella

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

DA PÁTRIA


Pátria: educação e saúde a todos.
(Foto by Fernando Campanella)


(Dedico o texto abaixo, escrito hoje, sete de setembro de 2009, ao meu caríssimo amigo em poesia, José Carlos Brandão.)



Neste dia da Pátria, examinemos alguns chavões que vêm acompanhando, ao longo de nossa história, a nossa mãe gentil:

- Dos descobridores tivemos: ‘...em se plantando (em terra brasilis) tudo dá.' Estavam certos os navegantes. De azeitonas a abacaxis, de cerejeiras a Flamboyants... Mas melhor reconsiderarmos o uso dos agrotóxicos.

- De Charles de Gaulle, ouvimos, supostamente, a pérola: ‘O Brasil não é um país sério.’ Ironicamente, se o fôssemos, sr. estadista, não teríamos entregado nosso ouro, teríamos estabelecido colônias na África e na América.

- Do ufanismo, a máxima: ‘O Brasil será o celeiro do mundo.’ Melhor seria, senhores ufanistas, que nosso país fosse celeiro de si próprio, em primeira instância, pois assim eliminaríamos nossos bolsões de Biafras e Haitis.

-Da ditadura: ‘Brasil, ame-o ou deixe-o.’ Os formuladores dessa bravata realmente não conseguem entender que são os próprios políticos que dão ‘bye-bye’ ao país, refugiando-se em seus paraísos fiscais, os primeiros a deixarem para trás nosso país como um modelo de pátria.


Dos ecologistas: 'A amazônia é o pulmão do mundo'. Muita responsabilidade para esse 'pulmão' arcar com a poluição de todo um planeta, incluso o Brasil.

-Do futebol: ‘Pra frente, Brasil!’ Está certo, sempre pra frente, sem nos esquecermos de que futebol e carnaval não solucionam os problemas de uma nação. Atrás vem injustiça, e gente.

-Do nosso imaginário: ‘Deus é Brasileiro.’ Que maravilha, porém os ‘milagres’ de saúde pública e educação para todos ainda não aconteceram por aqui.

-Da geografia: ‘O Brasil é um país sem cataclismos, sem grandes desastres naturais.’ Sim, porém o clima e a terra também se ressentem de tanto abuso, e maus tratos.

- E, finalmente, da voz geral: ‘O Brasil é um país do futuro.’ Há anos ouço tal previsão. Espero que eu não morra sem vê-la cumprida.

E por falar em país do futuro, vamos torcer para que o ‘Pré-Sal’, não seja mais um ufanismo brasileiro, mais um motivo para entreguismo, ou mais um bolo jamais repartido. E, com tanto petróleo a ser descoberto em nossas águas, que o Iraque não venha a ser aqui.

Feliz dia da Pátria a todos.








Fernando Campanella, 07 de setembro de 2009.





DO MUNDO


Foto by Ana Pires*

...somos frágeis barcos sobre as horas.
(Fernando Campanella)

Vão, que já não são meus
os filhos, os versos, a estória.
Comigo não ficam meus passos
nem o desenho do corpo.

Vão os que do mundo vieram:
as folhas, os porres, os cansaços.

Se depositamos guirlandas e lágrimas
aos pés deste Deus, meu amor,
nossos tesouros já não ficam ensismemados.

Vão, pois,
fiquem vazios nossos barcos
por tamanha generosa partida.

E para tantos outros encontros
solte-se a órbita do peito no espaço.

Fernando Campanella , 1988

*Ana Pires, autora da bela foto acima, é filha de minha amiga-poeta Graça Pires.