I Setenta vezes sete vezes o céu mudou de tom nas impermanências do dia. Mas e então? Melhor, para além da retina, ser a cor. Talvez assim alguma diferença faça que num ponto A do universo uma supernova exploda na mais gritante, inconsequente alquimia. Fernando Campanella, 1989 II ...bebo a luz, traço a alma, eu sou o impressionista itinerante então nem me perguntes por quais geografias me espalho meus olhos são câmeras mimadas, meus pincéis, artífices do instante. ( Fernando Campanella, trecho do poema 'Impressionista', 2007)
Deixa-me beber do liberado vinho entoar meu íntimo canto que a opressão dentro de mim dói e quero a plenitude dos campos dos gansos de arribação que me fique o espaço para ouvir o vento e o silêncio que o vento assopra nos interstícios das águas - não quero asas desjuntas- deixa-me o corpo em vida, e a fantasia , para que das vias torpes não desfolhe eu apenas as pétalas frias deixa-me ser o que somos , amplamente, na multidão dissonante dos eus deixa-me assim até que te perceba e apaziguado te toque e minhas águas ordenarão seu curso e minhas ilhas já não serão sem braços. (Fernando Campanella, 1988)
...Não arranque as asas dele, João Jiló, porque dói e dói... (Trecho da composição 'João Jiló', por Maurício Tizumba)
Te disseram que Maria era bela? Afunda nela, afunda nela. Te ensinaram que a vida era dom? Desaprende, desaprende: nada de graça a graça da vida te rende. Que dó: viver dói, dói, João Jiló. Fernando Campanella
Agosto chegando, retorno àquele terreno baldio da rua Alvarenga Peixoto na expectativa de que seus ipês amarelos já tenham florido.
São duas árvores muito altas, ipês de mata atlântica, plantados há mais de cinquenta anos, que entre julho e agosto explodem em florescências. E trazem vida não apenas àquela rua, como também a outras, paralelas, as quais igualmente trazem nomes de vultos da Inconfidência Mineira, como Tomás Antonio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa.
Já há três anos bato meu ponto fotográfico naquele local nesta época. Tomado pela exuberância daquele espetáculo visual, esbanjei cliques, sempre em busca do melhor ângulo, da melhor composição para minhas imagens.
Hoje, porém, as árvores não se encontram mais lá. Estão construindo um condomínio no terreno. Um morador da rua me informou que serão erguidos três blocos de apartamentos no local. O IBAMA perdeu a batalha para os empreendedores da especulação imobiliária.
Tristeza, mais que decepção, foi o que senti. Acredito que os moradores do bairro tenham experimentado o mesmo sentimento, pois quando eu lá fotografava, em outros anos, sempre vinha alguém para comentar sobre a beleza daquelas flores. Talvez não saibamos, como diz Drummond no poema 'A rua diferente', que 'a vida tem dessas exigências brutas'.
Há muito o que se dizer sobre o corte desses ipês, e de outras espécies, um fato não isolado. As cidades crescendo (inchando) e a convivência cada vez mais difícil da natureza com espaços urbanos no Brasil, por exemplo. Mas fico com minha visão pessoal, pois sinto que a rua, o bairro e a cidade, por extensão, ficaram mais pobres, mais chulos, sem aquelas árvores.
E pondero, talvez ingênuo, que, ao invés de três blocos de apartamentos, poderiam construir apenas dois, preservando-se assim aqueles monumentos naturais, o que valorizaria o ambiente , entre os meses de julho e agosto principalmente. E o condomínio seria sempre visitado pelos pássaros.
Mas vá lá, muita gente não se sente assim tão confortável 'in natura': árvores sujam e pássaros perturbam. E faz parte de nossa cultura sermos alheios aos poderes administrativos, não termos consciência, nem voz, para lutar por uma urbanização mais equilibrada.
As ruas daquele bairro, ironicamente, têm nomes de poetas árcades, pastorais, amantes da natureza, sobre os quais muitos de seus moradores talvez jamais tenham ouvido falar. Mas os ipês, esses todos conheciam e admiravam. Alegravam olhos e almas dos transeuntes com a prodigalidade de suas flores, razão insofismável para lá permanecerem.
De qualquer maneira, as fotos que tirei podem servir como um réquiem ou um registro fiel dos últimos anos de vida daquelas belíssimas árvores.
Diante do fato ocorrido, só me resta expressar dois desejos: que possamos ainda recuperar parte de nossa identidade natural, tão abalada pela inconsciência e excessos de nossa civilização, e que não deem, em hipótese alguma, àqueles blocos de apartamentos, quando erguidos, o nome de 'Condomínio dos Ipês'.
Fernando Campanella
Ipês da rua Alvarenga Peixoto, por Fernando CampanellaFotos tiradas em Agosto de 2008.
Abaixo, um belo vídeo realizado por minha amiga do Facebook, Angela Lago, escritora e ilustradora, com a música de Giuseppe Tartini.