domingo, 28 de agosto de 2011

IMPRESSÕES (DOIS POEMAS NO TEMPO)


Foto por Fernando Campanella

I

Setenta vezes sete vezes
o céu mudou de tom
nas impermanências do dia.

Mas e então?

Melhor, para além da retina,
ser a cor.

Talvez assim alguma diferença faça
que num ponto A do universo
uma supernova exploda
na mais gritante, inconsequente
alquimia.

Fernando Campanella, 1989

II

...bebo a luz, traço a alma,
eu sou o impressionista itinerante

então nem me perguntes
por quais geografias me espalho

meus olhos são câmeras mimadas,
meus pincéis, artífices do instante.

( Fernando Campanella, trecho do poema 'Impressionista', 2007)




domingo, 21 de agosto de 2011

E MINHAS ÁGUAS ORDENARÃO SEU CURSO


Foto por Gaëtan Bourque, do Flickr.

Deixa-me beber do liberado vinho
entoar meu íntimo canto
que a opressão dentro de mim dói
e quero a plenitude dos campos
dos gansos de arribação

que me fique o espaço para ouvir o vento
e o silêncio que o vento assopra
nos interstícios das águas

- não quero asas desjuntas-
deixa-me o corpo em vida, e a fantasia ,
para que das vias torpes não desfolhe eu
apenas as pétalas frias

deixa-me ser o que somos , amplamente,
na multidão dissonante dos eus

deixa-me assim até que te perceba
e apaziguado te toque

e minhas águas ordenarão seu curso
e minhas ilhas já não serão sem braços.

(Fernando Campanella, 1988)

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

JOSHUA TREE (ÁRVORE DE JOSUÉ)


The Joshua tree, foto da Wikepedia

sol cáustico na veia
areia na epiderme


a palavra na pele, meu cactus

Fernando Campanella

The Joshua tree, foto da Wikepedia

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

JOÃO, MARIA (E O VIVER)


Imagem do blog 'Atividades Educativas'
http://atividadeescolar.blogspot.com/

...Não arranque as asas dele,
João Jiló, porque dói e dói...

(Trecho da composição 'João Jiló', por Maurício Tizumba)

Te disseram que Maria era bela?
Afunda nela, afunda nela.

Te ensinaram que a vida era dom?
Desaprende, desaprende:
nada de graça a graça da vida te rende.

Que dó:
viver dói, dói, João Jiló.

Fernando Campanella

domingo, 31 de julho de 2011

OS IPÊS DA ALVARENGA PEIXOTO



Agosto chegando, retorno àquele terreno baldio da rua Alvarenga Peixoto na expectativa de que seus ipês amarelos já tenham florido.

São duas árvores muito altas, ipês de mata atlântica, plantados há mais de cinquenta anos, que entre julho e agosto explodem em florescências. E trazem vida não apenas àquela rua, como também a outras, paralelas, as quais igualmente trazem nomes de vultos da Inconfidência Mineira, como Tomás Antonio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa.

Já há três anos bato meu ponto fotográfico naquele local nesta época. Tomado pela exuberância daquele espetáculo visual, esbanjei cliques, sempre em busca do melhor ângulo, da melhor composição para minhas imagens.

Hoje, porém, as árvores não se encontram mais lá. Estão construindo um condomínio no terreno. Um morador da rua me informou que serão erguidos três blocos de apartamentos no local. O IBAMA perdeu a batalha para os empreendedores da especulação imobiliária.

Tristeza, mais que decepção, foi o que senti. Acredito que os moradores do bairro tenham experimentado o mesmo sentimento, pois quando eu lá fotografava, em outros anos, sempre vinha alguém para comentar sobre a beleza daquelas flores. Talvez não saibamos, como diz Drummond no poema 'A rua diferente', que 'a vida tem dessas exigências brutas'.

Há muito o que se dizer sobre o corte desses ipês, e de outras espécies, um fato não isolado. As cidades crescendo (inchando) e a convivência cada vez mais difícil da natureza com espaços urbanos no Brasil, por exemplo. Mas fico com minha visão pessoal, pois sinto que a rua, o bairro e a cidade, por extensão, ficaram mais pobres, mais chulos, sem aquelas árvores.

E pondero, talvez ingênuo, que, ao invés de três blocos de apartamentos, poderiam construir apenas dois, preservando-se assim aqueles monumentos naturais, o que valorizaria o ambiente , entre os meses de julho e agosto principalmente. E o condomínio seria sempre visitado pelos pássaros.

Mas vá lá, muita gente não se sente assim tão confortável 'in natura': árvores sujam e pássaros perturbam. E faz parte de nossa cultura sermos alheios aos poderes administrativos, não termos consciência, nem voz, para lutar por uma urbanização mais equilibrada.

As ruas daquele bairro, ironicamente, têm nomes de poetas árcades, pastorais, amantes da natureza, sobre os quais muitos de seus moradores talvez jamais tenham ouvido falar. Mas os ipês, esses todos conheciam e admiravam. Alegravam olhos e almas dos transeuntes com a prodigalidade de suas flores, razão insofismável para lá permanecerem.

De qualquer maneira, as fotos que tirei podem servir como um réquiem ou um registro fiel dos últimos anos de vida daquelas belíssimas árvores.

Diante do fato ocorrido, só me resta expressar dois desejos: que possamos ainda recuperar parte de nossa identidade natural, tão abalada pela inconsciência e excessos de nossa civilização, e que não deem, em hipótese alguma, àqueles blocos de apartamentos, quando erguidos, o nome de 'Condomínio dos Ipês'.

Fernando Campanella


Ipês da rua Alvarenga Peixoto, por Fernando Campanella
Fotos tiradas em Agosto de 2008.

Abaixo, um belo vídeo realizado por minha amiga do Facebook, Angela Lago, escritora e ilustradora, com a música de Giuseppe Tartini.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

UNIVERSO


Campo de mostarda
Foto por Fernando Campanella


o belo sopra e germina os grãos
(Jorge Bichuetti)

um sopro, quase nada

a mínima luz
num grão de mostarda


Fernando Campanella

domingo, 10 de julho de 2011

CURT0S


Foto por Fernando Campanella

"Há uma só lei da Existência
sob a esfera luminosa:
partilham da mesma essência
homem, estrela, ave e rosa."
(Augusto de Lima, Poesias, p.55)

I

MAIS TARDE, AINDA É MADRUGADA

Os pássaros mais espertos
voltaram aos ninhos
após verem a geada.

II

NEURÔNIOS

A vaidade me cansa
sou velho o bastante
para me tornar criança.

III

MANTIQUEIRA

Luar sobre a noite vasta -
que bicho me coça ? -
contemplação não me basta.

IV

ALDEIA, RAPARIGAS, TRIGAIS...

O rio que passa por entre as palavras
é quando, sempre, e nunca mais.

(Fernando Campanella)