um sopro ‘ninguém viu de onde vem ninguém sabe aonde vai’
um vírus quase nada
um ponto na enseada
um quantum envieza o olhar
uma artéria e Roma não tem bocas e Inês é folha morta
um dedo de luz na chuva oblíqua um arco de cores instala
um vôo desanda a rota
ninhos desovam
um triz frio polar oceanos que resvalam
torres se movem pés desarvoram
espelhos que descamam não consigo me achar
um mínimo e já não me sou
de repente algo me sonha
Fernando Campanella
Pássaro solitário
As condições de um pássaro solitário são cinco: . Primeiro, que ele voe ao ponto mais alto; . Segundo, que ele não anseie por companhia, nem mesmo de sua própria espécie; . Terceiro, que dirija seu bico para os céus; . Quarto, que não tenha uma cor definida e . Quinto, que tenha um canto muito suave. (San Juan de La Cruz, Dichos de Luz y Amor.) Vídeo: Loreena Mckennitt cantando 'The Dark Night of the Soul', versos de São João da Cruz.
"Nas cidades coloniais brasileiras era comum, em tempos passados, a moça na janela ficar para ver o moço passar, a dona de casa, da labuta do lar, exausta para a janela se dirigia a relaxar, o menino e a menina, para não ouvirem conversas alheias, à janela eram mandados, já as velhas, muito ao contrário, na janela, da vida alheia se inteiravam, enquanto de rosário na mão, rezavam. Era um tal de janelar, que não tinha pedra pôme, limão e açúcar, almofadinha ou coxim, que desse um jeito de proteger os cotovelos, dos calos que fatalmente denunciavam as janeleiras.
Hoje, embora nossas janelas, com grades muito altas ou muito grandes, não mais sirvam para se debruçar, a tradição se mantém viva nas namoradeiras, todas bem pintadinhas, loiras ou morenas, nas janelas ficam e esperam ser vistas sem sentirem o tempo passar..."
(O texto acima não é de minha autoria, foi extraído do site:
La realidad y la miseria me oprimen y, sin embargo, sueño todavia.
( Emile Zola)
Antes que o amor entristeça
e a sombra nos colha em seus laços
caminhemos, as mãos dadas, Lídia,
pela fímbria d'oiro destes jardins.
Fernando Campanella
Vídeo: banda irlandesa Clannad, apresentando 'Down by the Salley Gardens', canção tradicional da Irlanda, com versos de W.B. Yeats'.
DOWN BY THE SALLEY GARDENS
DOWN by the salley gardens my love and I did meet; She passed the salley gardens with little snow-white feet. She bid me take love easy, as the leaves grow on the tree; But I, being young and foolish, with her would not agree. In a field by the river my love and I did stand, And on my leaning shoulder she laid her snow-white hand. She bid me take life easy, as the grass grows on the weirs; But I was young and foolish, and now am full of tears. (William Butler Yeats)
Estamos num lugar de Junho e qualquer sinal de ausência é apenas um veleiro que partiu de nossos dedos. (Graça Pires)
Junho é um grasnar solitário é uma gralha que ao colo da Araucária retorna. As garras da ave, desprendidas do dia, soltam as sementes que meus olhos em silêncio recolhem.
Fernando Campanella
O poema acima foi postado neste blog em Junho do ano passado. Faz parte de uma série de poemetos, Efemérides, que homenageia uma árvore em cada mês. A escolha da mesma se deve algumas vezes ao florescimento em sua estação própria; outras vezes é um certo estado de espírito que determina a associação, como no caso da Araucária, escolhida para o mês do início oficial do inverno no Brasil.
Eu deveria ter postado esse poema no mês de Junho deste ano. Só o faço agora para apresentá-lo aos novos amigos que me visitam. Acredito que os amigos antigos que dele gostaram apreciarão uma releitura.
Esta postagem ganhou uma nova foto de uma Araucária (acima), tirada em Junho passado.
Os versos de Graça Pires que servem de epígrafe ao meu poema encontram-se no comentário que minha querida amiga poeta de Portugal fez ao mesmo na época da primeira postagem.
Os vídeos escolhidos para esta postagem trazem um excelente compositor e violonista brasileiro, radicado na Noruega, que acabo de descobrir, o Eduardo Agni. As músicas são 'Pérola' e 'Oriki', maravilhas.
Meu coração tem tempos assim ora em flor ora a se dissipar.
Fluida é a paina que envolve meus sonhos sementes aéreas que nem os ventos sabem aonde vão dar. Fernando Campanella (Paineira, fotos por Fernando Campanella)
Vídeo: "Farewell to Stromness", de Peter Maxwell Davies, por LAGQ
Lá vem o mágico da Cia. das cores da estrepolia dos sons que rima coração com abóbora e reconcerta os tons.
Quanto lhe dão por um assombro de imagem, pela pantomina dos sonhos? (Talvez o mundo, um ‘ não, obrigado’ Ou um pontapé no selim.)
Que importa? O mago o que é? É ladrão de beleza, é revelia.
É também clown que pirueta a tristeza solta pum e cheira a capim.
Fernando Campanella, 1998
Pesquisando vídeos para esta postagem, deparei-me com 'Panis et Circenses', dos Mutantes, e ouvindo a música foi todo um passado ( final da década de sessenta/início dos anos setenta) despertando em mim. Que poder tem a música de evocar vivências! No caso especial dessa canção ouvida hoje foram uma época, um sentimento de mim, do mundo, reavivados.
Tempos tenebrosos aqueles no Brasil, politicamente falando. A ditadura em pleno domínio de corpos e mentes. E, na contrapartida, a mais bela irreverência e a renovação na MPB, com as presenças de Caetano, Gil, Gal, Bethania, Chico Buarque, Vandré, Ney Matogrosso, Os Mutantes...
Bem-vindas foram a juventude e a coragem daquela arte, trazendo a leveza, e também o protesto, a contestação dos valores autoritários arraigados na mentalidade patriarcal de nosso país.
Houve mudanças desde então: abertura política, outras visões e posturas. Porém, muito há, ainda, por se fazer, , a evolução, segundo me parece, é um processo, não um fim em si própria.
'Panis et Circenses' permanece incrivelmente jovem, tão válida naqueles tempos como agora. Nos dois vídeos aqui apresentados, temos duas leituras mais atuais da música dos Mutantes. O primeiro nos traz um ótimo trabalho feito por alunos da Univali (Universidade do Vale do Itajaí); o segundo é um vídeoclipe com a interpretação de Marisa Monte.
A arte não tem idade, e que assim seja com nossos corações.