sexta-feira, 16 de julho de 2010

MÍNIMOS


Foto por Fernando Campanella


um sopro
‘ninguém viu
de onde vem
ninguém sabe
aonde vai’

um vírus
quase
nada

um
ponto
na
enseada

um quantum
envieza o olhar

uma artéria
e Roma não tem bocas
e Inês é folha morta

um dedo de luz
na chuva oblíqua
um arco de cores
instala

um vôo desanda a rota

ninhos desovam

um triz
frio polar
oceanos que resvalam

torres se movem
pés desarvoram

espelhos que descamam
não consigo me achar

um mínimo
e já não me sou

de repente
algo me sonha

Fernando Campanella


Pássaro solitário

As condições de um pássaro solitário são cinco:
. Primeiro, que ele voe ao ponto mais alto;
. Segundo, que ele não anseie por companhia,

nem mesmo de sua própria espécie;
. Terceiro, que dirija seu bico para os céus;

. Quarto, que não tenha uma cor definida e
. Quinto, que tenha um canto muito suave.
(San Juan de La Cruz, Dichos de Luz y Amor.)


Vídeo: Loreena Mckennitt cantando 'The Dark Night of the Soul',
versos de São João da Cruz.

terça-feira, 13 de julho de 2010

NAMORADEIRA


Foto por Fernando Campanella

se casou, se ficou donzela
só os ventos devem lembrar
a rapariga na janela
viu o trem de Minas passar
(Fernando Campanella)

"Nas cidades coloniais brasileiras era comum, em tempos passados, a moça na janela ficar para ver o moço passar, a dona de casa, da labuta do lar, exausta para a janela se dirigia a relaxar, o menino e a menina, para não ouvirem conversas alheias, à janela eram mandados, já as velhas, muito ao contrário, na janela, da vida alheia se inteiravam, enquanto de rosário na mão, rezavam. Era um tal de janelar, que não tinha pedra pôme, limão e açúcar, almofadinha ou coxim, que desse um jeito de proteger os cotovelos, dos calos que fatalmente denunciavam as janeleiras.

Hoje, embora nossas janelas, com grades muito altas ou muito grandes, não mais sirvam para se debruçar, a tradição se mantém viva nas namoradeiras, todas bem pintadinhas, loiras ou morenas, nas janelas ficam e esperam ser vistas sem sentirem o tempo passar..."
(O texto acima não é de minha autoria, foi extraído do site:


domingo, 11 de julho de 2010

D'OIRO


Reflexos de folhas no rio Sapucaí
Foto por Fernando Campanella

La realidad y la miseria me oprimen y, sin embargo, sueño todavia.
( Emile Zola)

Antes que o amor entristeça
e a sombra nos colha em seus laços
caminhemos, as mãos dadas, Lídia,
pela fímbria d'oiro destes jardins.

Fernando Campanella


Vídeo: banda irlandesa Clannad, apresentando 'Down by the Salley Gardens', canção tradicional da Irlanda, com versos de W.B. Yeats'.


DOWN BY THE SALLEY GARDENS

DOWN by the salley gardens my love and I did meet;
She passed the salley gardens with little snow-white feet.
She bid me take love easy, as the leaves grow on the tree;
But I, being young and foolish, with her would not agree.
In a field by the river my love and I did stand,
And on my leaning shoulder she laid her snow-white hand.
She bid me take life easy, as the grass grows on the weirs;
But I was young and foolish, and now am full of tears.
(William Butler Yeats)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

EFEMÉRIDES (JUNHO)


Araucária, foto por Fernando Campanella

Estamos num lugar de Junho
e qualquer sinal de ausência
é apenas um veleiro
que partiu de nossos dedos.
(Graça Pires)


Junho é um grasnar solitário
é uma gralha
que ao colo da Araucária retorna.

As garras da ave, desprendidas do dia,
soltam as sementes que meus olhos
em silêncio recolhem.

Fernando Campanella

O poema acima foi postado neste blog em Junho do ano passado. Faz parte de uma série de poemetos, Efemérides, que homenageia uma árvore em cada mês. A escolha da mesma se deve algumas vezes ao florescimento em sua estação própria; outras vezes é um certo estado de espírito que determina a associação, como no caso da Araucária, escolhida para o mês do início oficial do inverno no Brasil.
Eu deveria ter postado esse poema no mês de Junho deste ano. Só o faço agora para apresentá-lo aos novos amigos que me visitam. Acredito que os amigos antigos que dele gostaram apreciarão uma releitura.
Esta postagem ganhou uma nova foto de uma Araucária (acima), tirada em Junho passado.
Os versos de Graça Pires que servem de epígrafe ao meu poema encontram-se no comentário que minha querida amiga poeta de Portugal fez ao mesmo na época da primeira postagem.


Os vídeos escolhidos para esta postagem trazem um excelente compositor e violonista brasileiro, radicado na Noruega, que acabo de descobrir, o Eduardo Agni. As músicas são 'Pérola' e 'Oriki', maravilhas.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

EFEMÉRIDES (JULHO)



Julho é uma paineira que se esvai.



Meu coração tem tempos assim
ora em flor
ora a se dissipar.



Fluida é a paina
que envolve meus sonhos
sementes aéreas que nem os ventos
sabem aonde vão dar.

Fernando Campanella
(Paineira, fotos por Fernando Campanella)

Vídeo: "Farewell to Stromness", de Peter Maxwell Davies, por LAGQ

segunda-feira, 28 de junho de 2010

MAGO


Foto por Fernando Campanella

...mas as pessoas da sala de jantar
essas pessoas da sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer...
(Mutantes)

Lá vem o dono da arte
de fraque açafrão
e cartola chinfrim.

Lá vem o mágico
da Cia. das cores
da estrepolia dos sons
que rima coração com abóbora
e reconcerta os tons.

Quanto lhe dão
por um assombro de imagem,
pela pantomina dos sonhos?
(Talvez o mundo, um ‘ não, obrigado’
Ou um pontapé no selim.)

Que importa?
O mago o que é?
É ladrão de beleza,
é revelia.

É também clown
que pirueta a tristeza
solta pum
e cheira a capim.

Fernando Campanella, 1998

Pesquisando vídeos para esta postagem, deparei-me com 'Panis et Circenses', dos Mutantes, e ouvindo a música foi todo um passado ( final da década de sessenta/início dos anos setenta) despertando em mim.
Que poder tem a música de evocar vivências! No caso especial dessa canção ouvida hoje foram uma época, um sentimento de mim, do mundo, reavivados.

Tempos tenebrosos aqueles no Brasil, politicamente falando. A ditadura em pleno domínio de corpos e mentes. E, na contrapartida, a mais bela irreverência e a renovação na MPB, com as presenças de Caetano, Gil, Gal, Bethania, Chico Buarque, Vandré, Ney Matogrosso, Os Mutantes...

Bem-vindas foram a juventude e a coragem daquela arte, trazendo a leveza, e também o protesto, a contestação dos valores autoritários arraigados na mentalidade patriarcal de nosso país.

Houve mudanças desde então: abertura política, outras visões e posturas. Porém, muito há, ainda, por se fazer, , a evolução, segundo me parece, é um processo, não um fim em si própria.

'Panis et Circenses' permanece incrivelmente jovem, tão válida naqueles tempos como agora. Nos dois vídeos aqui apresentados, temos duas leituras mais atuais da música dos Mutantes. O primeiro nos traz um ótimo trabalho feito por alunos da Univali (Universidade do Vale do Itajaí); o segundo é um vídeoclipe com a interpretação de Marisa Monte.

A arte não tem idade, e que assim seja com nossos corações.


http://www.youtube.com/watch?v=VPN4lwVcZLo

quinta-feira, 24 de junho de 2010

...É O VERBO


Foto por Fernando Campanella

No princípio é o caos
e a poesia se faz cosmo
e habita dentro de mim

sempre a mesma gênesis:
premer o útero das sombras
para a explosão secreta -
a graça de alguma luz.

Fernando Campanella, 2010

Vídeo: Wim Mertens, 'Struggle for Pleasure'.