segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

MY QUINTESSENTIAL BLUES


Foto do blog:


vou arrancar os sapatos
e ouvir
meu blues quintessenciado

vou despir-me de humores
e escapar, asas em som,
pelos portais dos sentidos
pelos desvãos do telhado

- não me lembrem do mundo agora
ele já me entope os poros
a cada esquina
e satura a pele feito pólipo -


vou desfazer bagagens
armar a noite em blue

e ser assim alteridade
a mim imune
um corpo estranho
um vagalume

Fernando Campanella



Vídeo da postagem, 'Lover man', Billie Holiday:

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

IMAGEM DO DIA


Foto by Fernando Campanella

... eu quero ainda o sacro ritual dos ninhos
na tarde quando o verso, abismo doce,
é tudo que me dispõe e me traduz.

Fernando Campanella, trecho do poema 'Ninhos' de 1986.
Foto tirada em 28.01.2010

Ouça 'O cisne de Tuonela', do compositor finlandês Jean Sibelius, música de fundo que acompanha esta postagem:





A música de Sibelius tem me inspirado, faz parte do acervo de achados que incorporamos porque dão sentido, como uma estrela do Norte, à nossa existência. O poema abaixo é dedicado a esse desbravador das florestas da alma:

Esta música evoca uma floresta
povoada de mitos e deuses
que por mero acaso não são meus.
Minha floresta tem outros ritos.
Mas certa música também dela irrompe
e bate em ouvidos que a interceptam
e que por um acaso agora são teus.

Fernando Campanella, 2007

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

EFEMÉRIDES ( JANEIRO )


Foto by Fernando Campanella

Janeiro curva palmeiras aos elementos,
chegam as araras e disputam os cocos,
corta implacável a traça do tempo -

eu no mundo vivo de amores,
dançam as palmas
ao assédio dos ventos.

Fernando Campanella, 2007

Obs. ouçam a música no alto, à direita, 'Música de fundo', pressionem com o mouse.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

GITANO


Foto by Fernando Campanella

amores ciganos
são belas violas
oco de dentro
em canto por fora

asas que arrastam
são aves rompantes

beijos que explodem
e viram abóbora

luas em transe
vagas do mar
jades que chamam

areias que cedem
sereia de tranças
onde vou me enredar


febre do mato
amor vagalume

vinhos que encorpam
em porres baratos

perfumes prescritos

fome de romãs
nos entreatos

Fernando Campanella , 2007
Obs: Se quiserem, podem ouvir música com as postagens: na página inicial, acima, à direita, no 'Música de fundo', pressionem com o mouse.
Decidi por fundo musical opcional.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

BAGAGEIRO


Foto by Fernando Campanella

Esta imagem foi obtida em algum lugar de Minas.

A família provavelmente viera às compras na pequena cidade. Todos concordaram festivamente em aparecer na foto, exceto a mãe. Insisti com a mulher pois seria elemento imprescindível no quadro que eu queria compor. Não consegui demovê-la da recusa. Então respeitei sua decisão.

Minas,como a mãe, e nós próprios, somos mesmo assim, temos sempre uma parte que não se mostra.

Meus agradecimentos aos integrantes da imagem, à família, à mãe faltante, porém ainda presente, ao animal, tão útil, com o bagageiro.

Minas saiu bem na foto, acredito.

Fernando Campanella
(Veja mais sobre 'Bagageiro' na postagem anterior, abaixo.)

VIAS ERRANTES


Foto by Fernando Campanella*
(Meu agradecimento a este senhor que gentilmente
permitiu ser retratado)



Foto by Fernando Campanella*

"As raposas têm as tocas e as aves dos céus, ninhos; mas o filho do homem não tem onde reclinar a cabeça." ( Mateus, 8,20)

Tarde de maio
eu sou o que vaga
espírito que viaja
casa de vento
abrigo de nada.

Sou o que noite deserda
e em palhas de sombras
ainda anseia seu ninho.

Trilho o futuro -
meu ser é radiotelescópio -
mas por estas vias errantes
sempre a mim mesmo retorno.

De luz a sede intransponível
nada do que toco me veste.

Só meu caminho é arrimo -
a cria do homem
tem a ilusão do destino.

Fernando Campanella, 1991


Foto by Fernando Campanella*

"...quer ir para Minas, / Minas não há mais. / José, e agora?"

(Carlos Drummond de Andrade)

Há alguns dias, em uma pequena cidade aqui da região, ouvi a palavra 'bagageiro' e foi como se um sino longínquo houvesse soado em mim.

Usamos habitualmente o termo carroça para designar esse veículo ( foto acima ); 'bagageiro' é semântica de minha infância, traz a sépia das fotografias de meus avós, do retrato de Minas guardado nas volutas da memória.

Como esse e tantos outros vocábulos em desuso, visto que não se usa mais esse tipo de veículo para transportar pessoas na cidade, minha Minas se foi, e ainda há, híbrida de infinitos tentátulos a me seduzir com as montanhas, o passado, as estradas, as gentes com seus palavreares e sotaques... e com sua modernidade meio encabulada, dizendo que pode ser o futuro, sem deixar de ser o que é, o que foi. E com toda sua timidez e modéstia, consegue ainda fazer um belo 'marketing' de si própria quando diz que é abissal, que é estado de espírito.

Houve, há, e sempre haverá Minas se quem a viveu trouxer seus babageiros, suas bodegas, suas avenidas de pastos e 'ruminâncias' à memoria. A uma certa casa da memória, parte do acervo universal - também de outros lugares, de coutras culturas - aonde o filho do homem retorna, e consegue reclinar a cabeça.

Fernando Campanella, 21.01.2010

* As três fotos da postagem são imagens de Carneiros, um povoado a uns cinco, seis km da rodovia Fernão Dias. Visitamos o local em um dia chuvoso e foi como se entrássemos em um outro universo. Ali, a Minas dos bagageiros, dos sinos, da infância, ainda teima em haver, com sua dureza e sua ternura.


































domingo, 17 de janeiro de 2010

JOGO


Mar de Fernando Noronha
Foto by Fernando Campanella

Há os que buscam continentes,
eu fico,
é menos sólida
a terra de que me sustento.
( Ah, a densidade dos anjos,
os imprecisos firmamentos! )

Há os que apostam em veleiros
e desafiam os ventos,
eu passo.

Eu do mar abro os búzios,
meu lance
é a configuração do silêncio.

Fernando Campanella, 2006.