quarta-feira, 17 de junho de 2009

JUNINAS


Foto by Fernando Campanella

São João me batiza,
Santo Antônio me casa,
São Pedro me abre as portas
do céu.

Fernando Campanella

segunda-feira, 15 de junho de 2009

BEIJADOR*


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(Esta é uma das mais belas estórias da vida real que já ouvi, e que espero seja também uma das mais belas que escrevi.)
(Para A. C.)

- Pai, compra um caracol para o aquário?

Não havia poder de dissuasão contra a vontade do menino que sempre movia mil argumentos a favor dos bichos que queria. E teve que ir, o pai, mais uma vez, para a loja de peixes, acuado pelos olhinhos brilhantes, pelo coração do filho que parecia saltar de ansiedade pela boca. Se não comprasse o caracol era o aquário todo que morria.

Das outras vezes, a mesma arrebatação. Como esquecer a chegada da ratinha branca Madalena, do periquito, da enigmática Dama de Negro, o peixinho-telescópio de olhos esbugalhados. Personagens que já haviam se integrado à estória da família. E , sobretudo, como esquecer que a limpeza do cocô, a ração, as mordidelas e bicadas dos ‘amiguinhos’ ficariam todas sob sua inteira, intransferível, responsabilidade?

Na loja, mais uma vez veio o proprietário solícito, a lhe despejar informações técnicas: parâmetros da água, filtragem, coabitabilidade dos peixes... ‘Pomacea...’ é o nome do bicho desta vez , um caracol amarelado, o único que pode ser mantido em um aquário plantado como o do filho, alimentando-se de algas, ração dos próprios peixes e folhinhas em decomposição.

Após a compra do molusco , de volta à casa, assediado pela agitação da criança, com um certo medo ou repulsa lhe alizando as mãos, o pai deixa escapar o caracol que perde uma lasca da concha no choque contra o chão. Com redobrado cuidado, apanha a preciosidade e a acomoda no aquário , sentindo-se um monstro inafiançável diante do choro e das acusações do menino de ter assassinado a criatura.

À noite , após o filho, ainda choramingando , terminar a lição de casa, volta com o menino ao aquário na sala, para sondarem as possibilidades de sobrevivência do caracol. Redescobrem o milagre, a resistência da vida, ao verem-no se movendo, as anteninhas brancas, espertas, voltadas para fora.

Tudo se resolvera da melhor maneira e agora é , novamente, o paizão amigo, provedor da serenidade e da ordem.

Ao colocar o filho para dormir, diz que o Marujo, nome do novo membro da família , com certeza sobreviverá. Vê a esperança já cerrando os olhos do garoto e se redime, com a sensação de missão de paterna cumprida. Quando vai apagar a luz, o menino lhe pede:
- Pai, me compra uma tartaruga?

- Tartaruga??? Você só pode estar brincando , moleque, logo vai querer um elefante também. Mas veja só, tartarugas estão totalmente protegidas pelos ambientalistas e não podemos mais criá-las em casa, e ponto final.... Mas por que você quer uma tartaruga?

- Porque elas são calmas , pai – e o guri adormece como um anjo.

Ao deixar o quarto , vai até a sala, liga o som , senta-se à poltrona para sua descontração, o desapego do dia.

Ah, filhos!... Mas já fora criança e nutrira enorme interesse pelo universo dos bichos. Guardara luto e realizava verdadeiros funerais de seus animaizinhos que morriam. Permutara peixes de aquário com a prima, nos finais de semana. Uma vez ganhara dela um Kínguio deslumbrante, que mais parecia uma chama líquido-dourada, com nadadeiras e caudas de véus flutuantes.

Agora mais leve, contemplando o aquário, a música calma lhe trazendo o sono, alegra-se com uma idéia que então lhe ocorre, a de que crianças têm a idade dos peixes, o sono do mar.

E não se assusta quando vê o filho nadando nas transparências daquelas águas , entre os peixinhos multicoloridos : um Beijador branco-prateado, afugentando o inamistoso caracol que se enfia em sua casa e tranca a escura portinhola Deus sabe até quando.

Fernando Campanella, 05 de Julho de 2007


*
"Os beijadores são peixes que chegam a reconhecer o dono, e que se tornam agessivos se o espaço (onde vivem) for pequeno."

(Comentário feito pelo aquarista Fabrício Caramello Ortins Sampaio à postagem sobre esse peixe no blogger: www.aquarionline.com.br/portal/peixes/peixes_detalhe.asp?id=211 -

domingo, 14 de junho de 2009

CORUJAS EM TRÊS TEMPOS


Foto by Fernando Campanella


Eu sigo escrevendo , bebendo de poetas que adoto, deixando a alma me conduzir a este porto íntimo onde as estrelas pousam, os grilos cricram e a dama-da-noite me seduz com seu perfume, suas vestes de seda e luz. Ah, corujas também me visitam e tomam às vezes um chá comigo, depois partem, com promessas de volta.
Assim a minha alma, rastreadora do universo, da polissemia, ou da própria ausência de qualquer sentido. Viver, no mistério mais encantado da palavra, é metaforizar.
Fernando Campanella


I

Corujas
são pupilas
sencientes
da noite
que afronta

- eu sou pupila
do faz-
de-
conta.

II


Faz de conta que a coruja
me chama em augúrios
na noite.

Tolo caçador de mistério
me faço:

corujas e eu
não roemos a mesma corda

e mistérios, se existem,
em mim não cabem,
passam longe da minha porta.

III

(INFÂNCIA)

Mãe coruja fez seu ninho
lá no oco do bambu
- salta fora, passarinho,
passa longe urutu.





sábado, 13 de junho de 2009

TRANSITANDO PÁSSAROS


Foto by Fernando Campanella

Hoje no dia dos meus anos
saio da toca das palavras
e vou festejar no telhado
por horas ali ficando, um pombo
ou um tímido rato,
de papo para a tarde virado.

Hoje não mais sou um bicho doído
nem trago o gosto antigo
de um paletó
ou de um guarda-chuva* pendurados.

Transito pelo tempo dos pássaros:
quem me conta os anos ,
quem na memória me guarda?

Se a luz incide, sei que o dia perdura,
e me ilumina por dentro esse fato.
Quando escurece vou dançar conforme a sombra,
contar estrelas intermináveis
ou adormecer no anonimato.

Mas não quero agora falar de sombras,
a noite, eu sei, a noite já é bem outro trato.

Fernando Campanella (13/06/2007)

*Difícil saber onde manter o hífen com a nova reforma ortográfica. Pelas informações que otive, ele continua na palavra guarda-chuva, mas foi eliminado em palavras compostas com a mesma característica, isto é, nas quais se perdeu, em certa medida, a noção de composição, ganhando tais vocábulos um significado próprio, passando a ser grafados de maneira aglutinada. Ex. paraqueda, mandachuva, rodaviva, cobracega, bateboca, etc. ( revista 'Reforma Ortográfica da Língua Portuguesa' da Editora escala).
As exceções às regras são um capricho ou uma arbitrariedade dos gramáticos. Ao resto dos pobres mortais usuários da língua, são um Deus-nos-acuda. (A propósito, Deus-nos-acuda, como substantivo, escreve-se com hífen ou sem ele?)

sexta-feira, 12 de junho de 2009

RESPONSO*



Foto by Fernando Campanela

Presto aqui, no dia de meu aniversário, minha homenagem a esse santo do qual veio-me o nome Antonio Fernando.

Santo Antônio do Itaim é uma região rural pertencente ao município de Pouso Alegre, sul de MG, cujo nome inspirou-me esta oração de alguma alma que habita o imaginário, a ancestralidade da qual estamos imbuídos, de que somos herdeiros, devotos ou não:

Santo Antônio do Itaim,
intercessor das tentações,
agradeço, meu bom santo,
pelas bênçãos que recebi
mas meu vestido de noiva
já não me encanta , nem me veste,
foi se encolhendo ao tempo,
juntando nódoas e traças
das núpcias que desfiz.

Nove vezes nove terças-feiras
vi crescerem e minguarem
as luas, os brotos de meu capim.
agora, descasada do mundo,
vou recolhendo cacos, fiapos
desta minha vidinha sem fim.

Faz com que eu me cubra de estrelas
da imensidão do teu céu
nas águas de onde saí.

De mim, só a velha carroça,
sem mais canarim pra tratar
e ainda fiel devota de ti
mais uma vez,
agora teu nome em meus seios,
vou acender sete velas,
sete rosas vermelhas ofertar.

(Se ainda solteiro, meu homem,
meu santo, concede-me a graça,
a bênção das bênçãos,
de contigo pro altar me levar.)

Fernando Campanella

*Responso: oração a Santo Antonio para que se achem coisas perdidas ou não aconteça mal que se receia.

Fernando de Bulhões y Taveira de Azevedo, o santo António de Lisboa, ou de Pádua, para os italianos, nasceu em 15 de agosto , entre 1191 / 1195 . Por volta de 1211, ingressou como noviço na na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho em cujos mosteiros realizou estudos de Direito Canônico, Filosofia e Teologia. Integrou-se à Ordem de São Francisco após a chegada à Lisboa em 1920 dos restos mortais de cinco franciscanos decapitados no Marrocos. Adotou, então, nessa nova ordem o nome de António.

O taumaturgo é mais lembrado como santo casamenteiro, apesar de também ser considerado um advogado das causas e das coisas perdidas, e intercessor das tentações infernais. Dizem que esse dom de 'arranjar casamentos' veio de sua extrema habilidade em reconciliar casais. Porém, há também estórias populares, anônimas, que sinalizam à origem dessa singularidade a ele atribuída

São muitas as simpatias, as novenas e os responsos* que lhe são dirigidos por milhões de devotos com o intuito de contrair matrimônio, ou encontrar objetos perdidos, nos países de fé católica. Muitas também as celebrações em sua homenagem nos primeiros treze dias de junho.

Faleceu no dia 13 de junho de 1231, aos 36 anos de idade.

Resumo de matéria informativa das fontes:

quinta-feira, 11 de junho de 2009

REQUIESCAT


Foto by Antonio Carlos Januário

De meu mar, ofereço-te as ondas
e as praias que poéticas conchas te trazem.
Tais suaves mistérios te concedo, mais as algas
e as gaivotas que bicam tecidos de luz na tarde.

Povoados de ti, de mim,
os barcos que chegam
e ardem.

Adere-te, pois, ao sal que a mim te chama,
cobre teus pés em espuma e encanto,
molha teu rosto
nas claras águas que o dia me abre.

(Sosseguem , minhas dorsais,
descanse, meu leviatã esconso).

Fernando Campanella

quarta-feira, 10 de junho de 2009

INTERDICTA




(Anima interdicta
in saecula seculorum)

I felt you come blind-folded
into the flanks of my night
bringing me a handful of buds:
roses, clovers and lilacs white.

But, o, poetry,
let’s seal it a secret -
all my captive birds birds fly
by your passing I saw

though men shall not be granted flowers
in our unscripted stone-aged la
w.
Fernando Campanella

(Acima, trabalhos magníficos de minha amiga Leila Laderzi com um poema meu escrito em inglês e que não tive ainda a oportunidade de traduzir, ou melhor, de reescrever em nossa língua. Os pássaros das fotos são sabiás-do-Campo (Mimus Saturninus), comuns no interior de São Paulo e Minas Gerais. )