domingo, 31 de maio de 2009

NINFEIAS-ROSA


Ninfeias-rosa, foto by Fernando Campanella

Meu conhecimento das ninfeias-rosa tem se consubstanciado através da arte. Do primeiro contato com essas exóticas flores surgiu um poema em temática impressionista, com velada referência a Monet e seu jardim das ninféias, fonte de inspiração para o pintor.

Do segundo encontro com essas delicadezas aquáticas, vieram algumas fotos, tomadas à distância devido à impossibilidade de aproximação das mesmas pela sua localização no centro de um lago.

Alguns meses depois, passando por uma cidade vizinha, encontrei as lindas flores, estrategicamente dispostas à beira de uma lagoa. Porém, o local, embora semelhante a um parque, era uma propriedade particular, e só pude fotografá-las ainda à distância, pelos orifícios da tela do seu cercado.

Finalmente, em outra viagem àquela cidade, consegui permissão do caseiro da propriedade para entrar no recinto e fotografar aquele tesouro de perto. O empreendimento compensou-me então com belas imagens.

Não procurei entender por que as ninfeias começaram a ocupar este espaço em meu poemas ou fotos. Não tento discorrer racionalmente sobre o que me leva a buscar certos temas em minha criação. A arte tem sua lógica própria e uma vez que a ela nos abrimos tece sua própria teia, à nossa revelia. Há algo intuitivo no âmago de quem cria que o leva na incansável busca de seus motivos, de sua expressividade.

Mas qual artista não sonha com a obra-prima, com o poema mais que perfeito, com a mais irretocável foto, pintura, etc...? Vi através de fotos de um site um lótus-branco no jardim botânico do Rio de Janeiro, o que daria um belo registro fotográfico. Talvez surja-me a oportunidade de visitar e escrever sobre uma vitória-régia na Amazônia, tida como a mais bela flor aquática do mundo. Ou posso fotografar novamente estas ninféias-rosa aqui da região, com maior conhecimento da técnica fotográfica, equipado com uma câmera mais potente e especializada.

São perspectivas que podem se abrir, porém, não há pressa nem ansiedade. Deixo que minha intrínseca aranha, faminta de natureza e estética, vá tecendo em mim sua teia na captura de imagens.

Apenas a título de informação, fiquei sabendo por uma paisagista que as ninfeias-rosa são originárias da Índia. E estive pesquisando também sobre a posição do lótus (uma espécie de ninféia) em meditação, e sobre o Sutra do Lótus, uma das mais importantes transmissões do budismo.

Índia, Budismo e o jardim de Monet devem ter ressonâncias profundas em minha alma, podem ser o substrato de toda essa revelação das ninféias em mim. Mas, como dito acima, melhor não tentar entender. Concedo à minha alma de artista que fale por si própria, buscando seus motivos, revelando certa luz em seus meandros.

Fernando Campanella

FOTOS DAS NINFEIAS-ROSA ( TRÊS TEMPOS)


Ninfeia-rosa, foto by Fernando Campanella
(Segunda visita, com fotos)


Ninfeia-rosa,foto by Fernando Campanella
(Terceira visita , com fotos)
Ninfeias-rosa,foto by Fernando Campanella
(Quarta visita , com fotos

Ninfeia-rosa, foto by Fernando Campanella
(Quarta visita, com fotos)

quinta-feira, 28 de maio de 2009

SÉPIA


Foto by Fernando Campanella

A chama intacta
(não a sopres)
nosso amor em sépia
vem, vamos dormir.

Fernando Campanella

ERVA SANTA


Foto by Fernando Campanella

Amor antigo
era ervagem brava
que resistia às geadas
nas alfombras do quintal.

Fernando Campanella

sábado, 23 de maio de 2009

AO VENTO


Foto by Fernando Campanella


Fica comigo, mas não posso pedir ao vento
que sopre ao alcance de meu ouvido,
ou à terra que abençoe nossos longos segredos

- nem mesmo da luz querer ouso
que se demore em meu abrigo.

Quando os dados lançados e até meu silêncio
contra toda certeza parecem que conspiram

- e caso os dedos do mundo
em suas unhas recurvas nos firam -

releva, e fica comigo, os anjos sabem mais alto
daquilo em que insisto, do que preciso.

Fernando Campanella

quarta-feira, 20 de maio de 2009

DA LUA


Foto by Fernando Campanella

LUNARES


Foto by Fernando Campanella

Ora enigma, e oráculo, ora reminiscências de Li Po; ora aridez, e tentáculo, ora floreado barroco, ou de uma 'art noveau', a lua em três tempos, seus motos e motivos em mim:


A lua é um criptograma.
Decifra-me - diz ela
à minha metade analítica
e trôpega.
À minha outra porção,
mais distraída
ante o mistério das coisas,
ela sussurrra apenas:
bebe de meu halo e sonha.

Fernando Campanella, 1992

Lua retrô
De Kioto
Da monja implume
De mel

De meu silêncio oco

Lua nouveau
Do esgoto
Do vaga-lume
Da sarna ardente

Do ovo choco.

(Fernando Campanella,09 de Março de 2009)

Lua, lua, lua,
três vezes giro
para retornar
à fria estática
de teu silêncio

(nada, nada, nada
senão eco
reflexo
de meu pensamento)

(Fernando Campanella, Maio de 2009)

CREPÚSCULO, ARTE E EMILY DICKINSON


Foto by Fernando Campanella

As tardes de outono propiciam crepúsculos inigualáveis. Embora os atores – nosso velho, vaidoso sol, as frívolas nuvens, o ar, o imponderável vento... – sejam sempre os mesmos em outros períodos do ano, é nesses dias que precedem o inverno que os espetáculos do fim da tarde rendem maior vibração em luz, forma, cor e tom.

Os crepúsculos outonais lembram algo como o capricho de um demiurgo a brincar com infinitas possibilidades na reorganização de toda matéria pré-existente. Uma arte de tamanha grandeza, de tão poderoso efeito ,onde o criador, o sujeito, se esquece e se confunde com o objeto da própria criação.

Assim, em escala menor, com todos artistas que, movidos por um impulso interno, reestruturam o que vivem, o que recebem, neste insondável processo mágico que denominamos ‘criar’.

Assim, com a poetisa Emily Dickinson que, tocada pelos fenômenos naturais de Amherst, reestruturou as impressões, as emoções internas, rendendo este maravilhoso crepúsculo-poema:

219


Ela varre com vassouras multicores
E sai espalhando fiapos,
Ó Dona arrumadeira do crepúsculo,
Volta atrás e espana os lagos:

Deixaste cair novelo de púrpura,
E acolá um fio de âmbar,
Agora, vejam, alastras todo o leste
Com estes trapos de esmeralda!

Inda a brandir vassouras coloridas,
Inda a esvoaçar aventais,
Até que as piaçabas viram estrelas —
E eu me vou, não olho mais.

Tradução: Aíla de Oliveira Gomes

219
She sweeps with many-colored Brooms —
And leaves the Shreds behind —
Oh Housewife in the Evening West —
Come back, and dust the Pond!

You dropped a Purple Ravelling in —
You dropped an Amber thread —
And how you've littered all the East
With duds of Emerald!

And still, she plies her spotted Brooms,
And still the Aprons fly,
Till Brooms fade softly into stars —
And then I come away —

sexta-feira, 15 de maio de 2009

SEU JORGE


Foto by Fernando Campanella

(Corro o mundo pela beirada,
minha carroça, seu moço,
é o que levo da vida,
meu cavalo
é o vento que me guia na estrada.)

- Por causa da queda dos anjos, homi é fantasma, muié é bruxa, criança é saci.

Com o apregoar de seu imaginário, Seu Jorge se achega, ali no parque das águas, vindo do nada, da névoa de seus cento e um anos que lhe impingiu uma catarata nos olhos. Uma relíquia, um esperto fantasma que puxa prosa comigo.

Estou de visita, digo a ele, não sou daqui - mas para que explicação? O homem firma espaço de mansinho, fala da idade avançada, da esposa que já partiu e não lhe deixou filhos, e da ‘muiezinha’ que mantém em casa, sua única companhia: um radio de pilha onde ouve músicas de seu tempo.

O homem almeja, na verdade, uns trocados. Para quantos se orgulhará da longevidade? Quantos não ouvirão seus ‘causos’, suas lendas, seu passado quase se confundindo com memórias ouvidas da Estrada Real, antiga rota do ouro de Minas, e suas próprias lembranças das grandes matas que então havia? Mas é ele que me paga com o veludo da sua oratória , o encanto da voz, com os relatos da catarata avançada e da descrença que traz dos doutores –‘ minha pouca visão, meu filho, abro com a bênção das águas desta cidade.’

Dou-lhe umas moedas então e ele me diz que sou alma boa, que vai rezar por minha saúde. As contribuições dos turistas do balneário complementam a renda da pensão que recebe, ajudando nos duzentos ‘mirréis’ do aluguel e em outras despesas da casa. Vai comprar uma abóbora madura e pão com o dinheirinho arrecadado, não sem antes fazer uma ablução diante da imagem de Nossa Senhora da Saúde ali no parque. Acima das águas, só ela pra lhe afastar os demônios, deixar mais firmes os olhos e a articulação.

Nunca bebi, nem fumei –diz –me, ainda. E completa que o Divino Espírito Santo é seu companheiro no prolongado obscurecimento dos dias.

O avozão passa-me, assim, uma boa lábia, na captura de mais um turista a esmo. Despeja lições já tomadas , retomadas , de que da vida nada se leva, nada permanece. Porém, vindas daquele homem centenário, revestem-se tais verdades de um outro quilate , uma autoridade, por exemplo , de quem abriu um mar , ou de um vaga-lume só com a própria luz a contar.

Seu Jorge lembra-me um monge urbano, um museu itinerante. Coração que abraçou o sossego. Matreira sabedoria em extinção. Com sua figura, o calcário dos olhos, um intrincado desenho de raízes na face, o homem é um mito que de repente toma corpo , sopro de um vento, um sino de Minas.

Ao deixar o parque , após nosso breve encontro, despeço-me de um bruxo. – Sua benção, meu grande pai, até mais ver nas encruzilhadas do mundo.

E levo comigo a imagem de uma chama que não teme a cinza, a fagulha dos olhos de um encantador de sereias. Um tempo que tudo viu, o anonimato dos simples, um perdão.

Fernando Campanella, 03 de junho de 2007


quinta-feira, 14 de maio de 2009

LAPSO


Foto by http://2.bp.blogspot.com/_

Nenhum verso estalou
no burburinho dos meses -
nenhum sentimento
em ressonância
ou revérbero
de cristais.

A vida sem poesia é lapso:
urso polar
em hiatos invernais.

(Fernando Campanella,

da série 'O Eu Confesso', poema XII)


quarta-feira, 13 de maio de 2009

VERSOS PARA CECÍLIA


(A Cecília Meireles)

Mesmo se tomasse por empréstimo
tua metáfora quando em mim pousam
leves teus versos, não a poderia tornar minha
que tão íntimo e próprio é meu silêncio
e meu ser vai disperso por outros ventos.
Posso sentir tua beleza recolhida e doce
no que evidente se mostra e no que se intui
na arquitetura sonora de teus versos.

O resto repousa na chave supra-humana
dos enigmas. Por isso então escrevo,
mais nada.
Fernando Campanella, 24 de Agosto de 1986

AMAR

õ
Foto by 1.bp.blogspot.com
/.../667SJAQjtS0/s320/odres.jpg

Vive em mim o primitivo verbo
que os revezes da sorte
jamais suprimiram
ou lograram apagar.
Murmuro seu nome
tão límpido e lato
quando a alma da noite,
despida do mundo,
dentro de mim cresce.
Bebo então de suas gotas
de seu orvalho refratado

e como um velho vinho me sinto
a espuma boa derramada do odre.

Fernando Campanella, 1990

terça-feira, 12 de maio de 2009

EPHEMERA


Foto by Fernando Campanella

( A Leila)

Breve
como o dia
uma neve
e tudo
que se enseja.

Breve
como eu, você
um transe
uma nossa aliança

e a sombra
que nos corteja.

Breve, mas com leveza -
eis inteira a diferença-
e terno como a luz
que nos beija.

Fernando Campanella

EPHEMERA

(To Leila)

Brief
as a day
as a leaf
and everything
we might.

Brief
as you and I
a trance
a flattering shadow
our alliance.

Brief, but with levity -
that’s the whole difference-
and tender
eternal
as the kissing light.

Fernando Campanella


domingo, 10 de maio de 2009

RESQUÍCIO


Foto by Fernando Campanella

Às vezes
a dor de chuvas passadas
cai em mim fina,
reelaborada,
a tanto de não ser eu
assim mais que uma bolha
na espuma da tarde
molhada.

Fernando Campanella

quinta-feira, 7 de maio de 2009

METÁFORA


Foto by Fernando Campanella

Já não tento reter do dia
a luz que, por exata, concede
a chama alquímica dos amantes
a doçura de pétalas breves.
O tempo tem o galope das Fúrias
ventos que jamais enternecem.

Melhor correr, da memória, o labirinto,
drenar os aquíferos fundos
e aguardar: o que restar
será na noite a forma intáctil,
o espectro redivivo.

(Mais no mundo me tardo,
mais no comando de sombras
me esmero.)

Deus conceda que me baste
este último apelo de náufrago:
a metáfora,
pétala incorpórea com que me visto.

Fernando Campanella (Julho de 2006)

segunda-feira, 4 de maio de 2009

CRUZ DO MELEIRO



Foto by Fernando Campanella

Era uma cruz na crista do morro,
lenho engastado de líquens,
pousio de quero-queros;

um espanta-corisco
para quando a tormenta desce

e um ângelus gravitando as asas
na tarde.

Intersecção, e ainda integração
das grandes águas:

braços para as folgas do mundo,
tronco para a continência do céu.

Vocatus adque non vocatus Deus aderit.*

Fernando Campanella, 1991


* "Invocado ou não invocado, Deus está presente" Carl Gustav Jung, o renomado psiquiatra suíço, esculpiu esta inscrição em latim sobre a porta de sua casa em Kusnacht na Suíça. Em uma carta de 19 de Novembro de 1960, Jung explica que o aforismo foi encontrado em uma cópia da edição de 1563 da Collectaneas Adagiorum, de Erasmus, uma compilação de analectos* de autores clássicos. Trata-se, o dito, de um oráculo de Delfos. O psiquiatra o colocou sobre a porta de sua casa para lembrar aos pacientes , e a si próprio, que "o temor a Deus é o princípio da sabedoria" (Timor dei initium sapiente). Para ele, com esse aforismo em mente, uma novo caminho, não menos importante, começava, uma abordagem , não do Cristianismo, mas de Deus em si próprio, e isso lhe parecia ser a questão fundamental.

*Analectos: coleção de escritos, aforismos ou ditos célebres.

CARROSSEL


Foto by Fernando Campanella

Os braços são mínimos
e o espaço da cabeça
é um atônito girassol.
Ouve, que o coração
resguardado ensaia
e ainda que mil vezes frágil

não há que se abortar.

Fernando Campanella (1986)

sábado, 2 de maio de 2009

ESBOÇO


Foto by Fernando Campanella

Antes, somos sedas a esmo
Projetos- libélula, bichos voláteis.
Antes é o esboço, o mais raso ensaio.
O amor chega no remanso dos ventos,
No ressaca dos atos.
O amor vinga mais tarde.

Fernando Campanella (1986)