segunda-feira, 28 de setembro de 2009

ESFÍNGICA


Sphinx Moth* on Celestial Lily, photo by Tony Western
http://www.flickr.com/photos/7380883@N02/


Devolve-me o livro da alma
que há muito me tomaste -
esfinge minha -
pois tu, somente tu, o escreves:
concedes-me a palavra por escudo
enquanto me devoras na entrelinha.

Fernando Campanella

*A mariposa esfingídea, ou mariposa-esfinge, da foto acima, é uma excelente voadora. Modificando o ângulo das asas, ela consegue pairar sobre as flores e sugar-lhes o néctar. Encontra-se em todas as regiões temperadas do mundo. Mantém a parte da frente do corpo ereta como uma esfinge. Suas larvas têm listras e pintas brilhantes.

Fonte: Vida Animal, Mariposa Esfingídea

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

MOTO


Horseshow Canyon, oeste de Drumheller, photo by Nancy Chow*

por que moer
a mesma pedra

por que a mesma esfera
sobre ossos
ad nauseam a girar?

nada mesmo de novo
sob o sol parece haver -
salvo um olhar

Fernando Campanella

*Congratulations, Nancy, for the beautiful photo above, a masterpiece, an absolutely breathtaking view, a fantastic capture of 70 million years of history, or Pre-History, for that matter.

(Parabéns, Nancy, pela linda foto acima, uma obra-prima, uma visão de tirar o fôlego, fantástica captura de setenta milhões de anos de história, ou Pré-História, melhor dizendo.)

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

A SENHORA DAS FLORES


Foto by Fernando Campanella

Está agendado lá no calendário: dia 22 de setembro de 2009, precisamente às 18h19, ela chega, a senhorinha das flores. Vem um pouco adiantada neste ano, visto que oficialmente deveria aparecer no dia 23 de setembro.

É uma senhora vetusta, mas obstinada e dura na queda, sempre atuante entre os equinócios de primavera e os solstícios de verão. Tão velhinha, sim, porém sempre aprumada, aromática, a trazer no rosto, por sobre as espessas rugas, um mais suave tom em carmim.

Tão prestimosa, não obstante a concreta frieza das cidades e a dureza dos homens.

Tão dinâmica, um espetáculo de vitalidade e vibração, colocando muitos jovens no chinelo. Nem bem chega e já derrama as chuvas, põe a trabalhar os campos e os jardins. Guarnece os caminhos e os canteiros de margaridas campestres, gérberas, jasmins, manacás... Espeta as abelhas e as borboletas preguiçosas. Espanta os filhotes de pássaros das cornijas, instruindo-os a voar.

E tão invasiva, essa anciã: escancara minhas janelas, arregaça minhas mangas, botando -me a espanar as teias, a varrer as folhas residuais do inverno. E ainda faz mote de meus ares introspectivos, de minha ficção outonal.

No dia 22, às 18h19, pois, ela chega, deliciosamente incômoda, assertiva, anunciando que com ela não tem tempo frio, nem árvores secas.

E novamente trará seu antigo, imenso barco onde me acomodará. Içará então as velas, e com seu invejável fôlego me tornará redivivo, despachando-me para mares do sul com seus luminosos jardins de coral.

Fernando Campanella


domingo, 20 de setembro de 2009

CANTA


'Minas Gerais' Arte Naïf, tela de Carlos Herglotz*


A vida encanta
porque passa
- canta, vida,
a arte repassa.


(Fernando Campanella,
texto da série 'O Eu Confesso')


*Abaixo, um excerto do texto que o crítico de arte Oscar D'Ambrosio escreveu sobre o trabalho de arte primitivista de meu grande amigo-irmão Carlos Herglotz, autor da tela e da foto desta postagem:

"...Nascido em Taubaté, SP, em 24 de julho de 1959, Carlos Herglotz retira de suas impressões e lembranças a matéria-prima das imagens que percorrem a sua pintura. Sua simplicidade e encantamento decorrem da maneira como dá forma aquilo que viu e sentiu.A matriz de seu trabalho é inegavelmente popular. Isso se confirma pelo seu fazer de artesão e envolvimento em projetos e ações de valorização dos saberes tradicionais do povo, pois é neles que visualiza a possibilidade de uma sociedade melhor. É no saber do povo que reside um Brasil rico em possibilidades de interpretação do real marcadas pela criatividade..."
(Oscar D'Ambrosio)

Conheça mais sobre o belo trabalho desse artista visitando seu blog:

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

VISLUMBRE


Foto by Fernando Campanella


Se existe uma metáfora ou mesmo uma técnica
para a gradual apreensão de Deus
seja a de meu lento aproximar de pássaros
quando para uma manhã de fotografias eu saio.

Sabiá pousado, primeiro disparo, depois três passos,
segunda tomada, mais três, e, em série registrando,
me achego até onde a ave o permita,
demarcado entre nós o intransponível espaço.

Após o vôo alçado, vou conferir as mais límpidas faces
da maravilha outorgada, em fotos.
Tal meu artifício para explorar esses reinos
de que os humanos foram há ‘eons’ alijados.

Talvez um dia, na inesgotável alquimia dos tempos,
o pássaro, como Deus, de mim não mais escape
e eu revele sua melhor, definitiva face.

Ou, quem sabe, rasgue a ave o círculo,
e para os domínios do eterno me conduza
nas fímbrias de suas transparecidas asas.

Talvez... mas não haja pressa. Dêem-me os céus
a infinita paciência daquele eremita dos montes:

em minha caverna mais funda,
no burburinho de minhas fontes,
a incomensurável graça
de captar tais vislumbres alados
por ora então me baste.


Fernando Campanella

domingo, 13 de setembro de 2009

IMAGENS DO DIA


Foto by Fernando Campanella
14980862@N03/ (Reduced, reduzida)

Na foto, acima, postada no sábado por Nancy Chow, no Flickr, temos uma vista dos arredores de Calgary, Canadá. Em nota descritiva, a fotógrafa informa: “ as árvores nos arredores de Calgary já começam a mudar de cores”. O outono já bate às portas do hemisfério norte.

Além da delicadeza e da poesia cênica que a imagem transmite, o que me chamou a atenção na foto de Nancy foi sua semelhança com uma foto minha, postada logo acima da foto de Nancy. Há como que suaves pinceladas de um aquerelista em ambas.

Creio que Nanci, como eu, deve ter ficado muito feliz com o resultado de sua imagem. São raros os momentos em que a fotografia extrapola seus limites, seu campo mais objetivo, superando a expectativa do fotógrafo, transformando-se em algo tão inefável assim.

Uma alma de artista agradece por esses raros momentos.


Fernando Campanella









sexta-feira, 11 de setembro de 2009

UM POEMA EM INGLÊS E SUA TRADUÇÃO



FALLING STAR

Raise thy longings to me
I sparkle when the day is asleep
And frolicking birds are lain -

Even when the Aldebarans are blinded
And thy solid moons seem to wane,
Rise, never tire, plead on me -

Plead, on the very mercy of a sentry
Who sensing the wants of your heart
Would leave somber cells unattended
And massive night portals ajar.

Fernando Campanella

ESTRELA CADENTE

Ergue teu anelo a mim
Eu lampejo quando o dia adormece
E aves buliçosas já vão repousar -

Mesmo quando as Aldebarans se cegam
E tuas sólidas luas parecem minguar,
Eleva-te, nunca te canses, pede a mim -

Pede, à clemência mesma de um guardião
Que enternecido de tuas penúrias
Te livrasse da cela escura, do açoite,
Deixando entreabertos
Os maciços portais da noite.

Fernando Campanella

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

MINAS E NOMES


Capela de São Domingos
Foto by Antonio Carlos Januário*


Seria Minas

...mais devota em capelinha
mais devassa em babilônia
mais barroca em marianas
mais latina in 'vino veritas'

mais tupi em airuoca


mais sincrética
em nossas senhoras
de sabarabuçu?...

(Trecho do poema Minas e Nomes (Amor-perfeito)
by Fernando Campanella)


* Meus parabéns a Antonio Carlos pelo espírito de Minas tão poeticamente captado na foto acima. Uma Minas que, às vezes penso, só existe nas almas sensíveis que teimam em buscá-la. E a encontram assim, singela e discreta jóia, como nessa foto.
Obrigado, my dearest friend.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

SOBRE AS HORAS


Pintura de Claude Monet
bp3.blogger.com/.../s320/monet+nuvem+barco.jpg

porto é lugar da memória
atrelemos o desejo às ondas -

somos barcos, frágeis barcos
sobre as horas

Fernando Campanella

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

DA PÁTRIA


Pátria: educação e saúde a todos.
(Foto by Fernando Campanella)


(Dedico o texto abaixo, escrito hoje, sete de setembro de 2009, ao meu caríssimo amigo em poesia, José Carlos Brandão.)



Neste dia da Pátria, examinemos alguns chavões que vêm acompanhando, ao longo de nossa história, a nossa mãe gentil:

- Dos descobridores tivemos: ‘...em se plantando (em terra brasilis) tudo dá.' Estavam certos os navegantes. De azeitonas a abacaxis, de cerejeiras a Flamboyants... Mas melhor reconsiderarmos o uso dos agrotóxicos.

- De Charles de Gaulle, ouvimos, supostamente, a pérola: ‘O Brasil não é um país sério.’ Ironicamente, se o fôssemos, sr. estadista, não teríamos entregado nosso ouro, teríamos estabelecido colônias na África e na América.

- Do ufanismo, a máxima: ‘O Brasil será o celeiro do mundo.’ Melhor seria, senhores ufanistas, que nosso país fosse celeiro de si próprio, em primeira instância, pois assim eliminaríamos nossos bolsões de Biafras e Haitis.

-Da ditadura: ‘Brasil, ame-o ou deixe-o.’ Os formuladores dessa bravata realmente não conseguem entender que são os próprios políticos que dão ‘bye-bye’ ao país, refugiando-se em seus paraísos fiscais, os primeiros a deixarem para trás nosso país como um modelo de pátria.


Dos ecologistas: 'A amazônia é o pulmão do mundo'. Muita responsabilidade para esse 'pulmão' arcar com a poluição de todo um planeta, incluso o Brasil.

-Do futebol: ‘Pra frente, Brasil!’ Está certo, sempre pra frente, sem nos esquecermos de que futebol e carnaval não solucionam os problemas de uma nação. Atrás vem injustiça, e gente.

-Do nosso imaginário: ‘Deus é Brasileiro.’ Que maravilha, porém os ‘milagres’ de saúde pública e educação para todos ainda não aconteceram por aqui.

-Da geografia: ‘O Brasil é um país sem cataclismos, sem grandes desastres naturais.’ Sim, porém o clima e a terra também se ressentem de tanto abuso, e maus tratos.

- E, finalmente, da voz geral: ‘O Brasil é um país do futuro.’ Há anos ouço tal previsão. Espero que eu não morra sem vê-la cumprida.

E por falar em país do futuro, vamos torcer para que o ‘Pré-Sal’, não seja mais um ufanismo brasileiro, mais um motivo para entreguismo, ou mais um bolo jamais repartido. E, com tanto petróleo a ser descoberto em nossas águas, que o Iraque não venha a ser aqui.

Feliz dia da Pátria a todos.








Fernando Campanella, 07 de setembro de 2009.





DO MUNDO


Foto by Ana Pires*

...somos frágeis barcos sobre as horas.
(Fernando Campanella)

Vão, que já não são meus
os filhos, os versos, a estória.
Comigo não ficam meus passos
nem o desenho do corpo.

Vão os que do mundo vieram:
as folhas, os porres, os cansaços.

Se depositamos guirlandas e lágrimas
aos pés deste Deus, meu amor,
nossos tesouros já não ficam ensismemados.

Vão, pois,
fiquem vazios nossos barcos
por tamanha generosa partida.

E para tantos outros encontros
solte-se a órbita do peito no espaço.

Fernando Campanella , 1988

*Ana Pires, autora da bela foto acima, é filha de minha amiga-poeta Graça Pires.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

À LEILA LADERZI

http://www.laderzi.com/poetry/fpessoa_indicedepoemas.htm
Formatação de Leila Laderzi

EXPRESSO AQUI MINHA PROFUNDA GRATIDÃO A LEILA LADERZI, RESPONSÁVEL PELO DESIGN DOS BANNERS DESTE BLOGGER, COM MINHAS FOTOS. UM MARAVILHOSO TRABALHO, UM PRESENTE DE MINHA GRANDE AMIGA.
OBRIGADO, DEAREST.
VEJA A GALERIA LADERZI, ATRAVÉS DO LINK SOBRE A FOTO, COM IMAGENS /POEMAS FORMATADOS POR MINHA AMIGA.

IMAGEM DO DIA (HACIA EL PONIENTE)*


Foto by Fernando Campanella

...a luz em seu percurso
também me busca
e sempre haverá de me achar.

(Excerto do poema 'Sine Qua Non'
by Fernando Campanella)

* Na postagem anterior, coloquei uma foto da argentina Alicia Ruiz. Ela, sensibilizada, enviou-me um e mail, dizendo que não quer perder de vista minha poesias, tendo colocado meu poema 'A la misma hora' em seu blogger, cujo link repasso:

Obrigado, Alicia.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A LA MISMA HORA


Foto by Alicia Ruiz*
http://www.flickr.com/people/agripina_del_56/


À mesma hora, no mesmo lugar,
eu caminhava entre árvores
e espremia nos dedos
o mudo cipreste
roçando o acridoce olfato
ao silêncio de meu nariz

mas naquele instante
entre cúmplices imagens
quando a sombra me tece
e o sem- fundo do lago me diz
no frescor do mais contido sumo
cheirei a poesia, como do nada

e andei sobre águas -
o naufrágio por um triz.

Fernando Campanella
* O título da foto acima, da fotógrafa argentina Alicia Ruiz, é ' A la misma hora en el mismo lugar'. E, abaixo da foto, ela completa '... pero hacia el poniente.'
Sim, minha amiga Alicia, na mesma hora, no mesmo lugar... mas em torno, em direção ao poente...
e havia os ciprestes que pela primeira vez foram cúmplices de nosso olhar.
Muito obrigado, minha amiga, suas fotos e seus temas são para mim fonte de inspiração.




terça-feira, 1 de setembro de 2009

O RIO QUE PASSA POR MINHA ALDEIA (I)


Foto by Fernando Campanella

O RIO QUE PASSA POR MINHA ALDEIA (II)



"Junto à estação, que não aparece na foto, o embarque para o barco que
singrava pelo rio Sapucaí, em 1934." Foto cedida por Nilson Rodrigues
para o site ' Estações Ferroviárias do Brasil ':
http://www.estacoesferroviarias.com.br/rmv_sapucai/portosapucai.htm


O rio que passa por minha aldeia
são martins-pescadores

em odores do mundo
são cílios cortados
em manchas lubrax...

(Fernando Campanella, 2008)


Há rios que têm um apelo universal, que correm à lembrança de grandes feitos e navegações. Não o Sapucaí. Meu velho rio subsiste apenas à sua discreta memória.

Nascido quase um fio d’água, nas proximidades de Campos do Jordão, SP, avança seu leito ao Norte, e carrega a pequena grande história do sul e do sudoeste de Minas Gerais.

Tudo muito local, sem alarde ou manchetes. O Sapucaí , em seu percurso até o encontro com o Rio Verde, batiza, com suas águas e seu nome, povoados, cidades: São Bento, Santa Rita, São Gonçalo, Santana – todos ‘do Sapucaí’.

Há a memória de seu porto, junto a uma já extinta estação de trem. Ali, barcos, os chamados ‘vaporzinhos’ , atracavam, deixando passageiros que seguiriam viagem nas locomotivas rumo ao Rio, São Paulo, ou a outras cidades do extremo sul de Minas Gerais.

Há também a saudade de seus peixes (Dourado, Jaú, Piaba, Piau-três-pintas, Pintado, Curimbatá...) e de suas Sapucaias, origem de seu nome, árvores que margeavam seu leito, complemento em flores a lhe embelezar.

No desbravamento da região, o Sapucaí transportava cargas de ouro. Remotamente, havia os índios. Rezam os mitos que em suas águas, salvaguardadas por matas, viviam ninfas caboclas - o paraíso era também ali.

Nos quesitos poluição - dejetos doméstico, industrial e rural - e destruição de sua mata ciliar, o rio de minha aldeia segue a lamentável tendência mundial. Porém, o Tâmisa já perdeu a alcunha de ‘Grande Fedor’, já recuperou a navegabilidade e o salmão. O Tietê e o Paraíba já têm adeptos e projetos para sua despoluição. Mas quem recuperaria o Dourado, e aliviaria os odores do Sapucaí?

Poetas cantam seus rios, com suas florestas e lendas, eu não poderia deixar de fazê-lo . Findo a homenagem ao Sapucaí com um poema feito em 1992, posteriormente reestruturado. A catarse em versos, como saíram à época, uma tomada de consciência de como maltratamos, tantas vezes, quem nos alimenta e nos serve.

(Fernando Campanella, 2009)

O rio que passa por minha aldeia
não se cansa de navegar
Por ele passam Martins-pescadores
bostas
e manchas lubrax.
Mas ainda não é mal-cheiroso
como os rios de lá.

Nele posso sentar-me à margem
atirar uma pedra na água


e em meus silêncios concêntricos
velejar.



(Fernando Campanella, 1992)