segunda-feira, 31 de agosto de 2009

SAPUCAIAS*


Foto by Fernando Campanella

IX

Setembro floresce em Sapucaias:
asa de abelha
em vórtice de aroma
roxo-lilás.

Logo a flor será cumbucas em frutos.

Bendito o tempo
entre floração e semente

doce a amêndoa
que meus olhos irão provar.

Fernando Campanella

*O poema IX da série Efemérides encontra- se em duas versões. A desta postagem é a original, mais completa, e justifica a foto acima, a qual tirei em Santa Rita do Sapucaí em agosto
de 2007. Nessa foto vemos as cumbucas já abertas, e as sementes (amêndoas) já foram liberadas.

EFEMÉRIDES (SETEMBRO)


Flor da Sapucaia, foto de Flávio Cruvinel Brandão http://www.flickr.com/photos/flaviocb/233167193/in/set-72057594068123870/


IX (SAPUCAIA*)


Setembro floresce em Sapucaias:
asa de abelha

em vórtice de aroma
roxo-lilás.

Fernando Campanella


* A Sapucaia floresce neste poema, mas infelizmente é uma árvore em extinção, sendo hoje mais cultivada em viveiros. Suas flores são roxo-lilás, e seus frutos, enormes, lembram cabaças ou cumbucas e liberam a semente, um tipo de amêndoa comestível, saborosa.
Os macacos filhotes tentam retirar as amêndoas das cumbucas, fora da época, quando os frutos estão ainda parcialmente abertos, tendo as mãos presas dentro do fruto. Os macacos mais velhos, experientes, já conseguem apanhar as sementes sem terem as mãos aprisionadas. Daí a origem, segundo a lenda, da expressão 'macaco velho não põe a mão na cumbuca'.

Fontes de pesquisa:
1) www. treknature.com
2)Wikipédia

domingo, 30 de agosto de 2009

UM AMIGO


Aiuruoca, sul de MG
Foto by Fernando Campanella


"Um amigo é o lugar da terra onde as maçãs brancas são mais doces."
(Eugénio de Andrade)

Um amigo transcende as horas.
(Fernando Campanella).

Obrigado, a todos os meus amigos em alma feita arte e poesia.


sábado, 29 de agosto de 2009

INTERTEXTO


Pinheiro do brejo,
Aquarela e foto de meu amigo José Henrique Coutinho*


Há os que aspiram
à " fria liberdade dos píncaros
sem nada "*;
há os que pousam em uma " lagoa rasa,
lugar da memória " onde habitam
quando " os desejos do corpo,
a metafísica" , * os sobressaltam:

templo de meus ruídos secos
e de meus ouvidos gastos,
eis vosso silêncio onde mergulho,
poetas que adoto,
a metáfora
singrando o mar enigmático.

Fernando Campanella

* A foto do trabalho em aquarela acima é de José Henrique Coutinho, meu grande amigo-irmão. Veja, abaixo, os links de blogs com seu belo, sensível trabalho:


* Os versos entre aspas no texto são de Fernando Pessoa e de Adélia Prado. O pequeno poema sobre o mar enigmático, em negrito, é de minha autoria, inspirado por, e intertextualizado com os versos dos poeta citados




quinta-feira, 27 de agosto de 2009

CAPELA DOS OSSOS


Foto by Fernando Campanella

(Os textos abaixo foram postados neste blogger em abril/2009. Trago-os, novamente, em homenagem a Graça Pires, Ana Gonzales, Emílio Moitas, Vieira Calado, meus amigos de Portugal.


Eu, que não vivi o Alentejo,
que não voei com as cegonhas
sobre suas albufeiras ao entardecer
( nem em suas quintas pernoitei)

e que não cantei odes
à glória de um D.Manuel e suas esquadras
( nem o Tejo naveguei)

que às suas capelas
não me desfiz dos ossos,
não me embriaguei do néctar de seus deuses
nem de sua flor mais bela
em Évora me enamorei,

eu, disso tudo,
por descompasso dos astros,
me privei.

Mas, oh, fado lusitano,
oh, alma dolente e migrante,
tua nostalgia,teu estar nunca estando,
esta sede por outros mundos
eu herdei

Fernando Campanella


MARES NUNCA D' OUTREM NAVEGADOS

Escrever sobre o Alentejo sem nunca ter estado em Portugal? Seria como falar do outono de New England sem ter visto in loco as tonalidades de suas folhas nessa específica estação do ano. Ou como falar dos ursos que em nosso inverno jamais vieram hibernar.

E no entanto falamos. E como poetas, cantamos, em nosso ritmo próprio, tanto as paisagens que nos são peculiares, tão nossas, como as que são de outros. Cantamos nossas montanhas, se as temos, nossas planícies, se as desbravamos, nossa gente com quem convivemos. Mas também descrevemos longos desertos que nunca percorremos, divagamos sobre galáxias que jamais viremos a conhecer: os tais 'mares' nunca d'antes, nunca d'outrem navegados.

"Para conhecer o mundo/ Não é necessário viajar pelo mundo..."*, dizia Lao Tsé. Com esses versos, o velho, lendário, mestre nos leva a refletir sobre o verdadeiro conhecimento, tão difícil como necessário, do eu mais profundo, com seus mitos.

Especialmente quando escrevemos sobre o nosso e os outros mundos, é o espaço mítico que adentramos, a nossa realidade interna, apossando-nos da geografia própria, ou alheia, apenas para transformá-la em símbolos, em matéria de sonho.


Konstantinos Kaváfis em seu poema 'Ítaca' empreende uma viagem a essa ilha grega, porém é um périplo interior, um retorno ao alumbramento dos sonhos que lhe povoam a alma. Não é a Ítaca física, de sua época, com suas vinhas, seu turismo pouco desenvolvido, a que visita, mas a terra de Odisseu, o território mítico:

“...Se te parece pobre, Ítaca não te iludiu.
Agora tão sábio, tão plenamente vivido,
Bem compreenderás o sentido das Ítacas.”

(Ítaca, Konstantinos Kaváfis, trad. de Haroldo de Campos)

Escrevo sobre o Alentejo, pois, sem nunca ter estado em Portugal. Pelo converso, um alentejano poderia escrever sobre Minas sem minha região ter visitado. Eu o entenderia: o imaginário não se limita ao tempo-espaço, tem a sua característica dinâmica por onde tramita todo o universo.

A Pasárgada do Bandeira, a Bizâncio de Yeats... O mito é recorrente, eterno, ultrapassa o humano. Caminha com as próprias, teimosas, pernas, é de todos, e ainda não se fixa, não é prerrogativa de Ítaca, do Alentejo, de Minas, em particular, de ninguém.

Fernando Campanella

APRENDIZ


Foto by Fernando Campanella


E agora costuramos nossos jogos de bem-me-quer, não-me-quer , fase em que nos alinhavamos no infecundo círculo da incerteza emocional. Arriscamos aqui mergulhar em um abismo sem fim, sem pausa para retomarmos nosso ar, para inspirarmos, eu sem você, você sem mim, as isentas, vitais alegrias que eclodem à luz do dia. (Ah, angústia de amor jamais suprido, mar de vai-e-vens descomunais) Mas o aprendizado da alma é bem assim, dizem os doutos sábios: mergulhar, mergulhar, e subir. Então sou aprendiz de mim.



Fernando Campanella

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

IDENTIDADE


Photo by annkelliott from Flikckr

Sou um recém-cogumelo
no pasto-Minas brotado
ao mundo nem tanto valho
mas se me buscares
trago por abrigo a sombra
- e estrelas por identidade.

Fernando Campanella


segunda-feira, 24 de agosto de 2009

LEGADO


Snow goose, photo by Gaëtan Bourque (Imapix) at Flickr *

Aqueles gansos sobrenadam o lago
descuidados da estação de partir.
Meus olhos dispersam seus bandos,
meu coração em bravas asas
é meu tesouro ao se abrir.

No mundo certas uvas da melhor cepa
eu colho. Deste vinho, meu legado,
outras almas beberão por mim.

Fernando Campanella


* Transcrevo aqui , com minha tradução, o belo texto do fotógrafo Gaëtan Bourque em sua nota descritiva sobre a foto dos gansos se alimentando na Baie-du-Febvre, Québec, Canada:

"The Snow Goose (Chen caerulescens) is a North American species of goose. Its name derives from the typically white plumage. Twice a year, hundreds of thousands of snow geese alight alongside the St. Lawrence River. An unbelievable feast for the eyes and ears, the immense flocks transform the river into a rippling sea of white as the air fills with deafening cries. And when these valiant vagabonds suddenly take wing, the sight of their breathtaking aerial ballet is the stuff of legend."

(Gaëtan Bourque)


"O ganso-da-neve (Chen caerulescens) é uma espécie de ganso norte-americano. Seu nome deriva de sua plumagem tipicamente branca. Duas vezes por ano, centenas de milhares deles pousam ao longo do rio São Lourenço. Uma inacreditável festa para os olhos e ouvidos, seus bandos imensos transformam o rio em um ondulado mar de branco, ao mesmo tempo em que o ar se enche com grasnares ensurdecedores. E quando essas bravas aves errantes subitamente batem asas, a visão de seu empolgante balé aéreo é típica dos sonhos."

(Gaëtan Bourque, tradução de Fernando Campanella)

domingo, 23 de agosto de 2009

UM POEMA E SUA TRADUÇÃO


Photo by Richard Murkland from Flickr
http://www.flickr.com/photos/richarddigitalphotos/2960631465/

ALCHEMY

Wise is the alchemy of the leaves

- acid green
treasured sepia
crumbling gold -

I silently watch my seasons
unfold.

Fernando Campanella


ALQUIMIA

Sapiente,
a alquimia das folhas

- o verde ácido
o sépia precioso
o ouro solvente -

observo minhas estações
desdobrarem-se
silentemente.

Fernando Campanella


sábado, 22 de agosto de 2009

POEMAS ANTIGOS*


Foto by Fernando Campanella

REPASTOS

Penso nas vacas como em um mundo enrolado
- a cosmogonia circunscrita das vacas.
Mas que sei de universos cifrados?
Eu, que suposta ciência tenho da alma,
cultivo angústias do contextualizar.
Sei que os bezerros às vezes param
e me observam
quando por sobre o muro de silêncio os contemplo
- é quando uma súbita luz corta o tempo.

Depois nada mais acontece
a não ser um delicado ruminar de filhotes
absolvendo a tarde das metafísicas inúteis.

Fernando Campanella, 1993.

*Mais algumas palavras sobre meus poemas antigos, focalizando a questão: alterá-los ou deixá-los como estão?
No poema acima optei pela primeira alternativa. Substituí alguma palavra aqui, ali, acrescentei um verso inteiro, o qual acredito ter contribuído para uma iluminação, uma leveza, no tema da incomunicabilidade do poema. O título só foi dado agora, também.

Deixo aqui, as palavras do poeta Yeats quanto ao assunto 'refazer um poema':

The friends that have it I do wrong
Whenever I remake a song
Should know what issue is at stake
It is myself that I remake.

"Aqueles que acham um problema
Quando refaço algum poema
Saibam por que problema eu passo:
É a mim mesmo que refaço."

(Versos de William Butler Yeats em tradução
de Antonio Cicero,

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

ROBIN*



A NEW PERCH FOR A ROBIN
Photo by Ian Lewis do Flickr
http://www.flickr.com/photos/31112982@N03/



"FOR A BETTER WORLD, MAY THE ROBIN'S SIMPLE SONG REACH EACH AND EVERY HUMAN SOUL ..."

"PARA UM MUNDO MELHOR, POSSA A SIMPLES CANÇÃO DE UM ROBIN ATINGIR CADA E TODAS AS ALMAS..."

Li a frase acima em algum blogger, como não havia o autor, fica em aberto.

Gostei muito da mensagem da frase. Porém, como brasileiro, eu parafrasearia: ... a canção de um robin, de um canário, de um bem-te-vi... , mas , reconsiderando, para um mundo melhor temos que nos desapegar do conceito de fronteiras e nacionalidades. Então eu diria:

PARA UM MUNDO MELHOR, POSSA A CANÇÃO DOS PÁSSAROS ATINGIR CADA E TODAS AS ALMAS...

Porém, fica com minha amiga Sonia Brandão, o melhor arremate para esta evocação dos pássaros. Em comentário à postagem ela me diz:

"Se todos tivessem olhos para a beleza dos pássaros teríamos um mundo melhor.É preciso também ouvir o pássaro que canta dentro de nós."


O robin é o pássaro mencionado no poema da Emily Dickinson na postagem anterior. Mas penso a poetisa ter se referido ao Robin Americano, que já é uma outra espécie.


Na foto acima temos o Robin Pisco-de-peito-ruivo, encontrado em Portugal, Inglaterra, e em outros países, mas , acredito, não nos Estados Unidos.



O pássaro, segundo o fotógrafo Ian Lewis, de Redruth, Reino Unido, pousou no espelho retrovisor de seu carro durante uma pausa para almoço no estacionamento do Parque Lydford. Felizmente, nos diz o fotógrafo, o vidro do carro estava aberto, e sua câmera encoantrava-se no banco de passageiro. Uma oportunidade dos deuses.



Visite sua galeria no Flickr para lindas fotos sobre a natureza do Reino Unido.



Visite também o site avesdeportugual.info com lindas fotos do robin Pisco-do-peito-ruivo, de onde tirei informações para esta postagem.

EMILY DICKINSON, UMA TRADUÇÃO*


Sempre-viva, foto by Fernando Campanella

Pink, small, and punctual.
Aromatic, low,
Covert in April,
Candid in May,

Dear to the moss,
Known by the knoll,
Next to the robin,
In every human soul,

Bold little beauty,
Bedecked with thee,
Nature forswears
Antiquity.

(Emily Dickinson Complete poems,
1924, Part Two: Nature)

(A UMA SEMPRE-VIVA)

Rósea, minima, e pontual.
Rasteira e aromática,
Secreta em abril,
Em maio desperta,

Querida aos musgos
Conhecida dos montes,
Vizinha dos tordos
Presente nas almas
dos homens...

Adornada de tua majestade,
Oh, delicada beleza,
A natureza renega
A antiguidade.

Livre tradução de Fernando Campanella
(18/08/2009)

* Poesia não se traduz, dizia uma mestra de Literatura Inglesa em meu curso de Letras. Fazia coro, creio, com o poeta Robert Frost que afirmava que 'poesia é o que se perde na tradução'.
Há um tanto de verdade nisso. Rima, sonoridade, ritmo, cultura, vivências, memória linguística - são tão sutis e intrincados os liames entre língua e conteúdo no universo do poema que toda tradução passa a ser, no mínimo, temerária. Porém, como poderíamos sentir a grandeza de um poema do grego Constantinos Cavafis, por exemplo, senão pela tradução?

O poema da Emily acima tanto me encantou que senti a necessidade de traduzir tal encanto, a sua atmosfera, para a nossa língua. Que me perdoe a mestra, e a própria Emily, mas não resisti.

Tomei a liberdade de colocar um título ( Emily jamais os colocava em seus poemas). Outros expedientes de que me utilizei foram mencionar 'Sempre-viva' quando li que ela se referia, no poema, a um 'Arbutus' (uma espécie de Sempre-Viva), assim como sacrificar a palavra 'bold' do original, que significa algo como 'audaciosa', 'corajosa', substituindo-a por 'majestade', que traz a idéia de coragem, destemor, facilitando, assim, a rima com antiguidade. Para uma melhor compreensão, traduzi, também, a palavra 'robin' por 'tordo', uma vez que aquele é uma espécie deste último e a palavra 'robin' não teria uma tradução para o português.

Pode haver algo, ou muito, de mim na tradução do poema da Emily, isso é inevitável, afinal é um pouco do universo da poetisa visto através de meus olhos, de minha sensibilidade. Ademais, poetas só traduzem poetas com quem têm afinidade.

Espero que a essência e a beleza de sua poesia estejam em minha tradução preservadas.
Fernando Campanella

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

IMAGEM DO DIA (A CAMINHO DE SÃO DOMINGOS)


A caminho de São Domingos
Foto by Fernando Campanella

Corro o mundo pela beirada,
minha carroça, seu moço,
é o que levo da vida,
meu cavalo, o vento
que me levanta da estrada.

Fernando Campanella

terça-feira, 18 de agosto de 2009

TEMPUS FUGIT (O AMOR É UM JARDIM)


'O Alentejo é um jardim'
Foto por Emilio Moitas (Moitas61 Flickr)*

O amor não sabe a papéis,
a tolas permutas

o amor se lembra quando de ti te esqueces
quando mais alucinas que te falta -

vagamos pelas torpes vielas, acendemos
nos baixios nossas mínimas luzes,
e o tédio, o tédio , se deixarmos,
nos entope insuportável as goelas -

mas o amor,
o amor é quando se cala,
quando nossos egos se rendem

e olha que a vida em sua chama
- tempus fugit - pelo amor se dissipa mais lenta,
se incorpora mais bela -

amor é quando abrimos os olhos
e vemos, em seus jardins,
desdobrarem -se os céus
no detalhe.

Fernando Campanella


* O trabalho fotográfico do português Emílio Moitas é mais uma das gratas surpresas que venho experimentando após minha entrada no Flickr. O fotógrafo-poeta mescla o factual e o lírico quando registra cenas da sua Arronches, situada no Alto Alentejo. Suas fotos no site vêm sempre acompanhadas de notas descritivas, ora versos de poetas portugueses ou espanhóis, ora informações históricas, políticas, formando um maravilhoso painel sócio-cultural-estético do Alentejo, terra onde uma poetisa tão querida aos brasileiros nasceu, viveu, abrindo-se em Florbela de Portugal.
Em sua foto , postada acima, com o título 'O Alentejo é um jardim', é o amor à bela natureza alentejana o que olhos e alma do fotógrafo nos revelam. No Flickr, como um adendo descritivo à foto, o fotógrafo brinda-nos com os versos do poeta Vitorino, em que se destacam:
... O Alentejo é um encanto
Uma braçada de rosas
Vou bailar com meus amores
Alentejanas e amorosas...

Texto by Fernando Campanella

domingo, 16 de agosto de 2009

SINOS DE MINAS


Foto by Fernando Campanella


SINOS

Dois sinos tocam ao finado,
um maior, como que do céu
chamando,
e a alma melancólica
respondendo
‘já vou indo, meu pai’,
é o sino menor dobrado.

Outro sino
nove vezes na tarde badala
ad aeternum evocando a chegada
do antigo anjo dos mitos .

Aqui, sinos
não celebram grandes impérios
nem cataclismos rememoram
nem por isto menos sino se torna
o eco do longínquo que sentimos.

Aqui também bate o sineiro
sinos doces, pequeninos

e da branca torre, no natal,
todo ano como num encanto
desce do Deus menino
um soprinho.

(Fernando Campanella,
Dezembro de 2007)




Talvez o que mais me evoque o coração de Minas sejam os sinos que tangem, suave dobrar de um bronze que ecoa nos refolhos da alma.


São eles um patrimônio religioso, cultural, monumentos de um espírito coletivo.Casam-se com uma quase tristeza,uma leve cor, indecisa entre dor e alegria , presente nos pastos, nas capelas à beira das estradas, nas árvores, nos bichos e nos homens, na própria luz do sol que por entre nós perpassa, no silêncio anilado do céu - o espírito mineiro vibrando em singela, eterna circunspecção.

Parecem, os sinos, ter sido inventados, criados para Minas; são a impressão mais bem guardada de seu encanto e mistério. Alguns maiores, outros mais pequeninos, sinos para o Deus grande, para o Deus-menino, toques melancólicos que anunciam a passagem para a morada encantatória do Pai, toques mais festivos para páscoas, ou mais sublimes, para o ângelus, a visita do Anjo a Maria... Sinos para toda solenidade e ocasião.

Mas os sinos são , acima de tudo, o toque renovado, universal, de um necessário Deus a evocar o natal no coração dos homens.

Fernando Campanella



sábado, 15 de agosto de 2009

IMAGEM DO DIA


Backyard bird, Foto by Nancy Chow, njchow82 from Flickr*

...após as chuvas
um sapo estufa
e a vida estica -

um pardal corteja
a flor conspícua
da tiririca.
Fernando Campanella

* Na postagem anterior, com o poema 'Construindo o ninho', acrescentei um comentário sobre a sincronicidade, e a permissão da fotógrafa canadense, Nancy Chow, do Flickr, para que eu ilustrasse meu poema em inglês com sua foto do pardal. Algumas horas depois, recebi um email dela, informando -me que havia visto a postagem, e que tinha gostado muito do poema. Informou-me, também, que não conseguiu deixar um comentário em minha página. Repasso aqui, a apreciação que fez sobre o poema, enviada em e mail no Flickr, com a minha tradução.

"Hello Campanella
Beautiful poem and I thank you very much for sending it---like you said it is simple but deep and I love it. All of a sudden my sparrow images mean so much more to me.
Regards,
Nancy"

"Olá Campanella
Lindo poema e eu a agradeço a você muito for me enviá-lo - é como você disse, um poema simples mas profundo e eu gosto muito dele. De repente minhas imagens do pardal passaram a significar tão mais para mim.
Atenciosamente
Nancy"

Muito obrigado , Nancy, novamente. Você pode sentir orgulho pelas lindas imagens da natureza que seus olhos descobrem e sua câmera registra.
(Thank you, again, Nancy, you can be proud of the beautiful images of Nature that your eyes find and your camera registers.)

UM POEMA EM INGLÊS E SUA TRADUÇÃO


Building a nest, photo by Nancy Chow,

BUILDING A NEST



I saw my backyard sparrow
build up its nest
out of scattered weeds.

O gardener of the instinct,
(O master of the winds)
I sing your tunes
I play your deeds –
I dance to thee,

I am thy nestling,
tend gently
to my poetry.

Fernando Campanella


CONSTRUINDO O NINHO

Eu vi um pardal
com ervas esparsas
a construir seu ninho.

Oh, jardineiro do instinto
(oh, mestre dos ventos)
eu toco vossos tons,
eu canto vossos atos -
eu danço a vós -

sou vossa cria,
velai gentilmente
por minha poesia.

Fernando Campanella
*Uma pequena estória sobre uma sincronicidade, uma sintonia.
Há quase dois anos, em uma fase de transição de minha vida, escrevi o poema em inglês acima e deixei-o assim, sem tradução. Na semana passada eu o traduzi e pensei em postá-lo aqui no blogger, porém faltava-me a imagem, visto que não tenho fotos adequadas de pardais. Engavetei a idéia.

Há alguns dias atrás conheci o trabalho de Nancy Chow, de Calgary, Canadá, no Flickr, maravilhoso site de fotografia onde também apresento algumas fotos minhas. Entrei em contato com ela imediatamente por e mail para adicioná-la ao meu perfil do Flickr, motivado pela extrema beleza de suas fotos da natureza, dos animais. Ela me respondeu amavelmente, agradecendo, e cedendo suas fotos para eventual postagem em meu blogger.

Aqui entra a sincronicidade mencionada no início desse relato. Hoje quando acessei o Flickr vi as atualizações das fotos dos 'photostreams' de meus amigos. Meu Deus, fiquei encantado, uma dessas fotos era a de um pardal com ervas no bico, da autoria de Nancy, e justamente com o título 'Pardal do quintal, ou 'Construindo o Ninho'. Ela devia ter postado essa foto há pouco tempo antes pois eu não a conhecia. A imagem perfeita para meu poema em inglês fora conseguida.

Mais uma pequena-grande alegria em minha alma.

Obrigado, Nancy.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

IMAGEM DO DIA


IPÊS AMARELOS
Foto by Fernando Campanella

...quase um quê de mim
em ipês amarelos e roxos.

Fernando Campanella

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

NA PEDRA*


Musgo na pedra, foto de Contapem, Flickr*

A solidão como um musgo
- verde tom de um degredo
que medra
e nos entrava -
façamos andar e cantar
a palavra.


Fernando Campanella

* A foto acima é das mais belas que já vi sobre musgos. O autor , que autorizou a postagem aqui no blogger, apresenta uma galeria de fotos no flickr, se identificando nesse site como Contapem. Obrigado ao fotógrafo pela permissão, e parabéns pela maravilhas registradas.
* Musguito en la piedra (pequeno musgo na pedra), imagem de um poema de Mercedes Sosa

À NOITE SONHAMOS


A noite, 2.bp.blogspot.com

À noite seguimos descuidados,
a vida em árvores densas de aromas,
em pétalas tintas de orvalho.

À noite sonhamos em um céu de metáforas
onde a lua é unha que arrepia segredos,
estrelas são hangares pequeninos -
a sombra , um dócil lobo que nos chama.

À noite, rompemos degredos,
volvemos aos ninhos,
somos meninos -

infância distraída de seus medos.

Fernando Campanella

terça-feira, 11 de agosto de 2009

PRIMEIRAS FOTOS


Foto by Fernando Campanella
"... o desenho incógnito das árvores..."

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

INFÂNCIA


Foto by Fernando Campanella

O que é aquilo
no bico do bem-te-vi?
Será minhoca, será capim?
Será a comida do filhote
ou um novo ninho no jardim?

Fernando Campanella, 1994

sábado, 8 de agosto de 2009

A CAPELLA


Cemitério de S.Sebastião das Tês Orelhas,
Foto by Fernando Campanella


O cemitério de São Sebastião
é um universo a capella
onde a humanidade se despe
corruíras descansam

e se agarram as gavinhas.

Fernando Campanella, 1991


quarta-feira, 5 de agosto de 2009

D' OIRO


Foto by Fernando Campanella

Antes que o amor entristeça
e a sombra nos colha em seus laços,
passeemos, as mãos dadas, Lídia,
pela fímbria d'oiro destes jardins.

Fernando Campanella






terça-feira, 4 de agosto de 2009

UM POEMA EM INGLÊS E SUA TRADUÇÃO


White lilac ( Lírio branco) by Heather from Flickr

INTERDICTA
(Anima interdicta
in saecula seculorum)

I’ve felt you come blind-folded
into the flanks of my night
bringing me a handful of buds:
roses, clovers and lilacs white.

But, o, poetry,
let’s seal it a secret -
all my captive birds fly
by your passing I saw

though men shall not be granted flowers
in our unscripted stone-aging law.

Fernando Campanella


INTERDICTA


(Anima interdicta
in saecula seculorum)

Eu te senti entrar de olhos vendados
pelos meus noturnos flancos
trazendo –me em mão cheia botões:
rosas, trevos e lírios brancos.

Mas, oh, poesia,
vamos tal segredo selar -
todos meus pássaros cativos voarem
à tua passagem eu vi

porém a homens não serão outorgadas flores,
insiste uma envelhecida lei das pedras
em ditar.

Fernando Campanella







segunda-feira, 3 de agosto de 2009

QUEBRANTO


Golfinho no mar de Fernando de Noronha
Foto by Fernando Campanella

Golfinho, meu mestre,
meu coração bate em pedras,
vem, e me ensina o sonar.

(Encanta-me o molejo dos deuses,
invoca-me o quebranto do mar.)

(Poema XV da série 'O Eu Confesso',
Fernando Campanella)

sábado, 1 de agosto de 2009

EFEMÉRIDES (AGOSTO)


Foto by Fernando Campanella

Agosto não é bem rima
nem bem desgosto
é quase um quê de mim
em ipês amarelos
e roxos.

(Fernando Campanella, poema da
série Efemérides)