segunda-feira, 30 de março de 2009

FAC-SÍMILE


Artist's rendition of the view from a
hypotheticalplanet orbiting Alpha Centauri A

Estrela, minha Alfa Centauro,
ou uma outra qualquer
a inumeráveis anos-luz de indiferença,
sou um terráqueo instável , nem me sabes,
mas gosto à noite de deitar-te em meus olhos,
cansado das luzes nervosas onde me lavro.

Estrela, meu astro reinventado,
por que assim, enternecido, de ti me enamoro,
na funda noite exorcizado ?

Serias como humanos
que de longe nos encantam
trazendo de perto o cheiro de entranhas,
o encadeamento dos hábitos?

Apascentarias ovelhas à tua órbita?
Saberias da duração de tua glória?

E se eu te tocasse e te dissolvesses em absurdos ares?

Se eu te devorasse , terias de mim próprio
a consistência mesmíssima de um pó,
a fragilidade de um pirilampo -
tudo tão simples fac-símile de tudo
tão em si mesmo desmitificado?

(Estrela, tua terna esfinge me basta.)

Fernando Campanella, 2007


1) Veja o vídeo sobre Alfa Centauro

http://www.youtube.com/watch?v=aKLWuXmUScs




domingo, 29 de março de 2009

STAINED GLASS


Foto by Fernando Campanella

Listen ( Ouça):
l) Coro Capella Sistina

http://www.youtube.com/watch?v=D1RCT8Cliys&feature=related

2)Buddhist chant - Shingon

http://www.youtube.com/watch?v=A1evxMA7yYw&feature=related


Why do I write?
Why do I sometimes
into my hands clasp the light
only to spread it,
a thousand gasping wings
probing the sideless skies -

and the universe
suddenly dresses bright
and a stained glass
in a chapel
then reflects
my heart…

Fernando Campanella


VITRAIS

Por que escrevo?
Por que em minhas mãos
às vezes a luz retenho
apenas para estendê-la -
mil asas ofegantes
sondando os céus
sem beirais –

e de repente o universo
se faz luzente
e uma capela
reflete então
meu coração
em seus vitrais...

Fernando Campanella

DOMINICAIS


Foto by Fernando Campanella

Três poemas e entre eles
o domingo,
minha pena cordial

meu arroio sem glória
meu tédio
meu Tejo sem nau

(Fernando Campanella, 2009)

Estas paisagens que me detêm
trazem, às vezes, de mim
o outro lado, a gastura
e o fastio infinito dos clichês:

desfaço os novelos dos cirros,
enfio a lua no saco
e prossigo,
apagando um a um
os astros.
(Fernando Campanella, 2007)


A eternidade tem às vezes
sete palmos de silêncio
como flagrante
de um fosso dominical
com direito à flor de superfície
sino de longínquo bronze
e imobilidade de sol

(Fernando Campanella, 1986)




sábado, 28 de março de 2009

MIMUS


Sabiá do Campo, foto by Fernando Campanella


Segundo dia de um congresso sobre Educação , os workshops da manhã martelando o tema ‘O papel do professor no negócio-ensino’. Finca-se no ar e no subconsciente dos participantes, uma idéia tão cara ao neo-liberalismo, a de que são os mais competitivos de nossa espécie os que sobrevivem.

Corro os olhos pelos palestrantes, pela sala de conferências do hotel, pelos assistentes do evento em seus sorrisos profissionais e suas embalagens impecáveis. Dou uma sacudidela na mente para me distrair da impressão aterradora de que tudo, educação, saúde, música , gentilezas, vai se transformando em business e marketing.

Duas horas para almoço, preciso me afastar daquela atmosfera e saio a percorrer as ruas da pequena cidade turística.

A pracinha central sob um céu retinto de azul, ao sol brando de inverno, me seduz com a arquitetura delicada de seus gramados, seus ciprestes esculpidos em forma de aves enormes , uma agradável descoberta para mim.

E lá estavam, e cantavam, seus freqüentadores mais assíduos, seus pássaros. Alguns voavam de arbusto em arbusto, outros atingiam às vezes o topo de um pinheiro mais alto, demorando-se lá em cima por longos minutos. Durante esse tempo, que me pareceu infinito, as nuvens cobriam momentaneamente o sol , depois se abriam, as árvores agora carregadas de luz, lembrando uma decoração temporã de natal. E os pássaros nos cimos , como apêndices, a meditar ao céu.

Àquela altura, eu já havia esquecido o almoço, e a própria areia movediça dos intrincados negócios onde todos nos enfiamos. Tiro várias fotos , mas sempre dos mesmos personagens: rolinhas, joões de barro, pardais. Porém, a espécie em maior número, e de maior rebuliço , na praça, era desconhecida por mim.

Confesso minha condição de ignorante turista a um vendedor de pipocas, e pergunto-lhe o nome daquela maravilha em tons de marrom, peito e sobrancelhas brancos, cauda alongada, semelhante aos sabiás em forma e cor, mas de diferente canto. Sabiá-do-campo – diz-me o homem, um tanto incrédulo com meu desconhecimento de algo tão banal. Ou galo-do-campo – acrescenta, nome dado à ave na região rural onde fora criado.

Agradeci, e pensei com meus botões se aquela espécie não haveria sofrido mutações em sua trajetória: de galo-do-campo, passando por sabiá-do-campo, chegando agora a sabiá-da-praça com suas ensaiadas poses para fotos de turistas, em seus negócios de pipocas como alimento garantido em troca da exposição. Mas pássaros ainda são pássaros, alimentam-se de bichinhos e sementes, não têm negócios com os homens. E, sobretudo, ainda cantam para Deus , como dizem os chineses, nos jardins pródigos, de graça.

Volto ao hotel para mais uma rodada de palestras na tarde, mas agora menos comprometido , mais leve: outras sintonias havia , outros encantos ainda não conspurcados.

Findo o congresso, vou pesquisar sobre aquela variedade de sabiá em um site científico e constato a veracidade da informação obtida . O ‘Mimus Saturninus’, ou popularmente ‘Sabiá-do-Campo’, é uma ave dócil que pode se adaptar às grandes cidades. É bastante comum nas cidades do interior de São Paulo, e de Minas, pelo que eu pude observar. Vista sempre em pequenos bandos de três a sete indivíduos, imita sem maestria o canto de outros pássaros, daí a origem do nome ‘Mimus’, imitador, em latim. De vez em quando abre-se em exibição denominada ‘lampejo de asas’, atitude ainda não satisfatoriamente esclarecida pelos ornitólogos.

Quando transfiro as fotos para o computador, alguns dias depois, a mais tocante, para minha surpresa, é justamente a de um Mimus no fio de luz de um poste, mirando algum ponto indefinido no céu.

Bate em mim, então, uma irreprimível saudade, uma falta, como se de um amigão distante, ou de algo em mim, alguma alegria há muito tempo vivida. Confesso, que sob o peso de minhas couraças, deixei escapar alguma lágrima, assim meio camuflada. Mas tenho que voltar aos meus negócios.



Fernando Campanella, 01 de Julho de 2007



1)Ouça o canto deste pássaro:
http://br.geocities.com/arieref/sabia_campo.html






sexta-feira, 27 de março de 2009

VERSOS ANTIGOS


Foto by Fernando Campanella

Às vezes revisito meus antigos poemas. Retiro do armário certas páginas datilografadas, amarelecidas, que dormem à sombra de uma caixa. E leio aqueles escritos como se lesse um sonho de um poeta incipiente, e distante.

Versos com reminiscências, ecos de Cecília Meireles, Emily Dickinson, Florbela Espanca, Fernando Pessoa... Alguns mal-delineados, um fluxo desordenado de imagens. Outros já melhor elaborados. Um caminho recém-descoberto, que eu não poderia saber aonde iria me levar.

Reestruturo tais versos, algumas vezes, sob a ótica de um certo amadurecimento poético adquirido com os anos. Há imagens bonitas, às vezes soltas, dentro de alguns poemas que justificariam uma lapidação.

Porem, é sempre com um sentimento de culpa que trabalho em tais poemas mais antigos. São sonhos de um poeta distante, como eu disse acima, melhor respeitá-los, dentro das limitações em que se formaram. Filhotes , ainda, que ensaiavam o vôo.

Por um outro lado, tenho comigo que um poema nunca esteja definitivamente criado. E se não trabalhei em meus antigos versos à época em que foram escritos, por falta de tempo, pela urgência de outros compromissos, por que não fazê-lo agora?

Escrever, assim como viver, é debater-se em escolhas. E às vezes opto por deixar um antigo poema como está, inteiro, com sua possível imperfeição, suas reminiscências, sua dignidade. Ingênuo, sagaz, hermético, lúcido... O que importa? Um poema se tece.

Um poema antigo, intacto, que hoje trago à luz:

GOTA


Já viste a alma presa
No cálice de tua mão?
Não validemos tal dor,
No cômputo final
Ela não ultrapassa uma gota,
Um suspiro de orvalho
Sacrificado ao ar.
Ao universo nada importa,
Tudo traz o selo de perfeição.
Não choro.
Mas como queria de vós, natureza,
Uma tal isenção.

Fernando Campanella, 1986

quinta-feira, 26 de março de 2009

CARTAS DE AMOR


'Mulher escrevendo carta', tela de Johannes Vermeer
i2.photobucket.com/.../escrever/vermeer1.jpg


http://www.youtube.com/watch?v=xBsFACFJkZY


CARTA

Ouso dizer-te, meu amor,
que tua ausência
é uma distância implícita de mim.

Nossos eus se emaranham
e já não sei
em que ponto me quedo,
em que ponto te levantas.

A que limite
sou eu que te busco,
ou tu que me alcanças?

Quando prosa ritmada,
ou verso sem pé?

Faca ou colher?

Quando manha, quando ferida?
Onde pecado, onde pudor?

Em que berço
com teus sonhos me deito?
Com meus sonhos
te despertas em que leito?

Cara ou metade?
Lucidez ou enfermidade?

Se memória de ti,
Se esquecimento de mim,
já o que importa?

Onde defeito ,
um mais que perfeito,
um efêmero,
um querer-te comprido,
sem fim....

(Fernando Campanella)




Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.

Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.

A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)

(Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa)



CARTA
Carlos Drummond de Andrade

Há muito tempo, sim, não te escrevo.
Ficaram velhas todas as notícias.
Eu mesmo envelhecí: olha em relevo
estes sinais em mim, não das carícias
(tão leves) que fazias no meu rosto:
são golpes, são espinhos, são lembranças
da vida a teu menino, que a sol-posto
perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto
à hora de dormir, quando dizias
“Deus te abençoe ”, e a noite abria em sonho.
É quando, ao despertar, revejo a um canto
a noite acumulada de meus dias,
e sinto que estou vivo, e que não sonho.



MINHA AMADA IMORTAL


Ludwig Van Beethoven
3.bp.blogspot.com/.../s320/Beethoven-764449.jpg


Ouça 'Für Elise" by Beethoven

http://www.youtube.com/watch?v=xdyWbXsvvDg&feature=related


"Após a morte de Beethoven, foi encontrada em seus papéis particulares uma carta de amor, escrita a lápis, sem qualquer indicação sobre sua destinatária. "Meu anjo, meu tudo, meu eu…", dizia a carta, redigida em tom de lamento. "Esqueceu de que você não é inteiramente minha e de que eu não sou inteiramente seu? Oh, Deus!", gemia Beethoven. Até hoje os biógrafos discutem a identidade da musa secreta. A história rendeu um filme, Minha amada imortal (Immortal Beloved), de 1994, dirigido por Bernard Rose, com Gary Oldman na pele de Beethoven."

(FOLHAONLINE :
http://musicaclassica.folha.com.br/cds/03/curiosidades.html)



Manhã de 6 de julho [de 1812]
Meu anjo, meu tudo, meu ser. Apenas algumas palavras hoje, à lápis (o seu). Até amanhã a minha morada estará definida. Que desperdício de tempo. Por que [sinto] esta tristeza profunda quando a necessidade fala? Pode o nosso amor resistir ao sacrifício, em não exigir a totalidade um do outro? Pode mudar o fato de que você não é toda minha nem sou todo seu? Oh, Deus! Olhe para a beleza da natureza e conforte o seu coração com o que deve ser. O amor exige tudo e com razão. Assim, eu estou em você e você em mim. Mas você se esquece facilmente que preciso viver para mim e para você. Se estivéssemos completamente unidos, você sentiria esta dor tão próxima quanto eu sinto. A minha viagem foi terrível; só cheguei ontem às 4 horas da manhã, uma vez que na falta de cavalos, o cocheiro escolheu um outro caminho, mas que caminho terrível. Na penúltima parada fui avisado para não viajar à noite, fiquei com medo da floresta, e isso só me deixou mais ansioso – e eu estava errado. O cocheiro precisou parar na estrada infeliz, uma estrada imprestável e barrenta. Se estivesse sem os apetrechos que levo comigo teria ficado preso na estrada. Esterhazy, percorrendo este caminho habitual, teve o mesmo destino com oito cavalos que eu tive com quatro. Senti algum prazer nisso, como sempre sinto quando supero com sucesso as dificuldades. Agora uma rápida mudança das coisas externas para as internas. Provavelmente nos veremos em breve, mas hoje não posso compartilhar contigo os pensamentos que tive durante estes poucos dias dias sobre a minha vida. Se os nossos corações estivessem sempre juntos, eu não teria nenhum deles. O meu coração está repleto de coisas que gostaria de dizer-te. Ah. Há momentos que sinto esse discurso não ser nada. Alegre-se. Você permanece [sendo] a minha verdade, o meu tesouro, o meu tudo como eu sou o teu. Os deuses devem nos mandar o restante, aquilo que deve ser para nós e será. Seu fiel Ludwig.

(Beethoven)

(Do blogger: www.nubibella.com/category/curiosidades/)

quarta-feira, 25 de março de 2009

THE DAYS OF WINE AND ROSES


Rosa híbrida
www.jardineria.pro/.../2008/06/constance.jpg


http://www.youtube.com/watch?v=9TpvTEb4BaQ&feature=related


They are not long, the weeping and the laughter,
Love and desire and hate;
I think they have no portion in us after
We pass the gate.

They are not long, the days of wine and roses:
Out of a misty dream
Our path emerges for a while, then closes
Within a dream.

Ernest Dowson



OS DIAS DE VINHO E ROSAS

Não são longos, o riso e o choro,
o amor, o desejo e o ódio;
Porção nenhuma em nós terão,
imagino,
após o portal cruzarmos.

Não são longos, os dias de vinho e rosas:
De um sonho em névoa
nosso caminho por um instante desperta
depois dentro de um sonho
se encerra.

Ernest Dowson


( Livre tradução de Fernando Campanella)

DE ROSAS


Foto by Fernando Campanella


Brindemos, amantes, a cada manhã
com um suave tilintar de pétalas,
com o mais fino licor de uma rosa
tão finita & sempre viva,
tão óbvia & super nova,
tão dolorosamente espinho
e ainda amorosamente rosa:
eis o amor em sua mais redundante
e ainda irretocável metáfora -
todo o resto é meramente prosa.

Fernando Campanella


OF ROSES

Let’s toast, lovers, each morn,
With a caring tinkling of petals,
And the finest liquor
of a rose
So finite & everlasting,
So obvious & anew,
So painfully a thorn
And lovingly a rose
Still.
That’s love
In its redundant
Yet most irreproachable
Metaphor –
All the rest is merely prose.

Fernando Campanella

segunda-feira, 23 de março de 2009

LÓTUS


Foto by Fernando Campanella

meu lodo
meu lótus

ali
onde tantos se afogam
eu escrevo nas águas

Fernando Campanella

À NOITE SONHAMOS*


Foto by A. Carlos Januário

À noite, seguimos descuidados,
a vida é solta,

árvores nítidas de aromas,
pétalas tão úmidas de orvalho.

À noite sonhamos em um céu de metáforas
onde a mínima lua
é unha que arrepia segredos
estrelas são hangares pequeninos -
a sombra, um dócil lobo que nos chama.

À noite, rompemos degredos,
volvemos aos ninhos,
somos meninos -

infância distraída de seus medos.

Fernando Campanella



Ouça:
Prelúdio número 15 'Raindrop' - by Chopin, pianista Alfred Perl
http://www.youtube.com/watch?v=-Ot9INo7Zvw


Noturno Op.9 N0. 2, by Chopin, pianista Arthur Rubinstein
http://www.youtube.com/watch?v=YGRO05WcNDk&feature=related



* 'A Noite Sonhamos' - Título de um filme que apresenta a biografia de um dos maiores gênios da música de todos os tempos: Frédéríc Chopin (Cornei Wilde). Depois de ser expulso da Polônia, por se recusar a tocar para o governador Czarista, Chopin e seu professor musical fogem para Paris. Lá, Chopin conhece a escritora Aurore Dupin (Merle Oberon). mais conhecida pelo pseudônimo masculino que usava para assinar seus livros, George Sand, por quem se apaixona perdidamente. Debilitado fisicamente e temendo que seu romance se torne público, Chopin, acompanhado de Sand, viaja para Majorea, onde o clima úmido chuvoso fortaleceria ainda mais sua maior inimiga: a tuberculose. Excelente adaptação biográfica para as telas, lhe rendendo 6 indicações ao Oscar, incluindo Melhor Ator (Cornel Wilde) e Melhor Roteiro Original. (http://www.netmovies.com.br/titulo/A-Noite-Sonhamos.html)



domingo, 22 de março de 2009

ALQUIMIA


Foto by A. Carlos Januário

Bom dia, minha jaqueta surrada,
reincorporo-te como a uma identidade, a um eu
imune aos ecos do mundo,a uma canção de amor
tão gasta, e ainda sempre,sempre, ressuscitada.

Bom dia, meu ninho, onde ao largo do dia
me deito, resvalo dos elos concêntricos
e disparo meus sonhos, em mais íntima revoada.

Retomo-te, minha outra natureza, e contigo escrevo,
adentro o reino dos meus velhos poetas -
meus alquimistas dos sonhos –
da realidade mais sutil, imaginária.

Bom dia, meus sóis com chuvas,
meu arco, meu ouro, meu pote de luz
- claras núpcias de minhas raposas e viúvas.

Fernando Campanella



sábado, 21 de março de 2009

OUTONO, LEITURAS....


Foto Chet Baker http://2.bp.blogspot.com/_
wtuFyqkO5e8/R9rP754C8kI/AAAAAAAAANs/pMixGNfm8TA/s320/
chet%2Bbaker.bmp

AUTUMN LEAVES (CHET BAKER* AND PAUL DESMOND*):

http://www.youtube.com/watch?v=Gsz3mrnIBd0


*Chet Baker (Chesney Henry Baker Jr.) (Yale, Oklahoma, 23 de Dezembro de 1929Amsterdã, 13 de maio, 1988) foi um trompetista de jazz norte-americano. (Wikipédia)

*Paul Desmond, (
San Francisco, Califórnia, 25 de Novembro de 1924 - 30 de Maio de 1977), foi um saxofonista ... e compositor, norte-americano, que ficou famoso por tocar no quarteto de Dave Brubeck, entre 1959 e 1967. Fez parte do West Coast Jazz, e uma das suas composições mais conhecidas é Take Five. (Wikipédia)

VENTOS DO LESTE


Foto by Fernando Campanella

Esta brisa de outono
me traz um poema de Bashô,
desperta aromas maduros ,
nascentes e frutos,
traz também o viés da vida,
fogo e cinza,
folha ressequida:

amplo leque de pretéritos
e prenúncios.

Este vento nos pinheiros do leste
tocou poetas longínquos
e agora ressoa minhas cordas:

já não sou o pária da noite,
o grande órfão do mundo.

Este sopro traduzido,
transportado a laranjeiras,
paisagens do meu quintal,
abre-me o grande livro da alma -

minha natureza é mãe e madrasta
de meus versos.

Fernando Campanella, outono de 2007

MATSUO BASHÔ



UMA NOITE NO TEMPLO DE ZENSHO

Hospedei-me nos subúrbios de Daishoji, num templo chamado
Zensho. Este lugar pertence ainda à província de Kaga. Sora tam-
bém se tinha hospedado neste templo, na noite anterior, e tinha
deixado este poema:

Toda a noite
escutei
o vento de Outono na montanha

Separava-nos a distância de uma noite, mas era como se entre
nós houvesse mil «ri». Também eu, escutando o vento do Outono
me deitei no dormitório destinado aos noviços. Ao romper a auro-
ra ouviram-se orações, soou a campainha e apressei-me a entrar
no refeitório. Desejava chegar, nesse mesmo dia, à província de
Echizen e saí a toda a pressa do templo, enquanto os jovens bon-
zos me seguiam com papel e pincéis, até ao pé da escadaria. Nes-
se momento caíam umas folhas de salgueiro no jardim. Ao calçar
as sandálias e aparentando mais pressa do que tinha, deixei escri-
to o seguinte:

Com folhas de salgueiros
é como posso pagar
a vossa cortesia

Matsuo Bashô, 1644-1694

sexta-feira, 20 de março de 2009

PROCELÁRIA


www.achetudoeregiao.com.br/.../procelaria.jpg

É vista quando há vento e grande vaga
Ela faz o ninho no rolar da fúria
E voa firme e certa como bala
As suas asas, empresta
à tempestade
Quando os leões do mar rugem nas grutas
Sobre os abismos passa e vai em frente
Ela não busca a rocha, o cabo, o cais
Mas faz da insegurança a sua força
E do risco de morrer, seu alimento

Por isso me parece imagem justa
Para quem vive e canta no mau tempo.

Sophia de Mello Breyner Andresen

AVIS CARA


Desenho: G. Cabaça - ImagDOP*
www.horta.uac.pt/.../2002/gaivooF_lq.jpg

Estás aqui comigo, amor,
tuas ondas
que a meus sonâmbulos peixes
ainda escamam;

teu pescoço em colar de sargaços,
tuas anêmonas-sereias
que os dias e as noites
ainda me cantam.

Aqui, ainda, o marulhar infindo,
o saciar tamanho,

teus faróis e teus dorsais abismos
em redes obscuras que me entranham.

Tuas asas errantes, ave cara,
ainda fazem de meus rochedos
a sua mais noturna morada.

Estás absolutamente aqui, amor,
( ‘Eternamente’ – sussurras-me )
mas até quando?

Fernando Campanella

*"... A gaivota, mais conhecida nos Açores como garça, é a única ave marinha residente do arquipélago. Nidifica em todas as ilhas e apresenta uma população de cerca de 6.400 indivíduos. É uma ave pouco estudada que ocupa uma grande diversidade de habitats, incluindo ilhéus, lagoas e costas rochosas. Alimenta-se de forma oportunista, ingerindo uma grande variedade de presas (rejeições e restos da pesca, pequenos mamíferos, aves e lixo)..."

( Trecho extraído de "Ave Marinha dos Açores", por Ana Meirinho e desenho de G. Cabaça, ImagDOP, do site: www.horta.uac.pt/.../2002/Artigo.htm)

quinta-feira, 19 de março de 2009

NINFÉIAS


Foto by Fernando Campanella

Eu vou aonde as nuvens
de impossíveis tons se embriagam,
eu nado onde aquáticos leques
se irisam em sonhos
e por arte do encanto se dissolvem.

Eu furto cores,
clico roxos que se miram
em espelhos que me expandem.

Bebo a luz, traço a alma,
eu sou o impressionista ambulante.

Então nem me perguntes
por quais cambiantes geografias me espalho:
meus olhos são câmeras mimadas
meus pincéis são artífices do instante.

Fernando Campanella

CLICK MÁGICO


1.bp.blogspot.com/.../s400/holanda+234.jpg

Chez Monet et chez moi

"Domingo fizemos um bonito passeio. A chuva que abriu o dia não sustentou-se, e o sol dominou o céu - para nosso alívio e contentamento. Saímos cedo de casa em direção a Giverny, onde Claude Monet, no início do século XX, já um artista reconhecido, recolheu-se para viver e trabalhar. Fomos, portanto, à casa de Monet, com seus jardins, ninféias e atelier.
Não há muito o que dizer, a não ser que vale à pena conhecer. Há flores de tudo quanto é tipo e cores, e o jardin aquático é uma beleza, com pontes, chorões e ninféias. Saíram desses recantos a inspiração para as famosas e gigantescas telas de Monet. Vi delas no Musée Orangerie (já falei disso numa outra postagem) e no Musée Marmottan (que acho que comentei, não sei). De toda forma, são lindas e imperdíveis.

Em Giverny está a fonte inspiradora, na tela o artista inspirado; ou, como nas fotos (retratos) de Richard Avedon que vi numa exposição aqui, o resultado artístico é aquilo que ocorre entre o pintor-fotógrafo e a paisagem-pessoa. [Avedon diz sobre os retratos de pessoas que fez aos montes sobre um fundo neutro: o retrato não é uma representação da pessoa (ou da realidade), mas antes o que subjetivamente ocorre, naquele momento mágico do "click", entre o fotografado e o fotógrafo.* Talvez dê pra pensar assim também sobre Monet-ninféias, embora, não sei, talvez no caso da pintura a habilidade, o talento, o estilo do pintor tenham um outro tipo de presença que a de um fotógrafo..."

(Texto de Mariana, em seu blogger: http://aflora.blogspot.com/2008/08/chez-monet-et-chez-moi.html)

O JARDIM DE MONET


Ninféias, tela de Monet
http://www.jardimdeflores.com.br/floresearte/JPEGS/MONE22.jpg


http://www.youtube.com/watch?v=yVpxLraHphk&feature=related

"...Em Giverny, além da casa cor-de-rosa, onde Monet morou até à sua morte, havia o jardim, que ele transformou num “mar de flores” inspirador de inúmeras pinturas, em todas as épocas do ano. A paixão de Monet pela jardinagem, iniciada desde os tempos em que viveu em Argenteuil, encontrou ali, em Giverny, um campo vasto para se desenvolver. Este amor pela jardinagem e por flores raras, além de ser o tema preferido em suas conversas, era compartilhado com amigos, como o escritor Octave Mirbeau que, em certa ocasião, lhe escreveu estas frases numa carta: “Como diz, vamos apenas falar sobre o tratamento das flores, visto que a arte e a literatura são bastante maçantes. Apenas a terra tem importância e amo-a como se ama uma mulher...

...O jardim era, de fato, uma obra-prima de Monet - concebido cuidadosamente de acordo com as idéias do artista. Ali, até as formas e as cores das plantas eram selecionadas sob os seus cuidados. Sabe-se, por exemplo, que um dos jardineiros tinha a incumbência de tratar permanentemente de manter a composição das ninféias na superfície do lago, da forma desejada por Monet. Esta área - arranjada de maneira artística e, de certa forma, separada do resto do jardim - com as ninféias, a ponte, a região à margem do lago com salgueiros, íris, agapantos e o arco das rosas tornou-se fonte dominante de inspiração para o artista.Tudo isso ficou registrado não só nas telas. No ano de 1908, ao se referir sobre as paisagens com as ninféias que lhe inspiraram muitas obras, Monet escreveu estas palavras: “Estas paisagens refletidas tornaram-se para mim numa obrigação que ultrapassa as minhas forças, que são de um velhote. Mas, mesmo assim, quero chegar ao ponto de reproduzir aquilo que sinto... e espero que estes esforços sejam coroados de êxito”.

(Trechos do artigo de Rose Aielo Blanco, jornalista e editora do www.jardimdeflores.com.br
publicado na Revista Tempo Verde - ed.Julho/97 )

"Cintilante de cores e reflexos que se misturam, esta paisagem é do lago de nenúfares que Monet construiu em sua casa em Giverny. Monet criava os efeitos de luz cobrindo a tela com pinceladas isoladas de cores diferentes. Quando Monet criou o seu jardim aquático , passou a perceber suas possibilidades pictóricas, utilizando-o como tema e pintando-o repetidamente, até sua morte. Sua primeira série de quadros do jardim, executada nos verdes de 1899 e 1900, reflete as constantes variações de luz e ar através da superfície do lago. Monet não só foi um membro proeminente do movimento impressionista, como também suas experiências com tintas, cores e luz constituíram um ponto de partida para a arte abstrata. Seu quase contemporâneo Cezanne descreveu-o como "apenas um olho, mas, Deus, que olho!".



(Texto do site de projetos de Educação Artística do Colégio 'Rainha da Paz'.)
http://www.rainhadapaz.g12.br/projetos/artes/imagens/im_quatrofases/S_Ninf%C3%A9ias.jpg&imgrefurl

quarta-feira, 18 de março de 2009

IDENTIDADES... DOIS POETAS NO TEMPO


Foto by Fernando Campanella


INTERLÚNIO

De onde o viés no peito
( este pranto incrustado)?

Viria do oceano premido
de abrolhos
de incursões de tempestades?
Ou é vórtice de alma
de luas cegas
de fantasmas desterrados?

De onde esta concha
que idealiza os pássaros?

Este azul
que esfuma os montes
e inventa um céu,
meu poder de ficção,
meu sonho,
o que paira tão alto
e que para sempre me escapa....

Fernando Campanella




UMA CANÇÃO

Por detrás dos meus olhos há águas
Tenho de as chorar todas.

Tenho sempre um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.

Respirar cores com os ventos
Nos grandes ares.

Oh, como estou triste...
O rosto da lua bem o sabe.

Por isso, à minha volta há muita devoção aveludada
E madrugada a aproximar-se.

Quando as minhas asas se quebraram
Contra o teu coração de pedra,

Caíram os melros, como rosas de luto,
Dos altos arbustos azuis.

Todo o chilreio reprimido
Quer jubilar de novo

E eu tenho um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.

Else Lasker-Schüler

terça-feira, 17 de março de 2009

A TABACARIA



Foi no início da década de setenta que me apresentaram Fernando Pessoa. Eu estudava em Belo Horizonte, à época, um adolescente tímido do interior, vivendo, solitário, naquele cenário grande.

Era um dia chuvoso. A professora de Língua Portuguesa parecia não estar com disposição para Gramática Histórica naquela tarde. Ainda menos dispostos estariam os alunos para aquela matéria, ditada pela mestra, ou copiada do quadro. Realmente, os pingos d’água, desenhando formas móbiles nas janelas de vidro da sala de aula, e o sussurro do vento favoreciam um outro tempo, não o do latim vulgar, do português antigo.

A ocasião , parece ter sentido a mestra, era para uma certa leitura da alma. E nada melhor que buscar na linguagem de um poeta aquele espelho, aquela voz do que sentimos , porém nunca encontramos palavras adequadas para dizer. Momento de confronto existencial com nosso enigma, e de uma invocação às eternas Sibilas, se não para respostas, certamente para um alumbramento, uma identificação.

Não sei o que levou a professora a escolher aquele escrito específico do Pessoa para a leitura daquela tarde. Se foi algo pré-determinado, ou se encontrou o poema, aleatoriamente, no livro que tinha em mãos, nunca poderei dizer. Mas o que realmente importa é que ‘A Tabacaria’ causou fundo impacto em mim. E deve ter tocado os meus colegas também, imagino, uma vez que se fez um profundo, compenetrado silêncio na sala durante a leitura do longo poema.


“Não sou nada. / Nunca serei nada. / Não posso querer ser nada./ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo...” Foi a partir destes versos, lá pelos meus quinze anos, que senti que faria de meus 'nadas', desta matéria impalpável do 'fugidio' que chamamos de sonhos, a minha poesia.


À parte o estudo do Latim, da Gramática Histórica, que tanto subsídio têm dado ao que escrevo, é na interação entre meu eu e a palavra, na poesia, que me empenho, assim, em prosseguir a longa tradição dos que atentaram à alma e escreveram os sonhos, reencantando a língua. Por onde os oráculos continuam.


Fernando Campanella, 17 de Março de 2009.

FERNANDO PESSOA, UM POEMA



Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa

segunda-feira, 16 de março de 2009

AO AMOR


Foto by Fernando Campanella


É na anunciação de galos-anjos da madrugada
que a terra acolhe teu nome
e as flores te comunicam em perfume
despertando o sono dos séculos.

É em intuições de estrelas mais raras
que os humanos te firmam
e se afastam da prepotência dos cetros.

Flor do sopro divino, natureza dos milagres,
Amor, és arquétipo de luz
a destilar do lodo todo o puro encanto.

Bendita a alquimia
dos que lustram minérios cansados
e à força de vida
te fazem despontar e crescer.

Fernando Campanella, 1984

domingo, 15 de março de 2009

DOIS POEMAS DE CESARE PAVESE


Foto de http://images.google.com.br/
imgres?imgurl=
http://absurdo.files.wordpress.com


No caderno Cultura do Estado de São Paulo deste domingo, um artigo sobre o escritor italiano Cesare Pavese (1908-1950), em vista do lançamento, na semana passada, de sua obra 'Trabalhar Cansa', em edição bilingue, tradução de Maurício Santana Dias, pelas editoras, em conjunto, Cosac Naify e Letras.

Na reportagem, a escritora Natalia Ginzburg (1916-1991), uma das amigas próximas do poeta, em um trecho de seu artigo 'Retrato de um Amigo, (Revista Ficções, editora 7Letras, Junho de 2000) comenta sobre seu suicídio, em um quarto de hotel em Turim:

"... Morreu no verão...Nenhum de nós estava lá. Escolheu para morrer um dia qualqer daquele tórrido agosto, e escolheu um quarto de hotel próximo à estação, querendo morrer na cidade que lhe pertencia, como um forasteiro. Havia imaginado sua morte numa poesia antiga, de muitos e muitos anos atrás:

Não será necessário abandonar a cama.
Só a aurora entrará no quarto vazio.
Bastará a janela para vestir cada coisa
De uma claridade tranquila, quase uma luz.
Pousará uma sombra escarna no rosto supino.
As lembranças serão coágulos de sombra
Tão escondidas como antigas brasas
Na lareira. A lembrança será a chama
Que ainda ontem consumia os olhos apagados."


Outro poema de Cesare Pavese:

MANIA DE SOLIDÃO


Como um jantar frugal junto à clara janela,
Na sala já está escuro mas ainda se vê o céu.
Se saísse, as ruas tranquilas deixar-me-iam
ao fim de pouco tempo em pleno campo.
Como e observo o céu — quem sabe quantas mulheres
estão a comer a esta hora — o meu corpo está tranquilo;
o trabalho atordoa o meu corpo e também as mulheres.
Lá fora, depois do jantar, as estrelas virão tocar
a terra na ancha planura. As estrelas são vivas,
mas não valem estas cerejas que como sozinho.
Vejo o céu, mas sei que entre os tectos de ferrugem
brilha já alguma luz e que, por baixo, há ruídos.
Um grande golo e o meu corpo saboreia a vida
das árvores e dos rios e sente-se desprendido de tudo.
Basta um pouco de silêncio e as coisas imobilizam-se
no seu verdadeiro sítio, como o meu corpo imóvel.
Cada coisa está isolada ante os meus sentidos,
que a aceita impassível: um cicio de silêncio.
Cada coisa na escuridão posso sabê-la,
como sei que o meu sangue circula nas veias.
A planura é água que escorre entre a erva,
um jantar de todas as coisas. Cada planta e cada pedra
vivem imóveis. Escuto os alimentos e eles alimentam-me as veias
com todas as coisas que vivem nesta planura.
A noite importa pouco. O rectângulo de céu
sussurra-me todos os fragores e uma estrela miúda
debate-se no vazio, longe dos alimentos,
das casas, distinta. Não se basta a si mesma
e precisa de muitas companheiras. Aqui no escuro, sozinho,
o meu corpo está tranquilo e sente-se soberano.

(Cesare Pavese, in 'Trabalhar Cansa' Tradução de Carlos Leite)

sábado, 14 de março de 2009

APPALACHIAN MOUNTAINS


Foto from Wikepédia

MANTIQUEIRA MOUNTAINS


Foto by Fernando Campanella

http://www.youtube.com/watch?v=96Zc9enoGCg
( Aaron Copland's Appalachian Spring, conducted by Peter Wilson)

Do alto destes montes, posso sentir a terra mais quieta, as cidades sem ruídos, as árvores desenhadas em antigas porcelanas chinesas lá embaixo.

Estes cumes são o de que preciso para abstrair certa leveza da vida, uma energia menos carregada do humano.

Aqui, o silêncio é interrompido apenas pela canção interna do vento, ou por um pio rarefeito de um pássaro, sua mística atravessando o ar.

O mundo visto daqui é uma aquarela cambiando cores ao longo do dia. Ao longe, às vezes, alguma tempestade se encorpa, confunde céus e terra, e passa.

Quando desço destes refúgios, novamente sinto o arsenal das cores carregadas de nossos conflitos. Paciência, não trago ainda a vibração dos santos.

Sorte minha que destes fundos silêncios e destas úmidas luas vez em quando me embriago. E que como Copland posso amar e me inspirar nas primaveras de minhas nascentes, como ele em sua Appalachian Spring*.

Fernando Campanella

*Appalachian Spring, no youtube acima, é uma obra do compositor norte-americano Aaron Copland, nascido no Brooklyn, Nova York, considerado por muitos o maior compositor americano do século XX e que se tornou particularmente conhecido por trabalhos que refletiam vários aspectos da vida na América.

sexta-feira, 13 de março de 2009

LUAS BRANCAS


http://www.overmundo.com.br/_
banco/img/1188321615_lua_agua.jpg

O medo de te perder
é o medo de me encontrar
- e trevo silente
ao sem-eira do vento
ao remoinho das brancas luas
retornar

Síndrome das crateras vagas
das horas nuas.
( Ai do estéril ventre
de toda antiga ausência
da sombra das palavras tuas.)

Fernando Campanella


THE DARK NIGHT OF THE SOUL ( A NOITE ESCURA DA ALMA)


Loreena Mckeennitt
Lohttp://images.google.com.br/imgres?imgurl=
http://2.bp.blogspot.com/_

Loreena McKennitt canta ' A noite escura da alma -
The Dark Night of the Soul':


http://www.youtube.com/watch?v=FcVaEA0009Q


THE DARK NIGHT OF THE SOUL (LYRICS)
BY LOREENA MCKENNITT

Upon a darkened night
the flame of love
was burning in my breast
And by a lantern bright
I fled my house
while all in quiet rest
Shrouded by the night
and by the secret stair
I quickly fled
The veil concealed my eyes
while all within lay
quiet as the dead
Chorus
Oh night thou was my guide
oh night more loving than the rising sun
Oh night that joined the lover
to the beloved one
transforming
each of them into the other
Upon that misty night
in secrecy,
beyond such mortal sight
Without a guide or light
than that which burned
so deeply in my heart
That fire t'was led me on
and shone more bright
than of the midday sun
To where he waited still
it was a place
where no one else could come
ChorusWithin my pounding heart
which kept itself entirely for him
He fell into his sleep
beneath the cedars
all my love I gave
And by the fortress walls
the wind would brush his hair
against his brow
And with its smoothest
handcaressed my every sense
it would allow
ChorusI lost myself to him
and laid my face upon my lovers breast
And care and grief grew dim
as in the mornings mist became the light
There they dimmed amongst the lilies fair
There they dimmed amongst the lilies fair
There they dimmed amongst the lilies fair















quinta-feira, 12 de março de 2009

FRUTOS DA TERRA


Frutos da terra, tela de Frida Kahlo
http://ciberpalheiro.blogspot.com

Benditos os filhos do ventre da terra
Que o sol desperta tão cedo,
O trigo e a uva os aguardando no campo
Para o mágico processo do pão e do vinho.

Benditos os frutos da terra
Que se abrem à manhã
Em silêncios e cantos
Que mesclam no ar

E os filhos da paz,
Que ligam o céu ao mundo,
Os que reciclam o dia
E dele retiram sustento e eternidade.

Abençoados os que bendizem,
Os que curam, e que a dor amenizam,
Os que por via de tolerância
Se entendem.

Benditos os que domam a cólera
E se transformam no amor,
Amor que bebe da identidade da vida.



Bendito o sol que amadurece os frutos de terra.
Mais bendita a luz
Por que anseia ‘a noite escura da alma’*.

Fernando Campanella, 1985




* Noite escura da alma, metáfora inspirada
nos versos de São João da Cruz,
em seu poema 'Noite Escura, abaixo:



Em uma noite escura
De amor em vivas ânsias inflamada
Oh! Ditosa ventura!
Saí sem ser notada,
´stando já minha casa sossegada.
Na escuridão, segura,

Pela secreta escada, disfarçada,
Oh! Ditosa ventura!
Na escuridão, velada,´
stando já minha casa sossegada.
Em noite tão ditosa,

E num segredo em que ninguém me via,
Nem eu olhava coisa alguma,
Sem outra luz nem guia
Além da que no coração me ardia.
Essa luz me guiava,

Com mais clareza que a do meio-dia
Aonde me esperava
Quem eu bem conhecia,
Em lugar onde ninguém aparecia.
Oh! noite, que me guiaste,

Oh! noite, amável mais do que a alvorada
Oh! noite, que juntasteAmado com amada,
Amada no amado transformada!
Em meu peito florido

Que, inteiro, para ele só guardava,
Quedou-se adormecido,
E eu, terna o regalava,
E dos cedros o leque o refrescava.
Da ameia a brisa amena,

Quando eu os seus cabelos afagava,
Com sua mão serenaEm meu colo soprava,
E meus sentidos todos transportava.
Esquecida, quedei-me,

O rosto reclinado sobre o Amado;
Tudo cessou. Deixei-me,Largando meu cuidado
Por entre as açucenas olvidado.








terça-feira, 10 de março de 2009

O DALAI-LAMA DO TIBET


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A notícia sobre Tibetanos manifestando-se, na Índia e no Nepal, contra a ocupação de seu território pela China, aos cinqüenta anos de uma fracassada sublevação que levou o Dalai Lama e autoridades do Tibet ao exílio na Índia, motiva-me a releitura de um livro dentre os definitivos em minha vida, ‘Liberdade no Exílio – Uma autobiografia do Dalai Lama do Tibet’, Editora Siciliano, 1992.

O relato completo, dramático, pelo líder político e espiritual, desta saga, sua fuga para a Índia, em 1959, assim como da deterioração da cultura e das condições de vida do povo tibetano pós- invasão, é apresentado no livro de uma maneira objetiva, com honestidade histórica, ao lado de uma grande demonstração de amor por sua tradição e sua gente, e de uma defesa da livre determinação dos povos.

Por ser uma autobiografia, fatos de seu nascimento, sua infância, passando pelo processo de escolha e de sua unção como décimo quarto Dalai Lama, sua adolescência e treinamento na palácio Potala em Lhassa, e sua fase adulta como governante, são o fio condutor destas memórias que nos desvendam mistérios e belezas das tradições e rituais budistas.

E é no pensamento, na visão budista do mestre que se encontra o maior encanto deste seu relato. O Dalai Lama, em uma bela, poética, narrativa, nos revela toda sua simplicidade, sua compaixão a todos os seres vivos, por um lado. Em outra vertente, mostra-se aberto a um diálogo entre o Budismo e a Ciência e a outras religiões. Firmado na tolerância, acredita que diferentes culturas, crenças, etc., possam encontrar um denominador comum e cooperarem para o progresso espiritual da humanidade.

O Budismo, com seu conhecimento sobre os vários níveis de consciência, suas técnicas de meditação para um maior autocontrole e uma percepção mais afinada com a realidade espiritual, tem muito a ensinar para um ocidente extremamente polarizado na competição e no conforto material. O princípio do respeito como condição para nossa evolução e aperfeiçoamento, a compaixão a tudo que vive, de plantas, insetos, a seres humanos, vivos e mortos, faz também desta doutrina milenar uma precursora das idéias ecológicas que os ocidentais vêm tomando consciência a partir do século passado. Tudo isso emana das palavras e atitudes de Sua Santidade o décimo quarto Dalai-Lama do Tibet, neste livro.

Por sua luta pacífica incansável pela libertação de seu povo e pelo entendimento entre os homens, inspirada em Mahatma Gandhi, o Dalai- Lama recebeu, merecidamente, o prêmio Nobel da Paz em 1989. Seu discurso de aceitação termina com a reafirmação de seu propósito desde que exilou-se do Tibet:

“... O prêmio reafirma nossas convicções de que, com a verdade, a coragem e a determinação como nossas armas, o Tibet será libertado”.

De uma amiga, que o viu pessoalmente no Brasil, ouvi o seguinte: “ O Dalai-Lama é para mim o maior líder espiritual da terra. Ao vê-lo passando, senti um ventinho de Deus”.


Fernando Campanella, 10.03.2009

http://indiagestao.blogspot.com/2009/01/mantra-om.html


PALAVRAS DO DALAI-LAMA


http://newsimg.bbc.co.uk/media/images/44493000/jpg/_
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Palavras do Dalai- Lama em sua autobiografia:

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi0DMOtnEarSu2ncunyhpgy-cxJ0hf1Kkk3x0D1TzUXzf8kGfqI1D5Z8sKmzgAr4D8fYz03hc5yZdDx7cULCiorXTdbsb6rIVDfIDUP-j2vOr3hGkNDwqWZZJ_GRhABGxobtFylgRXXtbRg/s400/ATcAAAAY3nCfpE5yRrjrExzqXfhoRHk8s1RvtUlGrQe6qcvBQqWuw6lIX8GYevbJ6TSCs5FIB6-psQZXG_ISGQ9FsBqqAJtU9VAwpoFbd7XWglDQIugU9zw_tFOxYQ.jpg

SOBRE MADRE TERESA DE CALCUTÁ:

“...Madre Teresa de Calcutá ... é outra pessoa por quem tenho o mais profundo respeito. Fiquei logo impressionado pela sua atitude de absoluta humildade. Do ponto de vista do budismo, ela poderia ser considerada um bodthisattva...”

SOBRE MEDICINA TIBETANA

“O tratamento ( de uma doença) consiste, primeiro, eem comportamento e dieta. Só em segundo lugar vêm os remédios. Em terceiro lugar, a acupuntura e a moxibustão (um tratamento específico pelo calor) E em quarto a cirurgia. Os remédios são feitos de material orgânico, às vezes combinado com óxidos metálicos e certos minerais (inclusive, por exemplo, diamantes pulverizados)...”


SOBRE DENG XIAOPING , GOVERNANTE COMUNIST CHINÊS;

“...Acresce que, em matéria de política, ele se mostrava mais preocupado com economia e educação que com ideologias e slogans vazios...”

DE SUA VISITA À URSS:

“... a espiritualidade está tão profundamente enraizada na mente do homem que é difícil de erradicar – senão impossível...”

SOBRE A RELIGIÃO , EM SUA VISITA À URSS

“... Foi nesse museu que vi um quadro que mostrava um monge com uma grande boca aberta na qual entravam nômades acompanhados de seu gado. Aquilo tinha uma óbvia intenção de propaganda anti-religiosa... Havia alguma verdade no que a pintura dizia... Toda religião tem a capacidade de fazer mal, de explorar as pessoas, como dizia aquela imagem. Não era culpa da religião em si, mas daqueles que a praticam.

SOBRE A CONSCIÊNCIA:

“... Segundo o pensamento budista, são muitos os níveis de consciência. Os mais grosseiros são os da percepção ordinária – tato, visão, olfato, etc – e os mais sutis, os que se apreendem no momento da morte. Um dos objetivos do Tantra é permitir ao praticante ‘experimentar’ a morte porque é então que as mais potentes realizações espirituais acontecem...”

SEU PLANO DE PAZ ( PARA O TIBET) DE CINCO PONTOS:

1. A transformação de todo o Tibet numa zona de paz.

2. O abandono da política chinesa de transferência de população, por ameaçar a própria
existência dos tibetanos como um povo.

3. Respeito aos direitos humanos fundamentais e às liberdades democráticas do povo ti-
betano.

4. Restauração do meio ambiente tibetano e sua proteção, com o abandono pela China
do uso do Tibet para a produção de armas nucleares e lançamentos de refugos nucle-
ares.

5. Início de negociações sérias sobre o status futuro do Tibet e das relações entre os po-
vos tibetanos e chinês.















segunda-feira, 9 de março de 2009

HERMANN HESSE


(Aquarela de Hermann Hesse)
confortin.com.br/?p=68

Hermann Hesse é uma presença, uma identificação em minha vida. Seu romantismo atemporal, sua sensível leitura do mundo , suas aquarelas, tudo dele me toca, como um mistério, tornando-me, além de um admirador ou um discípulo, um continuador desta corrente de almas que buscam na natureza inspiração e sentido, nela encontrando sua verdadeira pátria.

Este poema meu, abaixo, exemplifica o exposto acima:

Outono
uma aragem
uma estação
um rito de passagem...
um cão sem pelo
em cima do muro:
não é lava nem gelo
nem claro nem escuro
uma luz quase sedada
em transição
(as árvores confrangem;
os ursos já estendem
suas camas)
um sopro
esta alma esvoaçada
um verso
uma folha de mim
à tua janela
deixada.

Fernando Campanella


Agora, um trecho de um livro de crônicas de viagem do Hesse, ‘Pequenas Alegrias’, que comprei em um Sebo. Publicação da editora Record em bela tradução de Lya Luft, de 1977.


“...Muitas coisas boas ainda nos esperam antes que o inverno retorne. As uvas azuladas se tornarão macias e doces, os rapazes cantarão durante e colheita, as mocinhas em seus coloridos lenços de cabeça parecerão belas flores do campo entre as videiras. Muitas coisas boas ainda nos aguardam, e muito do que hoje nos parece amargo amanhã parecerá doce, quando tivermos aprendido melhor a arte de morrer. Por enquanto esperamos o amadurecer das uvas, o cair das castanhas, esperamos apreciar a próxima lua cheia, envelhecemos visivelmente, mas ainda vemos a morte bastante ao longe. Como disse um poeta;

Magnífico é para os velhos
O calor do fogão e o rubro vinho,
E por fim uma suave morte –
Mais tarde, porém, hoje ainda não!

( Hermann Hesse, Fim de verão, 1926)




PELOS CAMPOS


Passam nuvens no céu,
sopra o vento pelos campos,
pelos campos vagueia
o perdido filho de minha mãe.
Rolam folhas nas estradas,
- cantam pássaros nas árvores
nalgum lugar pelos montes
deve estar minha terra
distante.

(Hermann Hesse)


domingo, 8 de março de 2009

A OSTRA E A POESIA


Ferreira Gullar (http://images.google.com.br/imgres?
http://palavraguda.files.wordpress.com/)

Tenho estado um tanto alheio aos acontecimentos do mundo. Fruindo a vida possível, em certas incursões pela natureza, pelo passado, buscando a cultura do simples, do espontâneo, transformando essas experiências em crônicas, pensamentos e poesias.

Hoje, sentindo-me distante, tão particularmente encerrado neste meu 'viver -ostra', disponho-me a dar um giro pelas notícias e reportagens dos jornais do dia. Novamente, é uma realidade a cada instante mais complexa com que me deparo.

Há uma matéria especial sobre os novos empregos do século vinte e um. E mais profissões, altamente especializadas, que passo a conhecer , como a do aquaculturista, que atua na produção de organismos aquáticos. E e a do atuário, profissional que sabe mensurar quanto custam os riscos, um gestor de possíveis danos, espécie de guru das empresas de seguros, por exemplo. . Acidentes de trânsito, doenças, viabilidade de investimentos, tudo passa pelo seu crivo e aferimento.

Nas praias do litoral norte de São Paulo, uma nova modalidade de lazer aquático, o Stand Up Paddle Surf , é o frisson deste verão. Esporte para cuja prática são necessários apenas um prancha e um remo.

A equipe de lexicógrafos do Novo Dicionário Americano de Oxford apresenta sua lista de neologismos mais ‘quentes’ de 2008. 'Frugalista' é um deles, escrito exatamente assim, com o sufixo espanhol ‘ista’ adotado nos anos 90 pelos americanos na palavra ‘fashionista’, referente a alguém que segue religiosamente a moda. 'Frugalista', por sua vez, designa a pessoa que mantém um estilo de vida frugal, permanecendo, porém, saudável, sempre na moda, reciclando ou trocando roupas, comprando utensílios de segunda mão, etc. Sábia atitude neste ano de vacas magras que se inicia.

Mas o foco das manchetes e reportagens dos jornais deste domingo recai sobre os preparativos para a posse de Barack Obama, e o grande desafio que esse carismático democrata tem pela frente: os Estados Unidos e o mundo em recessão e o acirramento da eterna crise no Oriente Médio.

Um pouco mais atualizado com o que acontece fora do meu quintal, passo ao que mais me interessa, uma entrevista com Ferreira Gullar, no Estado de São Paulo. O poeta, aos oitenta anos, retorna à poesia, uma década após a última publicação de seus versos. Está finalizando o livro 'Em Alguma Parte Alguma', com poemas inéditos, a ser lançado pela editora José Olympio.

O que me toca nessa entrevista são suas declarações sobre o seu ser e fazer poéticos.

Para Gullar, cronista, pintor, crítico, o mais importante é a poesia, que nasce do espanto quando a vida lhe revela um novo ângulo, algo que desconhecia. Um perfume de jasmim já lhe inspirou os sentidos para a criação de um maravilhoso poema.

Fecho, então, os jornais, apaziguado. Quando detalhes tão mínimos , como uma certa luz , uma árvore em flor, ou uma canção antiga, me inspiram, não estou tão só, tão abstraído do humano, assim.

Após tanta atuação e conhecimento do mundo, Gullar redescobre o poeta que sempre trouxe dentro de si . E nos diz que o cotidiano com suas particularidades provoca-lhe, às vezes, uma desordem interna, um impulso incontrolável que o leva à poesia.

Minhas também as suas palavras e a sua idiossincrasia.
Fernando Campanella, Janeiro de 2009



'...E digo mais: o poema não é a expressão do que se viveu ou experimentou. Se eu sinto um cheiro de jasmim na noite e escrevo um poema sobre esse fato, o que faço não é expressar tal experiência, mas, na verdade, usá-la como impulso para inventar uma coisa que não existia antes: o poema, o qual se somará a todas as galáxias, planetas, cometas, oceanos e tudo o mais que exista no universo. E o universo será, a partir de então, tudo o que já era mais aquele pequeno agregado de palavras, nascido de um perfume."

Ferreira Gullar, parágrafo final da crônica "E o cronista endoidou..." Folha de S.Paulo (19.06.2005)

DESORDEM


"... o jasmim, por exemplo
é um sistema
como a aranha
(diferente de poema)
o perfume
é um tipo de desordem
a que o olfato põe ordem
e sorve..."
(Ferreira Gullar)


UMA COROLA

Em algum lugar
esplende uma corola
de cor vermelho queimado
metálica
Não está em nenhum jardim
em nenhum jarro
da sala
ou na janela
Não cheira
não atrai abelhas
não murchará
apenas fulge
em alguma parte
da vida
(Ferreira Goulart, Uma corola,
de seu livro inédito)